Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Elementos Festivos do Jubileu do Divino em São João del-Rei

                 Conhecendo os elementos festivos da Festa do Divino de São João del-Rei
                
                Festa é ocasião de romper o cotidiano. A estressante rotina do trabalho semanal, levemente atenuada pelo sábado e domingo é de fato quebrada nas horas festivas. As regras sociais do dia-a-dia se tornam então mais flexíveis. É possível exprimir a alegria, a fé e a amizade de forma mais espontânea, livre das hipocrisias convencionais.

            Nestes instantes, comer e beber ultrapassa ao limite habitual; gastam-se um pouco mais e se flexibiliza o rigor dos horários. É a oportunidade de assistir a espetáculos, grupos musicais, reencontrar parentes, amigos e compadres. Enfim, a festa, por assim dizer, para quem participa ou apenas assisti, de alguma forma, descarrega as tensões diárias e recarrega o indivíduo de novo ânimo para de volta encarar as responsabilidades rotineiras.

            E se tudo isto é possível é porque cada festividade é um evento que reúne em si uma série de elementos que numa situação normal da semana ou de um final de semana ordinário não existem.

            A festa do Espírito Santo tem como característica a espontaneidade de uma grande quantidade de elementos, que se misturam na programação e se renovam sempre. A variabilidade é a maior identidade dessa festa inimitável. Cada ano é diferente do outro. Descaracterizada estará a festa do Divino rígida em sua estrutura, congelada num modelo do passado. Mas no contrapeso é preciso tomar cuidados para não enxertá-la de elementos estranhos á cultura popular, popularescos, pretensamente folclóricos.

        Com essas considerações iniciais, passo a seguir, em breve revista, alguns elementos que constituem o evento em questão. 

1- Jovem congadeiro de Conselheiro Lafaiete/MG: aprendizado da cultura, esperança de continuidade. 2012.
 A Guarda de Marujos "Santa Efigênia"  é uma presença marcante desde o primeiro Jubileu do Divino reativado. 

1-      Divulgação 

            Noutros tempos se desenvolvia de forma simples, através de impressos gráficos espalhados pela cidade e ainda de programas contidos em diferentes jornais. Afora isto era o boca-a-boca e os avisos dados dentro da igreja, nas horas de missa.
O jornal parece ter sido porém o maior veículo de divulgação. Diversas festividades se valiam dele sendo comum por exemplo notícias sobre o jubileu da Santíssima Trindade, em Tiradentes [1]e mesmo festas de regiões distantes. Eis um anúncio do século XIX, da Zona da Mata mineira, num jornal são-joanense, sob o título de “Festa do Divino Espírito Santo no Amparo da Serra, município da Ponte Nova” [2]:

Eleito festeiro do Divino para o corrente anno, faço publico que a festa realisar-se-á no dia 15 de agosto proximo futuro, neste arraial do Amparo da Serra. Haverá missa cantada, te-deum, sermões, procissão. Na vespera será queimado um castello magnifico de fogos artificiaes, preparado pelo habil pyrotechnico Lucas Dias de Aguiar. Convido por este meio, e espero sem falta, grande concurrencia de povo para mais abrilhantar o referido festejo. Antonio Pires Ribeiro. - Amparo da Serra - 11 de Maio de 1891.

            Notar o destaque à parte religiosa e ao espetáculo pirotécnico como grandes atrações, bem como, a preocupação do festeiro pela concorrência de sua festa.
            Mas se naquele tempo recuado a divulgação visava alcançar os fiéis, hoje, além destes, direciona-se também a um grupo novo: os turistas. Na tarefa de “vender o peixe”, há de ser muito convincente e para aquinhoar uma parcela desta promissora assistência, houve por bem de se adotar diversificadas formas de difusão, tais como notícias em jornais, emissoras de rádio, entrevistas televisivas, avisos em missas, notícias via internet, palestras, exposições de materiais, faixas com inscrições das datas festivas e mensagens, banners, outdoors, cartazes, informativos, adesivos, camisetas. Não se emprega a totalidade dessas medidas todos os anos, ao que parece por limitação financeira.
            O cartaz traz ao centro estampada a imagem do Divino Espírito Santo da matriz de Matosinhos. O conteúdo programático vem abaixo ou ao redor (“cartaz-programa”). Em alguns anos em posição satélite foram adicionados pequenos retratos de momentos da festa. Pelo bom tamanho, colorido atraente e tiragem limitada, a estratégia adotada é a de ser afixado em locais públicos de grande movimentação de pessoas, atingindo assim o maior número possível de fiéis e assistência. Apenas em 1999 o programa foi desvinculado do cartaz, difundido em planfletagem avulsa.
O adesivo para vidraças e para-brisas de automóveis só foi efetivado em 1999 (interno) e 2007 (externo).
            O outdoor, devido ao custo elevado, não foi adotado todos os anos (ausente por exemplo em 1998, 1999, 2003 e 2004). Aparece em número de duis ou três unidades a cada ano. Sua grande visibilidade nos pontos estratégicos das vias públicas, ao centro e na entrada da cidade, fez dele um importante aliado na propaganda do jubileu. Em São João del-Rei raríssima é a festa católica que adota esse recurso midiático.
Além destes existe ainda um outdoor luminoso situado no adro do santuário, que estampa sempre temas e lemas, versículos bíblicos, chamadas de festas da paróquia e que ultimamente vem também veiculando a festa do Divino por iniciativa do pároco.
            O informativo é um boletim anual, com editorial, expediente, programação, artigos, comentários, avisos, pedidos e transcrição de trechos selecionados, de antigos jornais da cidade, acerca de notícias da festa de outrora. Sua distribuição se deu ora avulsa, digo, independente (1998, 1999, 2008, 2009) ora como encarte do jornal O Grande Matosinhos (2000, 2001, 2004, 2005, 2006), ora das duas maneiras de forma concomitante (2002, 2003, 2007).
            Funcionando como documentação há ainda as filmagens e gravações. Seu valor como divulgação é limitado pelas dificuldades para produção de grande número de cópias e sem dúvidas é um recurso a ser ainda melhor explorado.
            Novas estratégias de divulgação surgiram em 2008 e 2009: um folder e um mastro. O folder contém informações programáticas, texto da novena além de uma listagem dos imperadores recentes e antigos, estes informados por mim, com base na presente pesquisa. O “mastro de aviso”, fincado na entrada do adro pelos festeiro, sem ritualização ou congados, tem uma grande bandeira branca enquadrada, com os dizeres: “Jubileu do Divino – 01 a 11 de maio” / “Jubileu do Divino – 21 a 31 de maio”, facilmente visível de qualquer ponto da praça.
            Interessante observar que a palavra divino, com aplicação adjetiva, confere uma qualificação de belo, sagrado, especialíssimo... divinal, a toda expressão à qual se adita. Isto dá um ar muito próprio a diversos elementos constitutivos da comemoração e evoca ao mesmo tempo o patronato do Espírito Santo: festa do Divino, jubileu do Divino, mastro do Divino, cavalgada do Divino, folia do Divino, cavaleiro do Divino, imperador do Divino, procissão do Divino... Involuntariamente a repetição funciona como efeito midiático, ao alcançar nestas expressões uma condição análoga à de uma marca registrada. É uma codificação que em última análise contribui para reforçar o caráter identitário dos elementos festivos.
            O tempo de existência da comemoração tem também seu efeito propagandista. No comércio, por exemplo, uma loja ou produto anuncia sua longevidade de propósito, dizendo que foi fundada em tal ano, ou que tem tantos anos de experiência e com isto visa alcançar maior credibilidade, impressionando pelo tempo no mercado, sinal de competência e qualidade. Ora, também com a festa a idade funciona assim, como um ponto favorável. Por isso nos materiais de divulgação é comum surgir repetidas vezes as datas 1774 (da primeira festa) e 1783 (do breve pontifício concedendo as indulgências plenárias). Não apenas impresso, mas também se ouve com freqüência nas entrevistas e ainda se vê em duas placas de madeira presas às colunas do portão central do adro, as datas extremas (a primeira e a do ano corrente), polarizando o tempo total da comemoração - impressionante marca de mais de duzentos e trinta anos.
            O próprio título jubilar reforça a magnitude da festa e age também como elemento de propaganda paralela, a partir das premissas de sua raridade (pouquíssimas festas o possuem), antiguidade (século XVIII) e perpetuidade (não carece de renovação). Os festeiros quase não o têm usado assim, o que é um desperdício de oportunidade. Ele age desta forma sem esforço algum, a bem dizer por si mesmo.
            Por fim, à guisa de especulação, acho oportuno lembrar da alternativa hoje possível do tombamento da festa no nível de bem imaterial. A meu ver, por um lado, embora fosse congelar um tanto a dinâmica festiva, por outro lado estaria aí mais uma ferramenta de difusão, com a possibilidade de um pregão bem pomposo, tipo: “Jubileu do Divino, patrimônio cultural do Brasil”.        
2- Outdoor contendo divulgação da Festa do Divino na entrada da Ponte Padre Tortoriello,
Centro, 2014. 

