Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Almoço das Folias


Após o almoço os foliões da "Embaixada Santa", de São João del-Rei,
 descansam e depois agradecem pela oferta alimentar. 
Encontro de Folias de Reis de Mercês de Água Limpa (ex-Capelinha), 
distrito de São Tiago / MG. 

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: Cida Salles, 2009.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A festa antes da elevação a santuário

 Os festejos de 1998 a 2003


            A parte folclórica-religiosa iniciou-se na pascoela (designação portuguesa da semana seguinte à páscoa), quando começaram a sair às ruas e à zona rural as folias do Divino, em jornada de visita às casas, anunciando o jubileu e arrecadando donativos.

            Concomitantemente o cavaleiro do Divino marchou solitário pelos rocios, com as mesmas funções de uma folia a não ser a da parte musical.

            Enquanto folias e cavaleiro jornadeavam pelo município, os preparativos para a festa estão a todo vapor. A comissão corre atrás dos últimos detalhes, compras, patrocínios, questões organizacionais, pintura dos mastros, montagem do coreto, etc.

            Uma atração acontecida apenas em 2003, acerca de um mês antes da festa, foi o leilão de gado, realizado nas dependência do matadouro municipal, em Matosinhos. Procuradores de gado, previamente designados por cartas de apresentação, percorreram a zona rural do município arrecadando bezerros, garrotes, leitões e galinhas. Apareceram também prendas diversas, tudo leiloado em favor da festa. Josino Inácio do Nascimento foi o leiloeiro. O local foi enfeitado com um estandarte do Divino. O evento foi anunciado nas emissoras de rádio locais e alertado na hora por seguidos rojões.

            Na Quinta-feira da Ascensão, pelas 18 horas, os caixeiros precedidos pela bandeira do Paráclito, rumaram para a residência do imperador coroado onde rufaram em sua homenagem. Depois da merenda que ele lhes ofertaram o conduziram para a matriz onde todos assistiram à missa. Ao fim da celebração entronizaram a imagem do Divino no altar-mor.     
                  
            A novena processou-se dividida em duas fases: nos seis primeiros dias como reflexões comunitárias, em cada comunidade paroquial e só nos últimos três dias na matriz, de 1998 até 2002. De 2003 em diante todos os dias passaram a ser na matriz.

            A cavalgada do Divino transcorreu dentro do período compreendido pela novena e serviu de anúncio à festa. Percorreu as vias principais.

            Os três últimos dias da novena tiveram a designação de tríduo preparatório. As atividades foram noturnas. De dia, fugiu à rotina apenas o repique festivo de sinos da matriz e alguns fogos de artifício que ali se soltaram às 12, 15 e 18 horas.

A quinta-feira foi consagrada a Santana[1].

Pelas 18 horas, na gruta do Divino, esteve reunida a comunidade local para a novena (que ocorre paralela à de Matosinhos embora pertença a outra paróquia – São Francisco de Assis). Foi erguido, ao seu término, um mastro ao Espírito Santo, entre a gruta e o cruzeiro que a ladeia. Na seqüência outro mastro, também do Divino, foi fincado junto ao salão da Conferência de Santa Clara. O evento foi bem restrito, sem concorrência. O acompanhamento musical variou com os anos (folia, congado, caixeiros ou sem acompanhamento). Houve fogos de artifício avulsos.

A missa das 19 horas foi de responsabilidade do grupo de Renovação Carismática Católica. Atraiu muitos fiéis, carismáticos ou não. Durante a celebração, o quadro do Espírito Santo e o de Santo Antônio ficaram juntos ao altar. Estes quadros foram erguidos nos mastros. Sobre o altar estiveram as insígnias do Divino (que aí ficaram nos três dias do tríduo). Ao término ocorreu a novena. Uma vez encerrada o sino tocou e alguns fogos avulsos foram soltos.

Na porta principal se postou em dupla fila a irmandade do Santíssimo Sacramento dessa paróquia, com os ciriais encabeçando cada ala e o cruciferário ao centro e à dianteira. O padre abençoou os quadros e procedeu-se uma rasoura com eles, acompanhada pelos fiéis e pelo(s) congado(s) da cidade [2]. Contornando o adro, a pequena procissão chegou aos buracos abertos no vasto pátio, guarnecidos cada um por uma vela acesa. Neles se fincou primeiro o grande mastro do Espírito Santo e na sequência o de Santo Antônio [3]. O momento foi de muita prece dos fiéis e de efusiva alegria. Os sinos dobraram. O vigário deu uma bênção. Fogos espoucaram.

O levantamento dos mastros foi o momento em que os rituais folclóricos se consolidaram, mas também passaram por experiências adaptativas. Em 1998 foram erguidos pelos congadeiros na véspera de Pentecostes, o mastro do Divino ao centro e  ao seu redor dois outros, um de cada grupo presente – de N. S. do Rosário e de S. Benedito. No ano seguinte foi mantido neste dia, mas ausente o mastro de S. Benedito. De 2000 em diante o levantamento foi adiantado para a quinta-feira e desde então se mantém. A partir de 2003 foi abolido o do Rosário, que só passou a ser permitido no Dia Maior.

            A sexta-feira do tríduo foi consagrada ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A celebração foi por intensão dos folieiros e congadeiros vivos e falecidos. Trata-se de uma missa inculturada, com inovações anuais sobre o mesmo fio condutor. Tem sido uma atividade de grande êxito no jubileu. Sua iniciativa foi do “Grupo de Inculturação Afro-descendentes Raízes da Terra” [4], de características parafolclóricas e paralitúrgicas, com acentuada atuação da tradicional família Neves, que tem sido um dos baluartes da manutenção das tradições culturais e religiosas da cultura popular.

O sábado, véspera de Pentecostes, teve programação mais numerosa. Pelas 15 ou 16 horas, de 1999 a 2002, houve o anúncio feito pelo alferes da bandeira no centro histórico. O cargo era então ocupado pelo mesmo cavaleiro do Divino que também compareceu montado, contudo, trouxe o cavalo enfeitado com plumas à testa, e outros atavios. O cavaleiro vestiu calça branca, botas pretas de cano alto, jaquetão de veludo com alamar, dragonas, botões dourados, bordados amarelos na lapela. Chapéu tricorne revestido do mesmo veludo, cor de vinho, com debruns dourados; ou um chapéu à espanhola, do mesmo material, quebrado de um lado, com uma pluma afixada.

            Percorreu as ruas antigas do centro da cidade, segurando o estandarte do Divino, em marcha compassada, acompanhada por uma banda de música. A passeata anunciatória sai do Largo Tamandaré (Praça Severiano de Resende), Rua Marechal Deodoro, Travessa Lopes Bahia, Largo do Carmo, Largo da Cruz, Largo das Mercês, Rua Monsenhor Gustavo (ladeando a catedral), Largo do Rosário, Ponte do Rosário, Rua da Prata (atual Rua Pe. José Maria) e termina no Largo de São Francisco. Tal anúncio se inspirou naquele de outrora que ficou célebre na véspera festiva, quando uma banda tocava pelas ruas da cidade até Matosinhos.

            Da monumental Igreja de São Francisco de Assis, partiu às 17 horas a Procissão do Imperador Perpétuo, Santo Antônio de Pádua. Esse horário foi adotado a partir de 2001. Antes ocorria às 16 horas. Na festa de 1998 (organizada heroicamente em apenas três meses) não houve tempo hábil para ser organizada. A liteira saiu da casa do imperador com o cortejo imperial, no domingo. No ano seguinte saiu a procissão, o que seria impossível sem o apoio e compreensão da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Antes da saída, o sacerdote convidado, padre Antônio Claret Albino, procedeu à bênção de um milheiro de pães doados por fiéis, que mais tarde foram distribuídos à porta da matriz de Matosinhos. A dificuldade em consegui-los não possibilitou mais que fossem distribuídos pães bentos nas festas consecutivas.


Imagem de Santo Antônio da
Igreja de São Gonçalo Garcia.
Usada como representação do Imperador Perpétuo
nas primeiras procissões após o resgate.
            A estrutura processional foi a seguinte: na dianteira, o alferes da bandeira a cavalo; logo a seguir, ao centro e à frente, o cruciferário (membro da irmandade do Santíssimo de Matosinhos), ladeando-o, à direita e à esquerda, como abre-alas, os ciriais (idem); o povo em sequência em duas filas paralelas; ao centro, entre as filas, foram crianças vestidas de anjos e virgens e pessoas carregando as bandeiras do Divino em fila dupla, puxadas pelo mordomo da bandeira e tendo na retaguarda o mordomo da coroa, com um estandarte do Espírito Santo[5]. Na seqüência veio o imperador coroado, de terno, trazendo a coroa não na cabeça mas nas mãos, em sinal de respeito ao imperador perpétuo. Seguiu-se a liteira, carregada por soldados a convite dos festeiros, que consideraram que Santo Antônio é patrono dos militares. Ao lado da liteira houve uma escolta de quatro lanternas processionais levadas pelos irmãos do Santíssimo de Matosinhos. Seguiu-se o padre com os coroinhas e os representantes dos sodalícios religiosos convidados. Veio a folia do Divino das mulheres e a banda, que fechou o cortejo. Durante uma breve parada na travessia da via férrea, a banda saiu do cortejo em direção à Gruta do Divino (onde lhe ofertaram um lanche) e aí entrou em seu lugar outras folias do Divino (bairro das Fábricas e Guarda-mor) que trouxeram o imperador eleito, que se postou à direita do imperador coroado. Na Praça Pedro Paulo ingressou mais uma folia. Até 2001 a liteira ficava no Salão de Santa Clara donde só seguia até a matriz no dia seguinte, embora os fiéis prosseguissem em marcha.