2- Música

        Não é sem razão que São João del-Rei é cognominada “Terra da Música”. A primeira informação vem de 1717, quando uma “banda” da época, regida por Antônio do Carmo, subiu ao Morro do Bonfim, para ali recepcionar o Conde de Assumar, então governador da Capitania de São Paulo e das Minas.
Desde então, nossa história musical tem sido notória. Várias corporações existiram e outras tantas permanecem ativas. A música persiste com grande força, envolvendo todas as faixas etárias [3].
            No passado, as bandas e orquestras eram anunciadas nos programas dos jornais com destaque. O nome dos antigos maestros era citado com grande respeito e admiração: Martiniano Ribeiro Bastos, João Evangelista Pequeno, Carlos José Alves, Presciliano Silva, Luiz Baptista Lopes. Nos comentários jornalísticos da festa de 1901, foi dito que a banda militar enlevou os circunstantes. É a primeira menção que identifiquei à sua presença na festa de Matosinhos.
      Está por se fazer uma pesquisa nos arquivos musicais da cidade no sentido de rastrear composições que eram usadas nas festividades de Matosinhos e identificar os seus compositores e quiçá avaliar a possibilidade de sua volta. Notícias orais falam de nomes afamados mas por ora não abordarei o assunto.
A música se processava dentro do templo durante as missas e no adro como retreta, num coreto que se armava diante da capela [4]:
           
Durante os tres dias das festividades religiosas tocarão, no espaçoso e pittoresco largo de Mattosinhos, em vistoso e ornamentado coreto, 2 bandas de musica. A parte musical dos actos religiosos está confiada á orchestra Ribeiro Bastos. 

Esse coreto perdido no tempo, consta como bem patrimonial da capela de Matosinhos, segundo lançamento de 1903 do tesoureiro Miguel Arcanjo da Silva.
         Em razão disso, na reativação de 1998, foi construído um coreto desmontável. Feito em madeira [5], destina-se às apresentações musicais da festa e assim tem servido a shows e grupos folclóricos e bandas, além do serviço da locução geral. Fala-se na possibilidade de construir um coreto fixo.
            Tem sido constante a presença de várias bandas à festa e da Orquestra Lira Sanjoanense, esta sempre na missa solene, até 2007. Desde 1999 o Coral Coroinhas de Dom Bosco, da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar faz a parte musical de uma missa da festa.

3- Orquestra Lira Sanjoanense, de São João del-Rei,
durante a missa solene em 1999. 

Fotografia: João Hipólito / Acervo: Ulisses Passarelli

3-      Barracas 

A presença das barracas é tão tradicional nesta festividade, que já no seu primeiro ano surge uma notícia a respeito da necessidade de vistoria nos ranchos armados por aquela ocasião, em 1774. Eram armadas à guisa de pequenas casas rudes, por isso mesmo chamadas casinholas. Construídas em madeira, com amarrios de cipó ou pregadas a cravo; com bambu e pita, cobertas com capim (sapé) ou palha de coqueiro e chão de terra batida, essas construções provisórias e rústicas alojavam tabernas, botequins, restaurantes, estalagens e mais tarde, bancas de jogos.
            Tornadas tão tradicionais era costume os jornais afirmarem que elas davam a Matosinhos a animação e o aspecto festivo. Em suma as barracas nunca faltaram às festividades, não só as locais, mas as de tantos bairros da cidade. Tão comuns foram as quermesses com as ditas barracas de comes-e-bebes, que se habituou chamá-las genericamente “festas de barraquinha” e assim se tornaram afamadas as barraquinhas das Mercês (defronte a igreja de Nossa Senhora das Mercês), barraquinhas do Carmo (...), do Bonfim, de Matosinhos, etc.
            A recuperação da festa do Divino em 1998 atraiu de forma moderada os barraqueiros de diversos locais – pois de fato andam com suas barracas de festa em festa. Instalaram-se na praça. Ainda nesse ano e no seguinte, foram armadas também no adro, estas com renda destinada à festa. A partir de 2000 já não foram mais consentidas no adro, para nenhuma festa da matriz.
De forma rápida aumentaram de número nos anos subseqüentes, vendendo comes-e-bebes. Algumas se especializaram em toda sorte de quinquilharias, bugigangas, souvenirs, lembranças, penduricalhos... Montam-se também parques de diversões, com suas camas elásticas, pula-pula, carrossel, roda gigante, etc. Esse parque não foi consentido a partir de 2007. Em 2003 surgem algumas bancas de jogos. Houve uma desavença por uma suposta trapaça. No domingo seguinte, o mesmo banqueiro estava com sua armação no jubileu da Santíssima Trindade (em Tiradentes) e lá teria causado igual problema.
            O assunto preocupou os festeiros em Matosinhos, que na reunião de avaliação da festa em agosto, decidiram não permitir qualquer banca de jogo para o ano seguinte, buscando apoio policial se fosse necessário. Depois disso não houve mais banca senão em 2008, quando apareceu uma roleta.
Outra questão levantada foi coibir as barracas na parte frontal da igreja, porque a reforma dos trailers em 2003, substituídos por bares de alvenaria montados como uma composição ferroviária causou o estreitamento da via pública, gerando dificuldades de espaço entre as barracas e bares, para a passagem do cortejo imperial e das procissões. Contudo o fim desse comércio não aconteceu. Felizmente porém no apagar das luzes de 2008 o horroroso trem de alvenaria foi demolido. Seguiu-se um reforma total da praça, inaugurada em meados de 2010.


4- Pipoqueiro com seu carrinho típico chega cedo no largo festivo,
ainda com as barracas fechadas. 2017. 
           
4- Cavalhada

        Herdeira das disputas medievais a cavalo, as justas de cavaleiros corajosos, as lutas das cruzadas contra os povos islâmicos e da história de Carlos Magno e dos Doze Pares de França, as cavalhadas expandiram-se pela Península Ibérica, de onde a herdamos.
Há registros de sua presença no Brasil desde o século XVI. Em diferentes formatações foi conhecida desde o Amapá até o Rio Grande do Sul. Seu nome primitivo foi “torneio”, por vezes ainda usado. A palavra cavalhada existe na língua portuguesa desde o início século XVII. Procede do castelhano, caballada. O termo porém só se torna corrente um século mais tarde [6].
Existem muitas formas de cavalhada, passíveis da seguinte classificação em folclorística:

-          burlesca: profana. Os cavaleiros desfilam fantasiados e mascarados, com hilaridade, fazendo brinquedos entre si e com os espectadores. Exemplos: mascarados a cavalo na festa do Divino de Pirenópolis / GO; bandos montados anunciando a festa de Santa Luzia em Quebrangulo/ AL, a do carnaval de Bonfim / MG, etc.;
-          de cortejo: religiosa. Cavaleiros escoltam um mastro enquanto é carregado, imagem em andor, Reis e Rainhas. Exemplos: em Cláudio / MG, cortejando o mastro na festa do Rosário; em Serra / ES, acompanhando o pau que servirá para fazer o mastro na cortada do mastro de São Benedito; os cavaleiros de São Jorge, espécie de congado montado, do centro de Minas; cavalaria de São Benedito, em Guaratinguetá / SP, etc.;
-          anunciatória: profano / religiosa. Função específica ou principal de anunciar uma festa. Exemplo: cavalgada do Divino[7], São João del-Rei / MG, etc.;
-          de argolinhas: profana. Constitui-se numa prova de destreza entre duas hostes, que disputam o maior número de argolinhas de arame retiradas com uma lança, de uma trave posta na pista, estando o cavalo a galope. Os participantes às vezes configuram-se como personagens da História de Carlos Magno e os Doze Pares de França. Existe no norte de Minas e nordeste do país. Também chamada “corrida das argolinhas”;
-          dramática: é a cavalhada propriamente dita, ou cavalhada de mouros e cristãos, porque representa uma luta entre  religiões (cristianismo X islamismo), herança histórica das guerras santas, das Cruzadas. Os cristãos vestem-se de azul e sempre vencem. Os mouros (muçulmanos) tem a cor vermelha nas vestes e adereços. Costuma agregar a modalidade anterior como número final. Exemplos: Pirenópolis/GO, Taguatinga/TO, Mateus Leme e Nova Lima/MG, Franca/SP, Guarapuava/PR, Santo Antônio da Patrulha/RS, etc. Outrora houve na festa do Divino são-joanense e em diversos outras festas do Espírito Santo Brasil afora. No século XIX existiu em Conceição da Barra de Minas. Até a década de 1930 houve em Prados/MG e de sua existência na vizinha Lagoa Dourada, restou o topônimo “Cruzeiro das Cavalhadas”.  

Como toda classificação, esta também tem exceções e pontos de vistas, pelo que, não é absoluta, mas relativa. No mais classificar não é o fundamental mas sim compreender o fato folclórico. Mas de todas a que mais ficou célebre foi a dramática.
Era este o divertimento favorito nos tempos de antanho nas festas consagradas à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, em várias partes do país. Aqui não foi diferente. A explicação baseia-se na origem histórica destas comemorações, de cunho europeu, conservadas pelos ricos fazendeiros, que montados em cavalos especiais, com a melhor arreata, ajaezados com primor, trajados com capas de veludo cravejadas de toda sorte de aviamentos caros, chapéus emplumados, debruns e arminhos formando valiosos detalhes – em suma, uma farda dispendiosa – cuja confecção ficava distante da realidade financeira das camadas mais humildes da população, que se limitavam a assistir, assim mesmo, discriminadas a um local reservado, como aqui ocorreu em 1884, quando ao povo foi reservado o espaço debaixo da arquibancada montada sob a forma de anfiteatro. A parte de cima ficou para os aristocratas, que, ironicamente, refletindo o cotidiano, estiveram por cima do povo.
            No citado ano o então memorável imperador, sr. Herculano de Assis Carvalho, não mediu esforços para recuperar a cavalhada, que já se encontrava desaparecida. Mandou terraplenar a praça do bairro e ali montou o curro, espécie de arena de madeira, adornada com bandeirolas, flâmulas, galhardetes. O sucesso indubitável de sua empreitada ficou atestado nas crônicas jornalísticas da época.
            Sabe-se que no ano anterior houve em Tiradentes uma cavalhada por ocasião da festa da Trindade. É imaginável que isto possa ter influenciado os esforços do imperador citado.
            Independente das festas religiosas as cavalhadas em São João del-Rei, como aliás acontecia nas velhas vilas coloniais, eram corridas nos eventos cívicos. Dentre outros exemplos, pode-se recorrer à de setembro de 1795. CINTRA (1982) Nos dá conta sobre ela, dizendo que a câmara promoveu pomposas cerimônias comemorando o nascimento de Dom Antônio, filho do Príncipe-Regente Dom João e de Dona Carlota Joaquina. Dentre várias atividades constou uma cavalhada no Largo de São Francisco “composta das pessoas mais hábeis e condecoradas desta comarca”.

5- Cavalgada do Divino em 2015,
na Avenida Santos Dumont. 

5- Alimentação

Um costume de procedência ibérica muito arraigado às festas do Divino era a distribuição de alimentos aos pobres, sobretudo carne e pães. De alguma maneira foi mantido no Brasil [8]:

A Gazeta de Notícias de Campinas, em data de 24 de maio de 1874, assim noticiava a distribuição de alimentos feita pela baronesa de Três Rios e pelo cunhado, Francisco Egídio de Souza Aranha: ‘À sua porta, reuniu-se, pelas 8 horas da manhã, uma compacta multidão que se acotovelava por todos os lados. Eram os pobres, os enjeitados da fortuna, os pequenos de todos os tempos, que hão de confundir-se entre os maiores nas horas do bodo celeste. Aí lhe fizeram os dignos festeiros, que assim se compenetravam no verdadeiro espírito evangélico, a distribuição de 8 a 10 mil quilos de feijão; de carne de 18 reses; e de grande quantidade de sal, farinha e lenha.