Na passagem pelas igrejas, houve fogos de artifício e toques de sinos.

         O itinerário antigo foi conservado por razões históricas: Largo de São Francisco, Rua Balbino da Cunha, Igreja de São Gonçalo Garcia, Rua Comendador Bastos (antiga Rua da Misericórdia), Praça Duque de Caxias, Matola (atual Rua Padre Sacramento) e daí a Matosinhos pela Praça Pedro Paulo, Ponte Beltrão e Rua Bernardo Guimarães. Esse trajeto é aquele que outrora passava a procissão e ainda quantos vinham a Matosinhos, única via de acesso desde os tempos coloniais.

Continuando a programação, ocorreu a missa, que nesse dia foi por intenção dos festeiros e benfeitores da paróquia e da festa. A participação especial tem sido do grupo “Coroinhas de Dom Bosco”, competente coral da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar. Ocorreu em 2003, após a missa, a coroação da imagem de Nossa Senhora da Lapa pelo imperador. Recém-chegada da oficina de restauração, houve oportunidade de empregá-la neste mister. Montada sobre um andor, adornada em conformidade e iluminada com um foco sustentado por bateria de automóvel, foi coroada sob aplausos e vivas. Foi então carregada processionalmente, ao redor do altar. Frise-se que o imperador, antes de coroá-la, retirou a própria coroa da cabeça em sinal de respeito e humildade, reconhecendo que a realeza de Maria é maior.

Um detalhe acrescido em 2003 foi a toalha do altar e a toalha de ambão com a efígie de Nossa Senhora da Lapa, iniciativa de um dos festeiros, José Gonçalves de Sousa, que custeou a idéia anterior de outro festeiro, Otávio Félix Pereira da Silveira. As estampas das toalhas tiveram o risco de Aluísio dos Santos [6]; pintura e apliques de Rodrigo de Oliveira Lima.

Enquanto acontecia a missa foi servido um lanche aos folieiros no salão da catequese [7], de função muito relevante na coesão dos grupos pela confraternização e auto-valorização que proporcionou.

O salão esteve todo enfeitado com motivos pentecostais e mensagens, afixadas em cartazes nas paredes e escritas a giz no quadro negro, davam as boas-vindas e parabenizavam aos folieiros. Cadeiras foram espalhadas pelo perímetro, tendo o centro livre. Ao fundo a mesa com grande fartura de doces, salgados, bolos, refrigerantes e café. Todas as folias se reuniram e alimentaram-se à vontade. Enquanto se alimentavam, os membros da Pastoral Vocacional cantam ao violão músicas da Igreja para os folieiros. Ao término da refeição, montou-se uma folia gigante, formada da totalidade dos participantes de todas as folias, irmanados no objetivo único de agradecer. Irrompeu o primeiro mestre cantando na sua toada dois ou três versos, que os outros folieiros acompanharam. É a vez de outro, na respectiva toada e assim por diante, cada um no seu ritmo que de imediato foi acompanhado pelos membros das outras folias. O êxito desta recepção às folias foi devido sobretudo aos esforços abnegados de Márcia Mercês Santos Neves.

Ao final da novena todos se juntaram em torno do coreto. Houve o encontro das bandeiras, assim chamada a apresentação das folias do Divino, uma por vez. Evento muito concorrido. O adro permaneceu lotado até o fim das apresentações. O público muito variado e bastante atento, demonstrou o grande prestígio dessa manifestação folclórica. Apenas em 1998 o encontro foi domingo à tarde.

            Finda a apresentação, subiu ao coreto o grupo de serenata da ASAP [8], de qualidade indiscutível. Encerrou a noite com chave de ouro, rememorando com afinação, velhos sucessos enamorados.

Em 2003 houve um show após a serenata.

O dia maior iniciou-se cedo com a alvorada, desdobrada em etapas. Houve dois anúncios feitos por um rojão solitário na gruta do Divino, às 5 e às 5 h 15. Às 5 h 30 estourou-se uma bateria de fogos nesse local e os caixeiros fizeram os toques dos tambores, na gruta, no mastro local, no cruzeiro que o ladeia e no império, ali armado. Com mais 15 minutos foi feito o toque das caixas na Santa Clara, diante do salão e do mastro. Alguns fogos espoucaram à parte. Às 6 horas em ponto foi a vez da alvorada central e de obrigação, na matriz. Após a sexta badalada, irrompeu o foguetório, os toques de caixa dentro do templo e os repiques dos sinos.

A seguir bateram-se as caixas ao redor dos mastros principais. Encerrou-se a alvorada entre 6 h 15 e 6 h 45, com o toque de caixas à porta do imperador, que lhes serviu breve merenda. Toda a movimentação dos caixeiros foi feita com uma bandeira do Espírito Santo à dianteira.
O adro e o templo estavam enfeitados. Internamente flores em profusão nos altares e nichos, além das alfaias próprias ao dia. Todas as toalhas e cortinados foram vermelhos e da mesma cor os paramentos sacerdotais. Externamente muitas bandeirinhas de papel de seda, brancas e vermelhas, alternadas, em longos cordões que partiram da cruz do frontispício em direção aos postes do adro. A partir de 2001 cada poste passou a ter também uma bandeira branca e outra vermelha amarradas a ele. Em 2003 acrescentou-se o gonfalão, na mesma cor, esvoaçando em cada torre. Nesse mesmo ano colocou-se pelo lado da praça duas placas nas colunas que sustentam o portão de entrada. Numa se escreveu 1774 e noutra 2003, datas respectivas da primeira festa e a daquele ano [9].

            A missa matutina foi nesse dia intitulada “festiva” e de forma condizente conduzida alegremente, mais informal, breve. Parte musical ficou a cargo do coral paroquial.

            Ao seu término e em seqüência, os congados começaram a ser recebidos no adro. Cada guarda [10]foi recepcionada no portão central do adro pelos capitães-meirinhos e meirinhos. Os grupos foram saudados a começar pela bandeira e a seguir o 1º e 2º capitão, caciques e dançantes. A forma de cumprimento entre todos foi específica. Era então costumeiro ficar junto ao portão alguém com a bandeira do Divino, ofertada ao ósculo dos fiéis. Os congados saudaram aos festeiros, pediram licença e louvaram aos santos.

A seguir fincaram seus próprios mastros, com o quadro ou bandeira do santo de devoção ou outros eventualmente emprestados pelos festeiros. Nem todos os grupos porém ergueram mastros. Foram fincados em semicírculo ao redor dos principais (Divino e Santo Antônio), que ali já estavam desde a quinta-feira. Eram menores em altura e a sua posição satélite permitia simbolicamente compreender que os santos protetores de cada guarda visitante estavam também presentes para ajudar a festa.

A Missa das Crianças foi celebrada às 9 e 30 horas pelo bispo Dom Valdemar Chaves de Araújo. Teve a participação do grupo de pastorinhas das Águas Férreas e de vários escolares do bairro e de outras partes de cidade.

            Como os congados não tocam durante a celebração, foi costume até 2002 levá-los neste horário para a quadra do Centro Social e Cultural da paróquia, onde lhes serviam o café da manhã, mediante apresentação de fichas, previamente distribuídas e entregues na passagem pela portaria. Em 2003 foi instituído com êxito novo esquema: os capitães-meirinhos e os meirinhos, postados na rua em frente à igreja e os festeiros responsáveis pela distribuição das fichas, encaminharam cada terno ao descer do ônibus direto para o café, à partir das 7 horas. Terminado o desjejum vinham para a igreja. Na hora da Missa das Crianças os congados se deslocavam para a Vila Santo Antônio, o que só ocorria antes do referido ano, após a celebração.

O recolhimento do reinado apenas em 1998 se processou no Jardim Paulo Campos, à Rua João Cantelmo. Já a partir do ano seguinte foi deslocado à Vila Santo Antônio, onde se mantém. Até 2001 o reinado (reis, rainhas, príncipes e princesas) e o juizado (juízes e juízas de vara, de manto e de ramalhete) se reunia numa garagem ampla da Rua Barão de São João del-Rei e depois, com a construção do Salão Comunitário de Santo Antônio na Rua Antônio Firmino de Paula para lá se transferiu, na mesma vila.