MOTA (1986) testemunhou nos Açores: “ainda hoje, volvidos tantos séculos, é a abundância do pão, da carne e do vinho, uma das características mais típicas e primitivas com bodos fartos nos terreiros e adros das freguesias.” Também LEAL (1994) fornece diversos exemplos sobre a importância dos comes-e-bebes nas festas do Divino portuguesas, das ilhas e continente. Surgem de forma ritualizada, muito tradicional no seio da comunidade, como verdadeiro alimento cerimonial. Na verdade é a bem dizer o ponto alto das festas. Esta doação de alimentos aos carentes faz lembrar a influência caridosa da rainha Santa Isabel, nos primeiros festejos em Alenquer.
Não há muita referência sobre a comeizama nos festejos pretéritos em São João del-Rei. Havia distribuição de carne aos necessitados.
Na festa atual, a nota de destaque é para a comida ofertada aos dançantes, sábado (à noite) e domingo (café da manhã e almoço; informalmente também surge um lanche à tarde quando há suficientes sobras intocadas do desjejum). No café chama atenção a quantidade de pães e variedades de biscoitos, broas e bolos.
O alimento hoje é uma das prioridades. É recolhido por doação junto aos moradores do grande bairro. O arroz provém desde a festa de 1998 de farta doação específica de uma distribuidora gaúcha, com filial na cidade, graças à sensibilidade do sr. Laurindo Perinazo. O macarrão também vem de uma marca comercial específica, direto da fábrica.
A equipe cuida sempre de garantir uma alimentação abundante e de qualidade, recordando a origem agrícola da festa, na comemoração das colheitas.
Devido ao crescimento espantoso do jubileu, a necessidade de alimentar é cada vez maior. Para exemplificar sua dimensão listo o consumo aproximado das 3000 refeições servidas no almoço de 2007, segundo cálculos dos festeiros, gentilmente cedidos pelo então imperador, Antônio da Silva Serpa: arroz – 95kg, feijão – 45kg, carne moída – 75kg, macarrão – 60kg, batata – 60kg, cenoura – 1 caixa (cerca de 20kg), alface – 4 caixas, repolho – 2 caixas, farinha, ovo e tomate - não calculados, refrigerante – 360 litros. Em 2010 foram 3500 refeições.

6- Parte da equipe de cozinha picando verduras e legumes para a salada do almoço
do ano de 2015. 

6- Danças folclóricas diversas

O folclore foi no passado algo profundamente discriminado, do que até hoje existe uma resma. No século XIX e começo do XX, a visão que dele se tinha na sociedade era a de uma prova de atraso intelectual, reprovado como marca de primitivismo, pobreza, involução. Se as danças então tinham uma origem africana, eram ainda mais reprovadas, tidas como costume bárbaro.
Devido a esta idéia equivocada é que não se falava em folclore. Embora já existisse, ninguém “perdia tempo” em escrever sobre esse tema nos jornais. Nossas danças de raiz eram consideradas divertimentos da ralé.
No último quartel do século XIX, muito modestamente, com o surgimento dos primeiros estudiosos interessados no assunto, começaram a aparecer algumas notícias da cultura popular. São porém superficiais, desprovidas de uma metodologia científica.
Por esta questão não é hoje possível precisar com exatidão quais manifestações folclóricas estavam contidas na festa do Divino e até que ponto eram apenas apresentações ou de fato, participações efetivas.
Uma importante referência de 1877 permite constatar que se formavam ambientes paralelos dentro da mesma festa. De um lado, as camadas mais abastadas se divertiam com danças importadas da Europa (valsa, polca) e de outro, a “súcia folgasã”, reunida numa casinha, praticava danças nacionais, “sapateadas ao som de requebrada viola”. O autor daquele texto, poeticamente contrastou os estratos sociais. Essa expressão “danças sapateadas” é sintomática da presença de um cateretê ou de um recortado; ou mesmo de um batuque de viola e/ou cana-verde, todos encontráveis por aqui antigamente.

7- Dança dos Velhos

Uma menção de 1883 enumera a dança-de-velhos ou dos-velhos [9], entre as atrações daquele ano. Em 1885 um jornal lastimava a sua ausência, bem como a da dança-das-fitas, a da cavalhada e a da tourada.
A dança-dos-velhos era uma contrafação às danças de salão que a aristocracia praticava. O povo motejava os nobres, com mesuras, gatimonhas, salamaleques, arremedando as danças finas. Mascarados, com bengalas, cartolas, barbas postiças de algodão, óculos tipo luneta, casacas, senhoras de cóquis e xales, etc., em duas filas, uma de “velhos” outra de “velhas”, entravam em cena num andar capenga, coxos, aos arrastos, sofrendo tremuras, ao som de música quase fúnebre, que de repente se irrompia em ritmos acelerados, muito vivazes, que de imediato os velhos se esquentavam em requebros inimagináveis para quem há pouco entrara em cena mancando. E daí dançavam vários ritmos.
Vale ainda dizer que os dançantes eram em geral todos jovens fingindo-se idosos. Seu lado irreverente estava na imitação de fidalgos, mas com calçados desemparceirados. Alguns grupos dançavam mascarados, resguardando a identidade do dançante. As velhas eram por vezes representadas por homens travestidos.
Foi registrada em Goiás, Bahia (vale do São Francisco), São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, conforme Dom Pedro a assistiu quando de sua visita a este estado. Debret a viu dançada por negros em 1816 no Rio de Janeiro o que salvo engano é seu registro mais antigo. No mesmo século Melo Morais Filho registrou-a ainda no Rio, justo numa festa do Divino e é bem plausível (mas ainda não provado), que é de lá que a tenhamos recebido, via Caminho Novo (Estrada Real). Enfim a corte ali se situava.
O fim das danças de salão e as mudanças de costumes desapareceram com essa manifestação. Por outro lado ABREU (1999) relatou que no Rio de Janeiro a partir da década de 1820 as danças em geral, inclusive esta, sofreram muita pressão a favor de seu desaparecimento, pois só podiam se apresentar mediante licença dos vereadores e sofriam perseguição policial. As medidas repressoras visavam “civilizar” a então capital do país.
Hoje é muito rara. Em Minas Gerais, MARTINS (1986), informa sobre sua presença na região de Ervália (Zona da Mata). Contudo um mapeamento efetivado mais tarde por GIOVANNINI JÚNIOR (2001) já não a mencionou mais naquela área. Persiste ativa numa comunidade quilombola na região de Ituberá, Bahia (2009).