            O salão foi adornado. Os personagens reais como convidados honorários aguardavam os congados. Trajados e com a coroa à cabeça, os reis, rainhas, príncipes e princesas receberam cada qual um cetro de madeira, nas cores do Divino e os juízes as insígnias que os denominam.

Os congadeiros desceram pela Rua Guia Lopes. Cada guarda que passou defronte ao salão veio saudar o reinado e escoltar alguns de seus representantes, de tal sorte que todos os ternos os conduziram, divididos de acordo que cada grupo não ficasse sem membro real.

Retornaram pela Rua Barão de São João del-Rei e Avenida Sete de Setembro.

Enquanto tudo isto se processou, apresentaram-se no adro/coreto as pastorinhas e danças das fitas. Ao fim de suas apresentações os congados adentraram pelo templo e deixaram sentados à esquerda do altar as figuras reais e juízes. Rumaram a seguir direto para o almoço.

            Dentro da igreja só ficou o moçambique “Nossa Senhora Aparecida”, de Passa Tempo. A guarda se postou defronte ao altar. As açafatas trouxeram um cestinho cheio de pétalas de flores e papel picotado e jogaram sobre a imagem do Espírito Santo como uma chuva colorida. Os moçambiqueiros cantaram: “Tá caíno  fulô! / Tá caíno fulô! / Lá do céu, cá na terra... / Êh! Tá caíno fulô! 

            Seguiu-se o ritual da chamada, conduzido do microfone do altar. Consistiu em se chamar nominalmente um por um dos personagens do juizado e do reinado ao altar, onde deixaram um envelope contendo uma espórtula voluntária e receberam em troca um cartucho de amêndoas, sob o toque de uma campainha. O moçambique rufou as caixas, parado, sem cantar, a cada oferta depositada. Iniciou-se chamando os juízes de manto que forraram a mesa do altar com os mantos de veludo que ofertaram. Na seqüência os de vara e os de ramalhete, que entregaram essas suas respectivas insígnias. Depois o reinado, primeiro com reis e rainhas e a seguir príncipes e princesas [11]. Concluída a chamada, o dito moçambique recolheu todos para o almoço.

            No salão do Centro Social e Cultural se processou o almoço. A agitação foi imensa. Uma algaravia de toda a gente congadeira demonstrava a alegria e descontração fraterna. Instante de descanso e relaxamento das tensões e compromissos. Houve em alguns anos a reunião de tocadores de diferentes procedências tocando rancheiras, arrasta-pés e calangos, no breve intervalo da sesta. Congadeiros amigos ou simples colegas, de ternos diversos se reencontravam, abraçavam-se, conversavam descontraídos. Cada grupo ao terminar, retirava-se do salão cantando um agradecimento do almoço.

            Aos poucos reuniram-se na Rua Carlos Guedes e daí partiram rumo à Gruta do Divino, perto das 13 h 30.

Enquanto o cortejo rumou para a gruta, o adro em Matosinhos se esvaziou. Técnicos de sonorização aproveitaram o momento para o teste e repasse de som na aparelhagem do coreto, em preparação ao show de logo mais. Já por vários anos tem se apresentado na tarde com a saída dos congados, um grupo de capoeira, que voluntariamente comparece, reunindo público para a demonstração de sua arte.

            Na gruta estava armado o império do Divino, com o imperador de traje completo, nele aguardando para recepcionar aos congados. Passaram um por vez, cantando e dançando no seu ritmo em saudação, por alguns minutos. O lugar sempre esteve bastante enfeitado e com boa assistência.
De tanto em tanto soltavam foguetes avulsos.

O último congado a passar foi o moçambique de Passa Tempo com a responsabilidade de conduzir o imperador e o andor a Matosinhos, o que quer dizer que é a guarda que vai mais perto dos dois.

No retorno a Matosinhos, fizeram antes uma volta pela Rua Antônio Josino Andrade Reis (“Beira da Praia”), em direção ao centro da cidade, virando de volta na 2ª travessa (a 1ª é onde está a gruta); tomaram a Rua Antônio Rocha e daí voltaram à igreja.

           Na passagem pela Santa Clara, ingressou no cortejo o imperador eleito, cumprimentado formalmente pelo coroado. Caminhou à sua direita, dentro do quadro.

            A passagem pela Rua Bernardo Guimarães foi sempre marcada pelo entusiasmo dos moradores locais e pelo extremo zelo no enfeite daquela via, sacralizada com tapetes de serragem e areia, em variadas cores obtidas por tingimento. São inspirados por temas pentecostais. Também múltiplas bandeirinhas, altares externos fronteiros às residências, colchas finas nas janelas, jarras e vasos de flores completavam a ambientação.

            A apoteótica chegada à Praça de Matosinhos foi sob intenso foguetório. As guardas abriram alas e entre elas veio passando o supracitado moçambique, trazendo os imperadores e o andor, entre palmas, vivas, repiques de sino, rufados e toques.

            Iniciou-se a missa solene às 16 horas, tocando a orquestra sacra bicentenária “Lira Sanjoanense”. A homilia foi voltada para o Espírito Santo. Ao fim da celebração procedeu-se à coroação do novo imperador. Os imperadores permaneceram sentados lado a lado na lateral esquerda junto ao altar, em cadeiras reservadas aí postas adrede, à guisa de tronos. Na lateral oposta outras cadeiras serviram às autoridades convidadas.

             A coroação em si é simples, embora solene. Oficiada pelo pároco, este recebeu a salva e voluntariamente das mãos do imperador a coroa, posta sobre a salva. A seguir recebeu o cetro, que é posto atravessado, entremeando o vão da coroa. O mestre de cerimônias, que até esta altura orientava os procedimentos, retirou do imperador a capa e na seqüência a faixa. Cingiu o novo imperador com a faixa e recobriu-lhe com a capa. O sacerdote abençoou as insígnias e aspergiu água benta sobre elas. Retirou o cetro, entregou a salva e coroou o imperador. Também entregou-lhe o cetro, cumprimentando-o. A seguir, apresentou-o aos fiéis, que com um grito coletivo de “Viva o Divino Espírito Santo”, o saudaram.

            A esta altura o velho imperador, agora isento de qualquer honraria, como que desapareceu na festa. Ninguém mais lhe notou ou enalteceu, em detrimento do novo. A renovação é brusca.

            Um intervalo de cerca de meia hora sem atração determinada antecede a novena. Os congados voltam a tocar e no adro. Na praça a multidão conversa e acorre às barracas. É um momento de descontração. É hora também de eventuais apresentações específicas, por exemplo: folia de Reis de Ibertioga (2001), moçambique de Itaguara (2002), dança das fitas - pelos vilãozeiros de Carmo da Mata (2003).

            A procissão solene e luminosa do Divino ocorreu às 18 horas, saindo pela Avenida Josué de Queiroz, tomando à esquerda a enfeitadíssima Rua Farmacêutico Guillarducci - que rivaliza desde sempre com a Bernardo Guimarães no esmero dos adornos - exemplos notórios de sacralização do espaço público. Passou pela Avenida Sete de Setembro e daí voltou à matriz. Além da banda de música, os congados participaram tocando, cantando e dançando livremente.

            Na dianteira o alferes da bandeira montado em seu cavalo abre-alas, seguido pelos ciriais e cruciferário que antecedem a dupla fila de fiéis, tendo entre elas os anjos e virgens, congados (mais ou menos distanciados uns dos outros) e o conjunto de bandeiras do Divino, tal como na procissão do Imperador Perpétuo. Participaram três imagens: a primeira é a de Santo Antônio, na liteira, na seqüência a de Nossa Senhora e por fim a do Divino. A da Virgem Maria foi até 2002 a de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos congados. De 2003 [12]em diante, estando a de Nossa Senhora da Lapa pronta pela restauração pela qual passou, principiou a participação em detrimento da outra.

O imperador e seu séquito bem como o padre ficaram na dianteira do andor do Divino. A banda fechou a procissão.

            A chegada foi sempre profundamente festiva. Nela se aliaram formidavelmente num entremeio agitado e apoteótico os fogos de artifício, batidos de caixas, repiques de sinos, gritos de “salve!” e “viva!”, cantos e danças, além do burburinho do contínuo comentário dos fiéis acerca da beleza da festividade. 

Recolhidas as imagens e apostas junto ao altar, foram incensadas. Desde 2002 procedeu-se então a bênção do Santíssimo Sacramento, também com manifestações dos dançantes, que se conservaram todos no interior do templo. 

            Ao encerramento vão tocando, um a um. No adros baixam os mastros e se despedem, sendo o último a descer o do Divino, sempre com grande expectativa. A assistência da descida dos mastros é surpreendente.

            O adro se prepara para o show de encerramento no coreto. Findo o espetáculo tem lugar intenso foguetório.