8 – Dança das Fitas 

        Dança-das-fitas, dança-do-pau-de-fitas, pau-de-fitas, trança-fitas e trancelim, são alguns nomes dados a uma dança espalhada pelo Brasil e por vários países da América Latina. Com algumas modalidades, basicamente o grupo de crianças, adolescentes ou mesmo adultos, dança em redor de um pau reto e altaneiro, posto na vertical, em cujo topo estão presas diversas fitas longas, que tem o outro extremo pendente. Cada dançante tomando uma ponta de fita, dança ao redor do madeiro, trançando as fitas de forma ordenada, de tal sorte que formam um entrecruzamento de interessante efeito visual. Os movimentos são muito graciosos e mudam o desenho da trama das fitas conforme a coreografia.
De origem européia remotíssima, a dança-das-fitas rememora a árvore de maio (ver mastros), em torno da qual dançavam os aldeães.
 Dois grupos se apresentavam até 2000. Nos demais anos apenas um deles, o do próprio bairro, até 2007, ano da última apresentação e da seguida desativação do grupo.

7- Dança das Fitas no adro do santuário, ano 2000.
Fotografia: José Antônio de Ávila Sacramento

9- Contradança

            Palavra vaga, de plausível procedência inglesa: country dance, traduzida por “dança do campo”, da zona rural. É portanto um termo muito genérico, empregado para as danças executadas em fila dupla, frente a frente. Com a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra, os franceses se familiarizaram com a country dance; absorveram-na, afrancesaram seu nome (contre dance), aproximando-a da famosa quadrilha, sabidamente francesa, em passos vis-a-vis. Passada a Portugal teve logo o nome aportuguesado (contradança) e de lá chegou ao Brasil. Aqui tanto designou danças específicas como a própria quadrilha em si, mas conservou a característica de ser dançada em duas filas paralelas [10].
            Como tal, tornou-se conhecida em diferentes modalidades em Poconé (MT), Pirenópolis (GO), Jaraguá (GO), Vila Velha (ES) e várias localidades mineiras [11]
Em 1899 uma nota de destaque foi dada em São João del-Rei pela presença de um grupo de contradança, sob a responsabilidade do farmacêutico Desidério Nepomuceno da Silva Rodarte, à época, secretário da comissão de festeiros. Há uma rua batizada com o seu nome no centro da cidade, entre o Barro e a Bica da Prata. Empreendeu esforços extraordinários em favor dessa festa.
As informações que doravante apresento, só foram possíveis alcançar, graças à sensibilidade do sr. Roberto Bôscolo, o qual permitiu-me acesso ao material deixado pelo afamado farmacêutico em sua residência, à Rua Balbino da Cunha, com o consentimento de seus familiares, aos quais estendo meus sinceros agradecimentos.
Consta num caprichoso caderno de anotações, os passos (coreografia e pé-de-dança) em detalhes. Informa o manuscrito que o próprio organizador foi também o seu criador: “Marcas de contradança rocambole e as galés de Toulon escripto por Desiderio N. da Silva Rodarte. Escripto especialmente para os amadores de contradança snrs. José d’Assis & Comp. Executado a 22 de maio de 1899 em Mattosinhos”.
Organizado sob a forma de uma suíte de danças, reunia diversos números coreográficos, assim denominados (pela ordem da caderneta):

1ª parte:
3ª parte:
1ª - 1ª - Polka – M. José e Conceição
9ª - 3ª - Quadrilha – J. Custodio
2ª - 1ª - Valsa – A. Ramos
10ª - 2ª - Polka – Conceição e Ma. José
3ª - 1ª - Schottisch – M. Eugenia
11ª - 1ª - Bailado Hespanhol – B. Justo
4ª - 1ª - Quadrilha – J.Custodio
12ª - 2ª - Valsa – A.Ramos
2ª parte:
4ª parte:
5ª - 1ª - Mazurca – J. Assis
13ª - 1ª - Lanceiros – Herminia Rodarte
6ª - 2ª - Valsa –  A. Ramos
14ª - 3ª - Schottisch – M. Eugenia e Dorica
7ª - 2ª - Schottisch - Tonica
15ª - 4ª - Valsa – A. Barros
8ª - 2ª - Quadrilha – J. Custodio
16ª - 4ª - Quadrilha prussiana

            Entre as partes, previa o regulamento intervalos de 15 ou 30 minutos.
            O índice traz detalhes da entrada ao som de dobrado, as bandeiras (hino), as peças dançantes, inclusive a dança-do-rocambole e um curioso “schottisch bahiano”, que suponho fosse já o nosso xote, ou seja, abrasileiramento da dança original européia.
            Sua contradança aliás, reunia diversas danças européias que foram introduzidas no Brasil em meados do século XIX e estavam ainda muito em voga ao seu tempo. Chegaram como danças palacianas e da alta sociedade, mas logo caíram nas graças de todas as classes sociais. Nos bailes populares não faltavam e muitas composições foram feitas aproveitando seus ritmos. O brasileiro soube adaptá-las à nossa musicalidade. Desidério Rodarte alcançou o êxito de saber reunir esses ritmos todos num arranjo harmonioso.
            O rocambole sabe-se que era uma modalidade da quadrilha também dançada na vizinha cidade de Prados, onde ainda é executado e tem registro musical. Talvez tenha registro também em São João del-Rei o que é de se pesquisar. A movimentação encaracolada lembra as voltas de um rocambole (refinado pão-de-ló coberto por açúcar-de-confeiteiro e recheado de doce-de-leite).
            Os esforços desse farmacêutico são dignos de elogio, promovendo a contradança, marca importante na festa do passado.



8- Imagens do caderno de anotação das contradanças de 1899.
Fotografias: Paulo Vale.

10- Deslocamento populacional

Consta que os fiéis vinham de longe, a pé, a cavalo, de charrete e similares, em liteiras [12].
Famílias inteiras viajavam em carros de boi e mais tarde, nos trens, que chegavam lotados na estação Chagas Dória e ainda mais tarde, em automóveis. Os jornais trazem provas abundantes da grande movimentação ferroviária que se estabelecia em Matosinhos, trazendo os romeiros.
            Esta movimentação atingiu uma tal cifra que o esvaziamento da cidade (já que a população vinha quase toda para Matosinhos acompanhar os festejos), era capaz de fazer com que se cancelassem espetáculos no Teatro Municipal (situado no centro da cidade), por falta de público. Dentre outras ocasiões, tome-se por exemplo, o adiamento da encenação da peça Milagres de Santo Antônio, pela companhia teatral do sr. Azeredo Leite, em 1877 [13] e o fracasso da estréia da Companhia de Zarzuellas e Japoneza [14]: “como era de prever, foi a estréa desta companhia pouco concorrida após as concorridas festas em Mattosinhos, onde esteve esta cidade durante quatro dias e quatro noites”.
A urbe ficava ainda sob a sanha de ladrões, pela facilidade do roubo. O ajuntamento popular no subúrbio, expunha as pessoas à fragilidade. Veja-se a respeito, esta citação encontrada pelo pesquisador ADÃO (2001) [15]:

nestes dias de festa de Matosinhos em que as ruas ficam desertas e as casas no desamparo, nada de jóias, nem de valores em dinheiro expostos aos dedos rápidos e amestrados dos batedores de carteira profissionais (...) o direito não favorece aos que cochilam.

E por falar nisso, o imenso movimento trazia enorme arrecadação, cuja lisura na prestação de contas deixava por vezes a desejar [16]:

Não tem fim realmente as “belezas” da administração Odilon, Viegas e Cia. (...) As festas de Mattosinhos fizeram entrar, agora, para os cofres municipaes, a quantia de 5:875$000 (...)só foi registrado na escripta da Camara a importancia de 150$000. É edificante!

            O valor de cinco contos e oitocentos e setenta e cinco mil réis é impressionante, uma pequena fortuna. Um conto era um milhão de réis. Serve de testemunho do movimento festivo, que se fosse pequeno não poderia a renda chegar a tal cifra.
Os antigos jornais foram pródigos em emitir expressões quantitativas dessa multidão que se deslocava da cidade para o bairro. Elas servem hoje como índice do prestígio da festa para a população são-joanense. Para exemplificar, selecionei as seguintes expressões, pinçadas de diversas páginas jornalísticas, todas transcritas no anexo deste volume:

-          festejos legendários;
-          apreciadas festas;
-          a cidade movimenta-se toda;
-          concorre sempre a cidade em peso;
-          a cidade se acha sepultada em profundo silêncio;
-          numerosíssima concorrência de povo;
-          o povo acotovelava-se pelas ruas;
-          a onda de povo cresceu despejada pelos trens sucessivos;
-          o povo em massa descia;
-          verdadeiro êxodo de famílias da cidade para ali;
-          o povo enchia a igreja e ao mesmo tempo todos os botequins;
-          ampla e garrida multidão;
-          um sem número de romeiros e devotos das redondezas e de longe;
-          os trens da Oeste não cessavam dia e noite de transportar concorrentes;
-          para mais de 5 mil pessoas atufavam a praça;
-          grande concorrência de povo;
-          os trens da Oeste despejavam lufadas de povo;
-          movimento de transladação de diversas famílias (...) passam a residir no pitoresco arrabalde;
-          concorrida por quase todas as famílias da cidade;
-          trens regurgitavam passageiros;
-          grande ajuntamento;
-          enorme concorrência popular.

Como dado complementar basta lembrar que em 1917 a bilheteria ferroviária vendeu 17.000 passagens durante a festa, do Centro para Matosinhos. Nada menos que 42 trens, rodaram da cidade para o bairro, durante os três dias festivos.
Em 1923, motivado pelo grande movimento previsto, instalaram pela primeira vez em Chagas Dória, serviço de roletas, para facilitar o embarque [17]: (...) “no acto da entrada, que será pelos portões, onde serão adaptadas registradoras automaticas, duas borboletas, installadas exclusivamente para esse serviço, ficando assim dispensados os bilhetes”.
Nesse mesmo ano foi inaugurado o serviço de ônibus urbano na cidade. Um só veículo, aberto nas laterais (“jardineira”), fazia o transporte por 200 réis, a partir da estação ferroviária do Centro para diversos pontos: São Francisco, Tijuco, Fábricas, Centro, Matosinhos. O itinerário foi noticiado na imprensa, acompanhado pela seguinte observação [18]: “poderá ser modificado de accordo com o estado das ruas”.
No mês seguinte à inauguração do serviço, um jornal noticiou [19]:

Auto-omnibus. Vae funccionando, com grande concorrencia, o auto-omnibus, recentemente inaugurado nesta cidade, ao qual o povo cognominou “grisú”, por ter sido o respectivo carro adquirido da empresa Grasse, de S. Paulo, cuja marca, apagadamente escripta, se prestou a essa cognominação.

Uma notícia jornalística elogia o êxito da atividade do “auto-omnibus” recém inaugurado e anuncia que em breve mais um desses veículos, ora fechado, estaria em atividade, fazendo linha do centro a Chagas Dória [20].
Uma notícia que correu então foi a seguinte [21]: “O sr. Severo de Araujo está também em negociações com a empresa de auto-omnibus de Barbacena, para que, nos tres dias, [de festas] possam funccionar cinco carros, para conducção de passageiros áquelle arrabalde”.
Para a missão e festa daquele ano, a novidade obrigou a câmara a reparar completamente a estrada de rodagem para Matosinhos. Por ela passaram “grande número de automoveis e o omnibus conduziu, nos nove dias, 1.812 passageiros, de ida e volta” [22].
Com o movimento extra, antes inimaginável, o delegado de polícia, Dr. Archimedes Camisão, se viu obrigado a tomar providências [23]. A ordem que expediu em edital pela pena do escrivão Abrahão de Paula Moura foi profética, prevendo que o trânsito de Matosinhos seria caótico. Regrou o tráfego de ida e volta ao bairro, estabelecendo fiscalização e a aplicação de penalidades e multas ao motorista infrator. Ainda assim, houve um acidente, embora que de pequenas proporções, sem gravidade, envolvendo o motorista do ônibus, João Antônio de Aquino [24].

9- Congadeiros observam a passagem do trem; turistas nos vagões observam os congadeiros.
Festa do Divino, 2017. 

11 – Personagens
            Chamo “personagens” aos elementos humanos incluídos na estrutura folclórica da festa, tais como capitães, mordomos, juízes, etc. Uso o termo “cargos” para indicar em paralelo, os da estrutura administrativa, como conselheiros, secretários, tesoureiros, etc. Em algumas situações a mesma pessoa pode ter um cargo e ser um personagem.
            Esta diferenciação subjetiva adotei para efeitos didáticos, visando o festejo moderno porque no antigo as duas condições de certa forma se confundiam.
            Na verdade a festa abarcava um grande número de cargos/personagens, que permitia a participação de várias pessoas em diferentes funções. A maioria tem procedência portuguesa e sobretudo açoriana. Surgem assim noutras festas do Divino Brasil afora e nas da Santíssima Trindade, conforme ocorria na vizinha cidade de Tiradentes. A respeito desta, vale conferir a relação seguinte[25], excluída a longa lista de nomes. Os juízes são sempre aos casais:

Pauta dos Mesários da Confraria da Santíssima Trindade para o anno de 1927
Império: Imperador, Imperatriz, Alferes da Bandeira, Pagem do Estoque, Procurador dos Pobres, Esmoler-mor;
Mesa Administrativa: Presidente, Vice-Presidente, Secretário, Síndico, Procurador; Irmã Presidente, Irmã Vice-presidente, Vigário do Culto Divino, Vigária (sic) do Culto Divino, Mestra Assistente, Irmã Enfermeira, Zeladoras;
Juízes e Juízas: do Divino Espírito Santo, Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Nossa Senhora das Dores, São José, São João da Matta, Nossa Senhora do Carmo, Santo Antônio, Menino Jesus.
Mordomos ...
João Trindade Nascimento - Secretário - 31/12/27

            Notar a presença de cargos consagrados ao Divino Espírito Santo e Senhor de Matosinhos[26]. O imperador foi o Padre João Theodorico Vellozo. Na verdade, comprovam antigas notícias jornalísticas, o Jubileu da Santíssima Trindade era muito parecido às antigas festas de Matosinhos, mas como aquelas, sofreram grandes mudanças ao longo dos anos razão para um estudo específico.
            Na verdade há indícios de que as festas dedicadas ao Espírito Santo são capazes de influenciar outras festividades diversas mas também não é assunto para essas páginas [27].
            A seguir passo em breve revista alguns personagens do passado e da atualidade.