            No domingo da Santíssima Trindade (o seguinte ao de Pentecostes), 18 horas, baixou-se o mastro fincado na gruta e a seguir o da Santa Clara, ambos sem nenhum evento especial, ocasião aliás restrita a uns poucos festeiros mais envolvidos com os rituais.



[1] - A consagração destes dias foi iniciativa tomada a partir de 2000. Neste ano e no seguinte a sexta-feira era consagrada a Nossa Senhora da Lapa. Em 2002 a comissão alterou, considerando ser a sexta-feira, dia devocional a Jesus, relacionado à sua Paixão e Morte e o sábado a Maria.
[2] - A rasoura foi instituída em 2001. Desde então um número variado de congados a acompanha.
[3] - O ano de 1999 deu ensejo a algumas experiências: após o levantamento do mastro houve uma retreta de abertura com uma banda, o que não se repetiu mais. Foi também a ocasião na qual se adotou o mastro de Santo Antônio – a princípio com uma bandeira e a partir de 2002 com quadro; a animação das missas foi dividida, passando a de sexta-feira ao Raízes da Terra (grupo de inculturação) e a do sábado ao Coroinhas de Dom Bosco (coral); foi abolida a vigília que fora feita em 1998, na igreja de Santa Terezinha, como parte integrante da festa.
[4] - Criado em 1994 no bairro São Geraldo, com o nome de “Grupo de Consciência Negra Raízes da Terra” alterado em 2003 numa visão mais madura e eficaz para o nome atual. A partir dessa mesma ocasião passaram a estimular o emprego da designação “Missa Inculturada” por “Missa Afro”, até então adotada. Esta medida é questionável posto que a celebração em estilo afro é uma das formas inculturadas de celebrar missa, como existem outras. Não é sinônimo.
[5] - Mordomo da bandeira: trajado de branco. Mordomo da coroa (ou mordomo-régio): trajado de vermelho e branco, agalonado de dourado. Acompanha-se de um menino como pajem, com o oratório ao pescoço, vestido da mesma forma.
[6] - Aluísio dos Santos é avô materno do autor.  São-joanense, nasceu em 1923 e faleceu em 2004.
[7] - A experiência dos primeiros anos era de dar o dito lanche no Centro Social e Cultural da Paróquia. A transferência desde 2001 para o salão da catequese foi muito positiva. A responsabilidade deste lanche hoje é da equipe coordenada pela Pastoral Vocacional, que o desempenha com grande êxito.
[8] - ASAP: Associação dos Aposentados e Pensionistas de São João del-Rei. Conserva também um coral e além da assistência à terceira idade, exerce importante trabalho de conscientização, inclusive no nível ambiental, promovendo anualmente a “Via Sacra Ecológica”. Tem jornal próprio.
[9] - Essa segunda placa foi sendo gradativamente atualizada na data nos anos consecutivos. 
[10] - Guarda: cada unidade de congado é chamada “guarda”, pois guarda uma bandeira, coroas, bastões. Sinônimos: terno, companhia, batalhão, banda, turma, grupo, corte (com pronúncia aberta, “córte”). Assim é costume dizer-se: “guarda de moçambique”, “batalhão de congo”, “corte de vilão” , “terno de catupé”, ou vice-versa, etc. Todos são congados. Há porém quem reserve a palavra guarda para os moçambiques, pois lhes compete a função de guardar o reinado; outros só empregam corte para os congados com coreografia de percussão de varas ou bastões.
[11] - Na tradição das festas congadeiras, diz-se que o juizado tem como patrono São Benedito, enquanto o reinado pertence a Nossa Senhora do Rosário.
[12] - Em 2003 a Comissão do Divino passa a ter um barracão para guarda dos objetos usados na festa, que até então ficavam guardados espalhados pela casa dos festeiros. 

* Texto e foto (17/11/2013): Ulisses Passarelli

Assombrações no Caburu

São Gonçalo do Amarante: estórias do passado


A vida simples do meio rural calcou seu alicerce num ambiente religioso e recatado, essencialmente conservador e respeitoso dos valores sagrados de sua crença, que possibilitou a preservação de várias concepções lendárias e mitológicas. Um modo peculiar de entender as forças sobrenaturais que se contrapõe ao ceticismo dos tempos hodiernos. 

Anos atrás no povoado do Fé, na área geográfica distrital de São Gonçalo do Amarante, em São João del-Rei / MG, eu já havia coletado diversas narrativas populares com o saudoso mestre folião Luís Candido Gonçalvez sobre aparições misteriosas. Aqueles espectros foram registrados num texto de minha autoria [1].

Mais recentemente (12/06/2010), outro mestre de folia de Reis e também capitão de congo, Lourival Amâncio de Paula, carinhosamente conhecido por "Vavá", na vila de São Gonçalo do Amarante, cabeça do distrito em análise, prestou-me gentilmente informações sobre esses antigos fantasmas que a modernidade vai banindo para os confins do mundo. Conforme o próprio informante me disse, após a chegada da energia elétrica em São Gonçalo (ex-Caburu), a cerca de meio século, as assombrações desapareceram.

Passo-as agora em breve revista.

*  *  *

- Lobisomem: é um problema ligado ao apadrinhamento [2]. Aparece como um porco agigantado, que bate orelhas, estala os dentes e corre atrás das pessoas. Se o porcão morder alguém que sobreviva, a vítima também passa a virar lobisomem. 

- Mula-sem-cabeça: era uma senhora idosa que se transformava no bicho assombrado. Logo que virava mula ia no cruzeiro e dava três voltas em redor e depois corria endoidecida pela vila, soltando chispas de fogo até que voltava ao dito cruzeiro, dava mais três voltas e retornava à sua forma humana, voltando à sua casa, fatigada e confusa. 

- Homem de Branco: surgia de uma casa na Travessa Cava Funda, como um homem claro de trajes impecáveis, terno completo, calçado preto lustroso, cabelo liso e bem penteado para trás. Chegou à porta de um certo morador e forçou a entrada, desaparecendo de súbito, como de costume. 

- Cavalo de Três Pés: assombro que vinha lá das bandas do rio (das Mortes), onde morreu um padre. Sua alma vinha montada nele, desde o Morro do Vinte e Três (referência ao km 123 da Ferrovia Oeste de Minas) até a entrada do Caburu, onde apiava para descansar sobre uma pedra. Dali vinha pela rua afora e desaparecia no bambuzal que existia na travessa (é um caminho velho, hoje Rua Valdomiro Geraldo de Paula, ex-festeiro do rosário). A passagem da misteriosa montaria era reconhecida no dia seguinte pela característica pegada que deixava.

- Corrente: vinha misteriosamente de arrasto pela Rua da Pinguela e subia até a Rua do Meio, fazendo barulho tétrico caminho afora. Nenhum ser humano a puxava. 

- Saci-pererê: um morador local deparou-se com ele sobre um moirão, moleque de boné vermelho, fumador de cachimbo, de um pé só, que assobiava uma mazurquinha. Não o importunou. Mas um outro homem desse lugar, no beco de pedra, levou do saci duas lambadas de relho nas pernas. Ainda se conta de fulano de tal, que vinha da Rua do Posto de um teimoso jogo de baralho em plena quaresma, quando viu o saci assobiando no barranco. Foi o que lhe bastou de alerta sobre seu pecado, emendando daí por diante.

*  *  *

As antigas assombrações tinham no ambiente comunitário o poder regulador dos excessos, aparecendo aos desobedientes da regra religiosa e aos abusados, descrentes. Para não ser afetado o homem deveria ser devoto de fato e levar uma vida criteriosa dentro dos preceitos sociais e religiosos.

Além do aspecto educativo compunham as assombrações, como numa peça de quebra-cabeças, a imagem do contexto cultural do lugar onde era vivenciada, qual sua alma, reveladora de uma profunda espiritualidade. 

Lamentável hoje ver deveras o vazio halloween sobrepujar nossa rica mitologia, apenas tracejada nesta postagem. 

Felizmente ainda persevera ao menos na memória dos antigos mestres do saber, como o nosso Vavá, esforçado guardião da memória da vila de São Gonçalo do Amarante, a quem rendo homenagem e gratidão. 

Cruz de Via-sacra, à beira da estrada que vai para o Mestre Ventura.
Notas Finais


[1] - Conferir: Notas sobre o Distrito de São Gonçalo do Amarante. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v.10, 2002. 180p.il.
[2] - O padrinho que tem relações sexuais com o (a) afilhado (a) passa a virar lobisomem como castigo. Certo rapaz que virava lobisomem quando foi se casar, na véspera, se transformou e correu atrás da própria noiva, que no momento estava experimentando o vestido e naturalmente desconhecia o fato. Desesperada correu como pode até conseguir se por a salvo, mas no limite extremo do perigo o assombroso animal ainda conseguiu morder a orla do vestido. No dia seguinte, na hora do casamento, surgiu o noivo já normal, e na hora do seu “sim”, a moça viu entre os dentes do rapaz fiapos de seu vestido e desesperada negou-lhe o casamento, fugindo às pressas de sua presença.  