-   Açafatas: duas meninas com vestidos domingueiros, de arco enfeitado ou capela à cabeça. Acompanham o último casal real, logo à sua frente, trazendo cada qual um cestinho ou pequeno balaio, cheio de pétalas de flores e papel colorido picado. No instante da chamada, são conduzidas ao altar e sob o canto do moçambique lançam pouco a pouco com as mãos, o conteúdo dos cestos sobre a imagem do Divino, a essas alturas, já montada no andor e exposta no presbitério à veneração dos fiéis. Assim encerram sua participação. Sua última presença foi em 2004. O termo açafata significa a “moça do açafate”, ou seja, a que o carrega. Açafate, do árabe açafat, é um cesto raso, circular ou ovalado, largo, sem alça ou tampa. As açafatas nas cortes reais eram serviçais das rainhas, carregando junto delas pertences pessoais.
-       Capitão de Coroa: o mesmo que capitão-reiseiro. Título do capitão de congado responsável por “puxar a coroa”, ou seja, escoltar o imperador ou o rei/rainha. Sua guarda é sempre a última do cortejo, a que vai mais próxima da coroa. Pela tradição é um moçambiqueiro. O sr. Luís Maurício, de Passa Tempo, foi nomeado como tal em 17/04/2001.
-       Capitão de Honra: título do capitão que recebe os demais na entrada do adro, com uma bandeira à mão, do Divino ou do Rosário. Dá as boas-vindas em nome dos festeiros. O sr. Luís Santana, desta cidade, foi assim nomeado em 11/04/2000. Com o seu falecimento em 04/11/2002 a função ficou vaga.
-       Capitão de Mastro: desde 1998 é o sr. Raimundo Camilo. É o capitão de congado com a função de levantar e baixar o mastro do Divino e o de Santo Antônio, os principais da festa. Zela pelas firmezas desses mastros e cuida de todo o ritual, assistido de perto pelos capitães-meirinhos.
-      Capitão-meirinho: indivíduo festeiro ou não, capitão de congado ou não, mas com o conhecimento da capitania da uma guarda. Responsável pelo andamento de todos os rituais folclóricos da festa, controlando a movimentação dos grupos, ordem hierárquica dos cortejos e sua harmonia, firmezas em favor da festa como um todo, coordenação das atividades. Convida ou indica pessoas de confiança ou outras apropriadas para exercerem funções na estrutura folclórica ou assumirem papel de um determinado personagem, levando os nomes ao parecer da comissão. De 1999 a 2005 foram capitães meirinhos Damião Guimarães e Ulisses Passarelli.
-         Capitão-mor: título honorário renovado a cada ano, dado a um capitão de congado de destaque na festa, não cabendo nenhuma função especial por ser tal personagem. De ordinário recebe um presente da comissão. Foram os seguintes: 1998 - Luís Santana (São João del-Rei); 1999 - José Francisco Sales, o “Faixa Preta” (São Gonçalo do Amarante); 2000 – Raimundo Marino da Silva, o “Raimundo Camilo” (São joão del-Rei); 2001 – José do Rosário Anacleto, o “Zé Carreiro” (Coronel Xavier Chaves). Daí por diante não houve mais esses personagens.
-    Imperador: personagem máximo da festa, eleito para o mandato de um ano. Sua popularidade outrora foi tamanha que diz CASCUDO (s/d), influenciou Luís Bonifácio a escolher o título de imperador para Dom Pedro em vez de rei, porque o povo já estava bastante acostumado a aclamar o imperador do Divino. Some-se a isso o ideal político que o título conferia ao governante, condizente com as pretensões imperialistas ainda vigentes. A verdadeira função varia conforme a região: 1) é o festeiro principal, o faz-tudo, o principal agente executivo do evento; 2) é um mero figurante honorário, o mais importante aliás, competindo a uma comissão de festeiros a promoção da festa. Entre estes dois pólos paira a situação intermediária, da qual ele é membro ativo mas não necessariamente o coordenador geral. Ajuda como os outros festeiros e no dia maior se destaca recebendo as honrarias imperiais. É assim que hoje ocorre em São João del-Rei, sempre com um adulto. Em muitos lugares o imperador é um menino. Ensina ABREU (1999) que nos meados do século XVI começaram a surgir na Europa oposições aos reinados cristãos, impondo-lhes limites. É quando crianças começam a ser coroadas em vez de adultos, “o que expressaria o enfraquecimento político e simbólico dessa prática medieval”(p. 40). Um programa da festa da Santíssima Trindade de Tiradentes prevê o cargo de imperador (Tenente Antônio de Pádua Falcão)[28]. Em São João del-Rei o processo de escolha noutros tempos era por sorteio dos nomes plausíveis, o que alhures se chama “pelouro”. Hoje é um processo eletivo interno, restrito à comissão de festeiros, que indica os nomes, aprecia-os em assembléia e faz o convite formal. Uma vez sendo aceito, o nome assim eleito se torna público. Alguns festeiros se tornaram imperadores e entregue a coroa, continuaram festeiros. Outros não eram da comissão e entregue a coroa, ingressaram nela oficialmente. O cargo de imperador era o mais ambicionado, pela projeção que dava ao indivíduo no seu círculo social. Assim sendo, em muitos lugares políticos queriam e querem ser imperadores. O cargo pode assim servir de trampolim. Por outro lado os próprios festeiros antigamente visavam convidar ricos senhores do comércio, grandes latifundiários, nobres, oficiais militares, almejando a doação em dinheiro para a festa e seu ganho em status social. A escolha do imperador gerava assim críticas dos mais conscientes, pois o interesse pelo lado financeiro chegava a ser gritante [29]: “consta que na urna em que se achavão os nomes dos que a sorte tinha de designar para Imperador do Divino estava o de Teophilo de Barbosa Peçanha... É incrivel! Hoje em dia não se pode ver ninguem com dinheiro!” O imperador agora se veste na festa de terno completo. Ficam sob sua responsabilidade as insígnias do Divino: cetro, coroa e salva (espécie de bandeja circular com base em forma de pedestal), confeccionadas nessa cidade pelo artista prateiro João Bosco Chaves. São as insígnias tradicionais herdadas da tradição ibérica e que remetem de imediato ao simbolismo do poder, antevisão de um monarquismo fictício. Mais recentemente foi adotada uma faixa e uma capa bordada, ambas de veludo vermelho. Ganhou em 2005 uma arma, o estoque, fabricado pelo artista local, “Xerife”. Nas festas de 2005 em diante foi evidente a personalização que os imperadores imprimiram à cerimônia de coroação. Este fato mostra-se positivo de um lado, pois retira um pouco da aspereza da intensa formalidade característica do momento, negativo por outro, pelo risco de logo ou num futuro de médio prazo surgir um cerimonial que saia da sintonia da proposição da festa, com desnecessária dramatização. Digo isto porque esta tendência já foi revelada. Em 2009 foi tentada com êxito uma coroação mais prática, com menos detalhamento o que foi muito positiva, com a participação dos ex-imperadores.