Notas e Créditos 

* Texto: Ulisses Passarelli
** Foto: Iago C.S.Passarelli, 09/10/2011.
*** Informante da lenda do lobisomem, nota de fim nº2: sr. Sebastião Quirino da Silva, 13/06/10, Povoado do Brumado de Cima, no mesmo distrito, a quem deixo especial agradecimento. 

A festa após a elevação a santuário

 A partir de 2004


            A primeira festa após a elevação da matriz a santuário foi em 2004. Processaram-se as festividades com harmonia e sucesso, nos mesmos padrões já descritos, exceto pelas novidades que se seguem.

            A mais relevante delas, foi a instituição das romarias, por orientação do pároco, em virtude da elevação da matriz paroquial à condição de santuário diocesano. Cada dia da novena, foi consagrado a uma romaria específica, para a qual foram convidados os grupos a ela relacionados. A homilia foi dirigida em especial a cada uma, sem perder a diretriz temática geral da festa. A entrada da missa e a procissão do ofertório também foram tematizadas de forma condizente. Eis sua relação:

DIA
ROMARIA
OBSERVAÇÕES
21 - sexta
dos Movimentos Religiosos e Pastorais
Equipe da missa das 8 horas do Domingo, entrada de todos os movimentos e pastorais com seus símbolos [1].
22 - sábado
dos Desportistas
Equipe da missa das 19 horas do sábado. Entrada com bandeiras e flâmulas. Ofertório com representantes da Comissão do Divino. Ação de graças com apresentação da Academia Bauer.
23 - domingo
dos Comunicadores
Apresentação dos crismandos. Equipe da Missa dos Jovens (apresentação no ofertório e ação de graças).
24 - segunda
dos Professores e Alunos
Equipe da missa das 18 horas de Santa Terezinha. Entrada com bandeiras e ofertório com símbolos.
25 - terça
dos Militares
Equipe da missa das 15 horas de sexta-feira. Procissão das Ofertas com representantes.
26 - quarta
dos Portadores de Necessidades Especiais
Equipe da missa das 8 horas do domingo. Entrada e procissão das ofertas.
27 - quinta
da Terceira Idade
Equipe da missa das 19 horas de sábado. Entrada da missa com apresentação. Ação de graças com apresentação do coral da ASAP.
28 - sexta
dos Afrodescendentes
Missa inculturada, com o Grupo Raízes da Terra.
29 - sábado
dos Folieiros
Presença do Coral Coroinhas de Dom Bosco.
30 - domingo
dos Congadeiros
Liturgia especial.

            Não obstante o pouco tempo para organizar as romarias, a falta de experiência e de orientação específica, elas ocorreram com sucesso.


Folia do Divino "Embaixada Santa" em apresentação no coreto da festa, 2010. 

            Os mastros tiveram como novidade, a título de experiência, o fato de os dois principais (Divino e Santo Antônio) terem sido fincados a frente da igreja e os demais no local de sempre. O do Divino ganhou iluminação especial com uma mangueira luminosa ao redor do quadro.

            A Missa inculturada atingiu um grau excelente de organização e foi considerada a melhor de todas já celebradas nesta festa.

            Uma novidade foi a volta das barracas da Comissão na praça, junto ao portão central, vendendo salgados, quentão, canjica, refrigerante além do tradicional jogo de víspora.

            Houve nesse ano consolidação das equipes de trabalho e melhorias em sua estrutura, exceção feita à de ornamentação interna ainda problemática.

Não houve foguetório algum nesse ano, em virtude da exigência de que o fogueteiro tivesse registros oficiais de pirotécnico, que passou a ser especialmente exigido após um gravíssimo acidente com morteiros, ocorrido em Barbacena, poucos dias antes da festa. O fato agitou a imprensa e todos exigiam cuidados extremos com fogos de artifício. A impossibilidade de encontrar profissionais habilitados fez com que a Comissão, com bom senso, decidisse pela exclusão de todo tipo de fogos nesse ano.

            A coroação da imagem de Nossa Senhora da Lapa pelo imperador após a celebração foi mantida, com a novidade de se ouvir um hino especialmente composto naquele ano, para este ritual, pelo músico Abgar Antônio Campos Tirado. Foi executado pelo Coral Coroinhas de Dom Bosco com grande êxito. Distribuíram para esse dia “santinhos” (as antigas “verônicas”) de Nossa Senhora da Lapa, idealizadas pelo autor e custeadas 50% pela Comissão e 50% pelo festeiro José Gonçalves de Sousa. Contém: estampa da Virgem da Lapa, o histórico de sua devoção, informações iconográficas, oração, hino.

Consolidou-se a presença de uma só banda de música na festa, a de Santa Cruz de Minas.

            O dia maior transcorreu normal, sem qualquer inovação. A missa solene não foi transmitida ao vivo pelo rádio, mas sim gravada para transmissão no dia seguinte. Isso tirou a rigidez dos horários e possibilitou que os congados adentrassem pelo santuário e não apenas para o adro, o que conferiu maior brilhantismo.

            Duas novidades nessa festa foram a coroação do primeiro imperador negro que se tem notícia na cidade, o congadeiro José Tadeu do Nascimento, coordenador da Comunidade de São Sebastião e o retorno do personagem pagem do estoque.

Em 2005 transcorreu dentro da normalidade e do programado, de 05 a 15 de maio.

            No primeiro dia o grupo de quatro caixeiros [2]visitou o Imperador José Tadeu do Nascimento, em sua residência, na Avenida Santos Dumont, guiados pelo Imperador Eleito Nivaldo Neves, que trazia a bandeira branca do Divino. Todos se vestiam de branco, com colete e casquete vermelhos. A bandeira foi ladeada por dois guardiães, empunhando espadas desembainhadas, representados pelos festeiros Jânio Salomão e Edimilson Washington. Foi servida lauta merenda. Depois em marcha, rua afora, foram tocando e cantando pontos de congado até o santuário. Assistida a missa, foi descida a imagem do Paráclito de seu nicho e depositada aos pés do padroeiro.

            Durante todos os dias funcionou a barraca da festa, vendendo pastéis, refrigerante, cerveja, canjica, quentão e feijão-amigo. Acoplada a ela houve a barraca do víspora. Além dessas houve muitas outras, de barraqueiros daqui e de fora, vendendo toda sorte de comes-e-bebes e quinquilharias; tiro ao alvo, parque de diversões.

            A novena começou no dia seguinte, com a igreja enfeitada de alfaias vermelhas e brancas. Muitas jarras de flores artificiais foram colocadas em pontos estratégicos. Em todos os dias a Comissão do Divino participou da entrada da missa. Os festeiros levaram como abre-alas, o estandarte do Espírito Santo (idéia do festeiro José Gonçalves de Sousa, posta em prática desde o ano anterior), seguido de guiões e bandeiras e o imperador com faixa trespassada no peito e insígnias à mão colocadas no altar para a missa. As bandeiras iam para as panóplias. Assim todos os dias da novena. Vigário e pároco se revezaram nas celebrações.

            Os motivos de cada entrada e ofertório se baseavam na romaria de cada dia, homenageando e congregando grupos específicos, que ocuparam os bancos da frente, para eles reservados. Assim se processaram:

DIA                      ROMARIA                                                                 ATRAÇÃO APÓS CELEBRAÇÃO
06 – sexta           dos Movimentos Religiosos e Pastorais                        Academia Vip
07 – sábado        dos Desportistas                                          As Meninas do Rodeio / Frank dos Teclados
08 – domingo     das Mães                                                                     Bianca Cobo
09 – segunda      dos Professores, Alunos e Comunicadores                   Não houve show
10 – terça            dos Militares, Policiais e Funcionários Públicos                    “
11 – quarta         dos Portadores de Necessidades Especiais                           “
12 – quinta         da Terceira Idade                                                       Ruan & Ronan
13 – sexta           dos Afro-descendentes                                              Serenata com o grupo da ASAP [3]
14 – sábado        dos Folieiros e Comissão do Divino                           Chorinho Pedacinho do Céu [4]

            Os sermões de cada dia aludiram às respectivas romarias, gravitando em torno do tema proposto – “Unidos pelo Espírito Santo, queremos ver Jesus, fonte de paz” – e do lema – “Queremos ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida”.

            A entrada da missa de cada dia foi feita com a participação da Comissão do Divino, carregando o estandarte, os guiões e algumas bandeiras, seguidas dos representantes da respectiva romaria. A música de entrada de cada dia foi a bem conhecida: “A nós descei, divina luz! / E em nossas almas acendei / O amor... o amor de Jesus!” (Etc.)

            Todos os dias o altar foi revestido com a toalha de Nossa Senhora da Lapa.

            A cavalgada no dia 08 correu normal, tendo o santuário como ponto de saída e chegada.

            Dia 12 houve a rasoura após a Missa de Santana, com os quadros do Divino e Santo Antônio, na seqüência levantados nos mastro, de volta ao lugar de sempre. Estiveram presentes os congados de Santa Cruz de Minas (dois) e de São João del-Rei (três – Matosinhos, São Dimas [Raimundo Camilo] e São Dimas [Moacir Santana]). No dia seguinte, pela meio-dia, foi armado um arco de bambu ligando os dois mastros e na sua curvatura pendia a bandeira branca do Pai Tempo. Folhas de coqueiro foram amarradas ao pé dos mastros. Outro arco, sem bandeira, foi armado no portão central do adro.

            A missa inculturada coincidiu com o 13 de maio (libertação dos escravos).  Este fato se somou ao do imperador coroado e o eleito serem negros, firmes ativistas dos movimentos de conscientização pelo fim do racismo e da discriminação, bem como valorização dos afrodescendentes. Com tudo a celebração foi coroada pelo mais relevante êxito, lotando o santuário. No contexto da missa se apresentaram, a convite, números de maculelê e capoeira da Paróquia de São José Operário, Bairro Tijuco, gerando opiniões divergentes.

            A Procissão do Imperador Perpétuo careceu de fiéis como tem acontecido, mas foi repleta de forte colorido e alegria, aliados da fé visível. As folias presentes, desta feita se reuniram todas no São Francisco e desde aí acompanharam a procissão. Deram uma nota de musicalidade extraordinária. Desta vez a liteira não foi conduzida por militares. Ao contrário do ano anterior, retornou a figura do alferes da bandeira a cavalo na dianteira, finamente trajado e portando o estandarte. Foi ladeado por dois ponteiros com guiões e logo atrás e ao centro outro homem com uma bandeira. Portanto houve quatro cavaleiros. No São Francisco os sinos repicaram; no São Gonçalo, dobraram. Nos respectivos largos houve foguetório e Santo Antônio deu a graça, ou seja, sua liteira voltou-se em direção ao frontispício do templo.

            Ao contrário do ano anterior, em respeito ao fato de o dia ser da Romaria dos Folieiros, todas as folias assistiram à missa antes do café e do encontro no coreto. No ofertório cada grupo ofertou sua bandeira. Ao fim da celebração elas foram abençoadas e devolvidas. No coreto a apresentação de 15 minutos para cada grupo se encerrou com a entrega de um diploma, a cada folia por um festeiro.

            A alvorada se processou como de costume com sinos, fogos e batidos de caixa. A casa do imperador coroado foi visitada pelos caixeiros, que receberam farto café da manhã.

            No salão serviu-se, a partir das 7 horas (concomitante à missa festiva), o café, acompanhado a pão com manteiga, biscoitos, broas tradicionais. Como nos outros anos a fartura foi uma nota constante. A mesa foi enfeitada com toalha branca e uma jarra de flores.

            Finda a missa, os congados começaram a ser recebidos pelos meirinhos e levantaram seus mastros.

            Houve pastorinhas na Missa das Crianças e após a celebração elas se apresentaram no coreto e logo depois a dança das fitas.

            No Salão Comunitário de Santo Antônio o recolhimento do reinado foi normal. Só houve um juiz de vara e os demais juízes honorários não se apresentaram nesse ano. Na chamada não faltaram as açafatas.

            O almoço teve uma melhoria na organização, diminuindo ainda mais a presença de penetras. Houve maior eficácia na limpeza do salão e ainda a uniformização de toda a equipe da cozinha, com camiseta da Comissão do Divino e gorro de mestre-cuca.

            Todos os demais passos da festa transcorreram normalmente e sem diferenças do ano anterior. O retorno do cortejo imperial da gruta teve um considerável atraso, por conta de um único congado.

            Foi marcante a coroação do novo Imperador Nivaldo Neves. Durante o cortejo ele desceu da Santa Clara até Matosinhos trajado de terno como manda a tradição, e assim assistiu a missa. Após comungar, saiu e trocou de roupa, retornando breve para a coroação trajado à moda afro, aguardando na porta central. Sua entrada foi ao troar ensurdecedor dos tambores do Grupo Mucambo e das componentes do Grupo Raízes da Terra, que em alas abertas deram-lhe passagem até o altar. Ali foi recebido pelo bispo, pároco e imperador. Subiu ao altar onde passo a passo foi coroado ao som da orquestra. Neste momento os tambores pararam. Após a coroação ele foi aclamado e os tambores rufaram e de novo percutiram para retirá-lo da igreja. Este foi o primeiro coroado por um bispo nesta diocese. A mescla de ritos conferiu nova feição à cerimônia. Imprimiu-lhe um caráter personalizado.

            Na procissão, contrariando a tradição congadeira, as guardas foram conduzidas à retaguarda do andor de Nossa Senhora, quando deveriam ter sido postas puxando-o, o que desagradou vários dançantes. Isso complicou seu andamento e houve guardas que abandonaram a procissão e foram embora para casa.

            A bênção do Santíssimo Sacramento foi transcorrida em clima emocionante, com a igreja absolutamente lotada, ao som de caixas e apitos, todos cantando o tradicional “Bendito, louvado seja, o Santíssimo Sacramento! Os anjos, todos os anjos, louvando a Deus, para sempre, amém!”. Os congados se tornaram um só.

            Enquanto desciam seus mastros, houve outra missa, mais breve, que não constou na programação.Também não constou uma apresentação teatral que lhe sucedeu, no adro.

            O show de encerramento foi revestido de sucesso. O foguetório foi menor que o de 2003 mas agradou e transcorreu com segurança.

            No domingo seguinte, sem cantos ou grupos, alguns festeiros por si desceram os mastros do Divino que estavam fincados na gruta e Santa Clara, nesta ordem. 

No ano de 2006, como de costume, finda a Páscoa, as folias começaram a jornada de visita às casas. Pela mesma época o único juiz de prendas autorizado, sr. Lucas de Carvalho, também cumpria a sua missão de coletar donativos para o jubileu. As cartas de juiz foram fartamente distribuídas por Geraldo Elói.

A 22 de abril a Comissão do Divino promoveu um evento nunca antes acontecido. Cada grupo recebeu uma bandeira nova, padronizada, no estilo de um pequeno estandarte, com arte de Osni Paiva, composto em veludo forrado.

Todas foram abençoadas ao fim da missa das 19 horas daquele dia, comentando o vigário a respeito da missão folieira. No salão do Centro Social e Cultural da Paróquia, após a celebração, foi dada abertura pelo presidente da comissão, convidando todos a se postarem em posição de sentido para execução do hino nacional, em homenagem ao dia do descobrimento do Brasil. Autoridades políticas e festeiros foram convidados, para fazerem a entrega de um estandarte a determinado grupo folclórico. A maioria das folias convidadas mandou representantes. A folia da Caieira se ausentou devido ao internamento do seu embaixador, Luís Carlos Rosa, acidentado na BR-265, no Domingo de Ramos, 9 de abril, imprimindo uma nota de tristeza em todos, dada a sua popularidade. Outro acontecimento que causou consternação foi o falecimento, naquele 22 de abril, do sr. José Joaquim Filho (nasc.21/02/1922), o popular “Zé Moreno”, morador da Vila Santa Terezinha, o mais respeitado folião da cidade, considerado o “padrinho das folias”.

A abertura da festa na Quinta da Ascenção se deu com uma novidade. Um grupo de quatro caixeiros  visitou o imperador em sua residência e no retorno a Matosinhos fez parada no Salão de Santa Clara (todo enfeitado nas cores do Paráclito), onde esperava o congado do bairro e quatro cavaleiros. Reunidos, marcharam para o santuário onde após a missa foi descida a imagem e entronizada no altar.

Dia 26 de maio principiou a festa propriamente dita. A novena transcorreu como nos outros anos com romarias e shows.        

Os mastros da gruta e Santa Clara foram normalmente fincados. O levantamento dos mastros transcorreu no santuário de forma irregular, porque primeiro se fincou um mastro do Rosário, depois o de Santo Antônio e por fim o principal, quando o esperado era primeiro o do Divino, depois o do Imperador Perpétuo e o do Rosário só para o domingo. Ressalto que o mastro do Divino foi de madeira nova nesse ano.

A Missa Inculturada foi concorridíssima. Pela primeira vez houve divulgação por via televisiva gerando grande repercussão em tantos que nunca a tinham visto e sem compreendê-la, alguns tradicionalistas a julgaram exagerada no tamanho, sincretismo e teatralidade.

No sábado, a entrada de cada folia por sua vez no santuário tocando e cantando na chegada da Procissão do Imperador Perpétuo (como em 2005), foi tumultuada pois entraram todas de uma vez e o ritmo de uma atrapalhou outra. Também não participaram da Procissão do Ofertório ofertando suas bandeiras no altar para a bênção após a missa. Assim que chegaram do São Francisco foram direto para o café, que não estava de todo pronto, posto que habitualmente o horário é após a novena. Não houve os enfeites habituais no salão onde é servido. Findas as preces, o início da apresentação das folias demorou 15 minutos, possibilitando que o público se dispersasse um pouco. A não ser por esses detalhes imperceptíveis ao grande público, a programação do sábado nada deixou a desejar.

As pastorinhas desta única vez se apresentaram no sábado, no coreto, junto com as folias.

Em si a programação do dia maior foi idêntica à de 2005, a não ser pela apresentação do Trupizupi, companhia teatral, que passou para a tarde, antes da missa. Foram anunciadas duas capoeiras de Matosinhos para o fim da manhã, uma da Vila Santa Terezinha e outra da Vila Santo Antônio. Quando o cortejo chegou da gruta, os capoeiras se apresentavam perto do Chafariz da Deusa Ceres. Tal como no anterior se anunciou – mas não ocorreu – uma bênção e unção dos enfermos. No mais, não houve novidades apreciáveis.

Foi sentida por várias pessoas certa descoordenação de algumas atividades. Diversos novatos, embora vestidos com a camisa envergando a inscrição “comissão organizadora”, muito pouco organizavam, mostrando-se meio que perdidos na massa humana, claro, com exceções.

O dia maior foi animado e com grande movimentação de muitas guardas, na verdade a maior quantidade até então registrada. A ornamentação (externa e interna) estava impecável. O sistema de som que enfim mudou, estava bem superior na qualidade. O serviço de locução não mudou e esteve sem defeitos. A alvorada dos caixeiros atrasou no santuário cerca de meia-hora. Por sinal eles cantaram muito pouco e sem antes passarem pelos mastros e coreto, passando brevemente depois. A missa das sete foi normal. O café idem e muito bom. Poucos mastros tiveram oportunidade de serem fincados e alguns festeiros se equivocaram ao fincar dois sem quadro ou bandeira e sem congado, o que é injustificável. A Missa das Crianças transcorreu dentro da normalidade e após ela da mesma forma a dança das fitas. Enquanto isso os congados rumaram para a Vila Santo Antônio, onde o reinado aguardava sem coroa ou cetro, que por demorar a ser trazido trouxe considerável atraso a toda programação daí para frente. O retorno foi demorado, conquanto maciço, sem falhas. A chamada e partida para o almoço transcorreram bem.

Ao sair do salão rumo à gruta, não foi respeitada a ordem hierárquica das modalidades de congados, a não ser pelos moçambiques. A gruta estava com enfeites muito primorosos e o império e o andor do Rosário com talvez a melhor ornamentação já notada, ainda graças à mesma equipe local e zelador. Tudo muito limpo. Uma boa novidade, idealizada há cerca de dois anos antes mas só agora efetivada, foi a presença de um carro de som, de cujo microfone se anunciava cada congado e se lhes encaminhava. Um detalhe negativo foi que os festeiros presentes no local não sabiam informar de onde eram as guardas à locutora, a não ser pelo próprio autor dessas páginas e por Raimundo Camilo. O imperador entregou pessoalmente ao primeiro capitão de cada terno o diploma de honra ao mérito. Algumas pessoas questionaram a presença no império do rei congo ladeando o imperador. Muito proveitosa a presença do Padre Pedro Teixeira Pereira assistindo a toda a passagem dos congados. A corte imperial esteve muito bem organizada. Outra novidade positiva foi a presença de um carro especial da COPASA ofertando água aos congadeiros em copos descartáveis. Friso que a idéia vinha do ano anterior e fora sugerida em reunião por meu pai, David Passarelli, que, até então, vinha tomando a iniciativa de ofertar essa água, auxiliado por abnegados ajudantes, acondicionada em garrafas plásticas de refrigerante, ultrapassando a uma centena de unidades.

A comunidade de Santa Clara estava muito bem limpa e ataviada e como naturalmente não falha, da mesma forma a Rua Bernardo Guimarães. O cortejo passou com certa quebra da seqüência, mas atraente como sempre. A Missa Solene foi impecável e a coroação aparentemente bela e animada, mas com a presença dum grupo parafolclórico de percussão tocando ritmos muito alheios aos da cultura local. A horas tantas foi ouvido um música popular brasileira. Surgiram crianças simbolizando negros, brancos e índios. O rei congo sentou-se junto ao altar a convite, ao lado do imperador e de forma esdrúxula o descoroou e passou as insígnias ao bispo para coroar o próximo.

Ora, do ponto de vista do fundamento espiritual isso não pode ser, pois o rei congo não tem autoridade para descoroar o imperador, nem vice-versa. Isso compete ao pároco, preferencialmente o mesmo que coroou; a convite, o bispo o fará e na ausência desses, o vigário. Em última hipótese o capitão de coroa, que não estava na festa, mas jamais o rei congo. Ele é um convidado da corte imperial, sempre bem-vindo e merecendo honrarias, mas sentar-se-á não ao lado, mas noutra parte, em posição de destaque. Da mesma forma protocolar deveria ser feito caso o imperador fosse convidado pelo rei congo a participar da festa do Rosário.

A procissão foi guiada por quatro cavaleiros, todos muito bem vestidos, comandados por “Jota” (Josino Inácio do Nascimento), que aliás, verdade seja dita, foi um dos que mais trabalhou na festa desse ano, com extremo afinco. Houve furos e o número de fiéis aparentemente foi menor. Poucos congados participaram da procissão. A Banda São Sebastião, de Santa Cruz de Minas, como sempre, esteve digna dos mais altos elogios.

Finalizando, a bênção do Santíssimo com a presença dos congados dentro da igreja foi igual à dos anos anteriores, ou seja vibrante, organizada, perfeita, levando muitos fiéis à evidente emoção, com muita manifestação espontânea de fé. A descida dos mastros correu muito bem. O show final foi elogiado.

            No jubileu de 2007, o décimo desde o resgate, houve um considerável avanço na organização, corrigindo-se as distorções do anterior, embora dentro do mesmo padrão geral. Não houve problemas de horário. Sem foguetório. As novidades mais apreciáveis foram as que se seguem.

No dia da descida da imagem do Divino de seu nicho, estiveram presentes a convite os ex-imperadores, os quais foram cortejados pelo congado do bairro desde o Salão de Santa Clara, junto com o atual e o eleito, para a missa no santuário. Ao seu término correu o ritual de descida da imagem. Logo a seguir, foi inaugurada a nova sala usada pela comissão da festa, sobre o batistério, bem superior à que até então ocupava, no prédio da catequese. Estavam presentes o pároco e o vigário, os festeiros, a Secretária Municipal de Cultura e Turismo, alguns paroquianos envolvidos com este jubileu e vários outros convidados. Após as palavras do presidente da comissão, foi descerrada a galeria de fotos dos ex-imperadores e entre eles a do Padre José Raimundo da Costa. Após os breves discursos de praxe, a comissão homenageou a vários presentes e aos imperadores de cada ano, com um certificado e objetos alusivos. Os imperadores ganharam ainda um broche para a lapela do paletó. A sala foi decorada com primor, tudo no contexto da festa. Tem muitas fotografias do jubileu expostas, além dos trajes típicos

A cavalgada, encabeçada por “Jota”, teve como boa novidade uma charrete na dianteira, na qual se amarrou o grande estandarte abre-alas (até então ele era preso a um carro de som). Sobre ela desfilou a caráter o imperador. O número de participantes foi visivelmente superior ao dos anos anteriores e não se constataram problemas organizacionais.

Uma melhoria foi o posicionamento do coreto pela primeira vez na esquerda do adro, deixando livre para os congados o entorno dos mastros.

A Missa Inculturada teve como destaque a apresentação do grupo de estudantes africanos da Universidade Federal de São João del-Rei (Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde).

As folias no coreto estiveram esplêndidas, embora o tempo para a cantoria de cada uma foi desigual o que desagradou alguns. A de César de Pina, ausente, foi homenageada através do toque nas caixas de som de sua gravação. 

As romarias transcorreram com aprumo e concorrência assim como os shows.

No domingo pela manhã os congados partiram rumo ao Salão de Santo Antônio pela Rua Geni Guimarães, o que ajudou sobremaneira com ganho de tempo e evitando o trânsito da Avenida Sete de Setembro, embora tendo voltado por esta.

Uma chuva inesperada pela tarde prejudicou muito a chegada do cortejo imperial.

A coroação foi mais contida e positiva. Sob a música orquestral, o imperador coroado, ladeado pelo eleito e antecedido pela guarda de honra, teve de cada lado a escolta dos ex-imperadores, vestidos de terno. Foram eles que transferiram do imperador coroado ao pároco e deste ao novo imperador, a capa, a faixa, o cetro, a salva e o estoque. A coroa, como não poderia deixar de ser competiu ao sacerdote.

Todos os eventos seguintes correram com absoluta normalidade e dispensam comentários, exceto ainda pela chuva, que persistindo, impediu pela primeira vez a saída da procissão do Divino.
No ano seguinte, em meados de abril de 2008, os festeiros fincaram um “mastro de aviso”, no adro, à esquerda da entrada principal, sem qualquer música e tendo no topo uma bandeira branca emoldurada, sem registro de santo algum, apenas com a inscrição em grandes letras vermelhas: “Jubileu do Divino 1º a 11 de maio”.

Principiou com a transferência da imagem do Divino para os pés do padroeiro, só que foi baixada com antecedência e posta à entrada, encoberta por pano e entronizada em cortejo ao fim da missa ao som do congado do bairro.

Num dos dias da novena, a folia do bairro Bom Pastor passou pelo adro e arrebanhou grande assistência junto ao coreto após a celebração. Seu ato abriu precedentes para que na festa seguinte a cada dia venha uma folia (sem prejuízo ao Encontro das Bandeiras realizado no sábado), conforme comentado por alguns festeiros, o que seria melhor alternativa que os shows que nenhuma relação tem com a tradição festiva. Estariam melhor situados na praça (fora do adro), mais tarde, em palanque.

As barracas evoluíram com a padronização.

Não houve novidade apreciável senão no dia maior, por isto as anotações dizem respeito apenas a esse dia. Apesar da divulgação maciça houve queda na concorrência popular, o que, por oras, só pode ser atribuído à sua coincidência com o Dia das Mães. 

O esquema das romarias foi o seguinte:

DIA        ROMARIA                                                                                      SHOWS APÓS NOVENA
02         dos Portadores de Necessidades Especiais                                            Geraldo Santana & Banda
03         dos Desportistas e da Juventude                                                             Serenata da ASAP
04         dos Movimentos Religiosos e Pastorais                                                 Ladinho & Osvaldo
05         dos Professores e Alunos                                                                           Renato & Cipó
06         dos Militares, Policiais e Funcionários Públicos                                    Luciano & Banda
07        dos Trabalhadores nos Segmentos Culturais                                         Kadú Santoro
08         da Terceira Idade                                                                                       Pedro Parente (Pedrão)
09         dos Afro-descendentes                                                                              Escola Musical da Paróquia
10         dos Folieiros e Comissão do Divino                                                        Não houve show

Muito notória a presença do congo do Rio das Mortes posto que esse grupo por décadas não se juntava aos demais congados. Seus mouros estiveram presentes. 

A Missa das Crianças foi adiantada em uma hora e enquanto isto os congados foram direcionados para o Salão de Santo Antônio para o recolhimento. Voltaram já quase ao almoço pelo que não levantaram seus mastros, senão o grupo de Matosinhos, nessa hora. Os grupos deixaram o reinado no coreto e não na igreja e depois de passarem por dentro da igreja, voltaram ao adro e ali ficaram por um tempo, à vontade, até que foram encaminhados ao almoço. Por essas alturas fizeram a chamada, pela primeira vez no lado de fora.

Os congados à tarde foram divididos em dois grupos. Os do município foram até a gruta buscar o imperador e os visitantes ficaram aguardando na Santa Clara, para depois se irmanarem de volta ao santuário trazendo os imperadores (coroado e eleito) e o andor do Rosário. O objetivo era encurtar o tempo daquele giro, mas o êxito não foi total já que alguns ternos visitantes acabaram furando o esquema e foram para a gruta também. A situação gerou tensões entre dois moçambiques pela primazia de “puxar a coroa”.

Na chegada foi instituída uma saudação ao imperador por cada guarda presente, diante do coreto, recebendo o capitão uma lembrança da festa (miniatura do mastro do Divino). Por esse tempo chegou também ao adro um cortejo para-folclórico de percussão vindo da Vila Santo Antônio, que tumultuou e destoou.

No banco reservado aos ex-imperadores estiveram também presentes o prefeito municipal, Sidney Antônio de Sousa e o presidente da Academia de Letras, Wainer de Carvalho Ávila.

Pela primeira vez não houve orquestra e sim cantos pelo coral paroquial, com acompanhamento de palmas dos fiéis e o eventual toque de alguns congadeiros que assistiram a celebração.

A entrada dos imperadores ao som do hino nacional, pelo corredor central, foi sofrível, pois não se decidia a formação da fila. No altar cada um transferiu do coroado ao novo imperador uma de suas insígnias, mas fez falta a presença de um Mestre de Cerimônias. Ao término da coroação entrou tocando o congado do capitão Moacir Santana, medida questionável pois gerou ciúmes em outros grupos que não tiveram a mesma oportunidade.

A procissão (tanto a do Divino quanto a do Imperador Perpétuo) foi precedida não por um mas por vários cavaleiros para tal arregimentados, com trajes a propósito, tomados de empréstimo da cavalgada.

Na chegada houve animação por um padre convidado enquanto se queimou uma cascata e os sinos dobraram. Houve ainda uns inexpressivos fogos avulsos vez por outra.

A bênção do Santíssimo no molde das anteriores foi esplêndida e se firmou como o evento espiritual mais profundo e participativo de toda a festa.

No mais, sob uma ótica panorâmica tudo foi como no ano anterior e ao grande público o jubileu apareceu como belo. Mas como última impressão, o olhar investigativo revelou tensões na relação festeiros x Igreja e entre as comissões festivas do jubileu e da Gruta do Divino, que embora não sejam novidades, foram crescentes e preocupantes. Além do mais uma certa descoordenação das ações, embora sem atrasos apreciáveis e mais uma vez se reforçou a lamentável busca pelo lado espetacular e o maior apoio à inculturação e ao para-folclore, enquanto as folias que tanto trabalham para a festa não tiveram o mesmo tratamento e a coroação de Nossa Senhora da Lapa foi pouco evidenciada. Por fim, registro que os mastros da gruta e Santa Clara esperaram 16 dias após a festa para serem descidos, o que foge por completo à tradição.

O festejo de 2009 foi mais bem organizado e trilhou a mesma estrada em termos de conteúdo e assim dispensa comentários, a não ser pelos seguintes detalhes: a procissão do Divino reuniu o maior número estimativo de pessoas desde o “resgate”, o que foi claramente visível; também a do Imperador Perpétuo teve movimentação melhor que dos outros anos; a uniformização das equipes da cozinha e barraca de vendas foi muito positiva, bem como o ritual de coroação, equilibrado e contido; a participação dos grupos de inculturação cresceu carreando para a festa elementos estranhos à tradição e até dramáticos, o que é temeroso; o cortejo para recolhimento do reinado retomou o itinerário anterior pelas ruas Guia Lopes e Barão de São João del-Rei porque a passagem anterior em condomínio foi fechada. Mais uma vez os congados foram divididos em dois grupos, um que foi para a gruta e outro que ficou na Santa Clara. Ficou claro que o esquema de romarias ainda não atingiu a mobilização imaginada, tanto que é crescente a tentativa de somar participações de instituições, comunidades e pastorais a cada dia.

Dois mil e dez trouxe mudanças significativas apenas na missa das crianças, transferida para a Igreja de Santa Terezinha e na missa inculturada, que foi antecipada em um dia em razão das comemorações do Jubileu Áureo da Diocese de São João del-Rei. Sob nova regência esta celebração recobrou seu idealismo perdido ano a ano na excessiva teatralização que alcançou por fim. Contou com novas participações que recuperaram seus aspectos iniciais.

O levantamento dos mastros passou para o primeiro dia da novena.

Não houve outra novidade digna de nota. Boa organização.

Para 2011 o que houve de significativo foi a passagem dos mastros para a frente da igreja, junto à porta; ainda mais, as folias fizeram a parte musical da missa de sábado, seu dia, o que muito agradou aos foliões. Diga-se ainda do fim do cortejo à gruta, o que já se esboçava a alguns anos mas ora concretizou, deslocado para Santa Terezinha. Ganhou-se tempo, mas não ordenação.

Terno de Caixeiros visita o Imperador "Detinho" na Quinta-feira das Ascensão.


[1]  - Neste dia um grupo de romeiros partiu em caminhada da Capela do Menino Jesus de Praga ao Santuário pela Avenida Josué de Queiroz, rezando e cantando músicas religiosas, para participarem da celebração. Foram precedidos pelo alferes da bandeira a cavalo.
[2] - Caixeiros: Ulisses Passarelli, Luís Pereira dos Santos, Danilo Francisco de Assis e seu irmão, Jamiro Aparecido de Assis. Os quatro são congadeiros da Guarda de São Miguel, de Santa Cruz de Minas.
[3]  - Embora fora do programa, apresentou-se neste dia após a serenata, a dupla local Eddy & Denner.
[4]  - Ainda que anunciado, não houve apresentação de chorinho devido a um problema de horário. 

* Texto e foto (2009): Ulisses Passarelli