-    Imperatriz: personagem da festa antiga, companheira do imperador. Era escolhida entre a casta abastada da sociedade e recebia as mesmas honrarias. Em 1923 foi imperatriz a sra. Antônia de Araújo Simões [30]. A imagem do Divino de Matosinhos tem dois cetros de madeira cruzados sobre a pombinha. Suponho se tratar de simbolismo que represente o imperador e a imperatriz. Não foi resgatada na remodelação de 1998. Há estudiosos que interpretam a presença do imperador e da imperatriz como evocações de Dom Diniz e da Rainha Santa Isabel.
-       Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas: personagens herdados das festas do Rosário, tão arraigadas a essa região. Para aquela festa tem o mesmo valor simbólico do imperador para as do Divino. Inseridos nesta última, tornaram-se um grau abaixo dele, não em valor ou dignidade, mas não sendo esta a sua festa própria, a equivalência se desequilibra e o imperador centraliza as atenções. Vi em 2003 uma cena de extrema humildade da parte de um rei e uma rainha, vindos de Belo Horizonte, que, no império, diante do imperador, embora tendo igualmente as cabeças coroadas, se curvaram diante dele, numa vênia muito respeitosa e tomando sua mão, a beijaram. A cena admirável passou despercebida por muita gente mas não tendo sido feita por exibição, demonstra a dignidade dessa gente que tem mais realeza que muitos governantes. Resta dizer que a presença do reinado no jubileu do Divino é uma concessão de homenagem, tendo sido excluída a partir de 1999 a sua cerimônia de coroação e posse, considerada exclusiva das festas do Rosário, o que poderia representar uma descaracterização. De 2005 a 2007 foi possível organizar todo o reinado em fila dupla, homens à esquerda, mulheres à direita, seguindo imediatamente à frente do imperador e sua guarda imperial, todos escoltados pela imensa massa congadeira, colorida e musical, o que figurou como integração entre duas festas tradicionais e de peso. Não me espanta, pois, que um capitão perceba essa harmonia e satisfeito a cante em versos assim [31]:“Viva o rei! Viva a rainha! / Viva o seu ministério! /Viva o Divino Espírito Santo! Viva todo o seu império!”.
-          Juízes(as): dizem que quando a Igreja e o Estado eram unidos, a participação dos magistrados era de praxe e sempre havia as vênias costumeiras. Com a laicização o representante do judiciário se afastou e criaram-se personagens figurativos, substituíndo-os. Com títulos honorários os juízes tornaram-se personagens tradicionais em várias festividades católicas, não só as do Divino e as do Rosário. Em algumas, a quantidade deles chega a ser admirável, costumando-se nomeá-los sob o padroado desse ou daquele santo: juízes de Nossa Senhora da Boa Morte, juízes do Menino Jesus de Praga, etc. Neste jubileu o juizado folclórico tinha até por volta de 2005 duas categorias: uma que não era escoltada pelos congados, vinha com o título de juízes do Divino Espírito Santo e juízes de Santo Antônio; outra, sob escolta congadeira, nominada juízes de manto, vara e ramalhete. No primeiro caso recebiam em sua residência cartas-convite, nomeando-os como tais, convidando-os para a festa e solicitando-lhes uma espórtula. No dia em que os donativos eram recolhidos em suas casas pelo coordenador do juizado, recebiam também o informativo contendo a programação para assistirem a festa com a família. Na hora da festa em si não recebiam nenhuma atenção especial. Já a segunda categoria era convidada via carta a comparecer no dia maior no salão comunitário de Santo Antônio, de onde eram recolhidos juntamente com o reinado pelos congados. Vinham vestidos de branco, sem coroa, perfazendo um casal para cada título. Os juízes de manto carregavam uma pequena peça de veludo, bordejado de galão dourado, dobrado sobre o braço. No momento da chamada (eram os primeiros a serem chamados), entregavam os mantos ao coordenador do reinado que os estendia sobre o altar e sobre eles depositava todas as ofertas; os de vara seguravam varas enfeitadas com fitas, flores, pombinhos alegóricos; os de ramalhete (ou de flores como se diz em certos lugares), ofertavam um buquê. Além das respectivas insígnias havia uma oferta em dinheiro. No presente só é adotada a primeira categoria, ora simplificada em seu nome apenas para “juízes”. Em 2004 e 2005 surge o juiz de mastro, assumido pelo sr. Luís Pereira dos Santos, um auxiliar dos rituais de levantamento. Há por fim os juízes de prendas, pessoas especialmente escolhidas para coletar prendas em favor da festa, em diferentes bairros. São nomeados por carta. Em 1999 foram: João Batista de Ávila Filho (Caieira) [32], Geraldo Quirino da Silva (Cohab e Maquiné), Maria Auxiliadora Mártir (Bairro São Dimas), Maria Auxiliadora da Cunha (Centro), Luciléia Braga (Centro), Maria de Lurdes Moreira (Santa Cruz de Minas: Centro, Terra Arada, Cascalho e Caixa d’Água), Maria Aparecida de Salles (Santa Cruz de Minas: Córrego), Mário Calçavara (Fé e imediações). Com o fim dos leilões não foram mais convocados. Contudo o sr. Mário Calçavara por uma concessão prosseguiu na tarefa pelo que persiste ainda hoje, ajudado desde 2004 por Lucas de Carvalho (Tijuco e povoados da Trindade e Mumberro).
-     Mordomo da Bandeira: responsável por levar uma bandeira do Divino, destacada das demais na confecção, ao centro das procissões, seguido por duas filas de porta-bandeiras. Desde 1999 que exerce essa tarefa com devoção inabalável e perene simpatia, o sr. Mário Calçavara, agricultor e tradicional folião do povoado do Fé, a despeito da distância de sua moradia, sua idade avançada e das dificuldades impostas pela saúde na sua locomoção, tendo se tornado figura emblemática e exemplar da festa.
-    Mordomo da Coroa: ou mordomo-régio. Ativo de 2000 a 2005, representado pelo açougueiro Josino Inácio do Nascimento (“Jota”). Seu neto Jonathan Melo dos Reis o acompanha como pajem.
-      Guarda-coroa: ou mestre de campo. Figurante trajado de branco, com casquete e colete vermelhos, com detalhes dourados, portando espadas. Fazem a guarda do cortejo, dois à dianteira, como abre-alas, e dois na retaguarda, fechando, sempre de espadas cruzadas. Por vezes um quinto vem dentro do quadro, ladeando o imperador, de espada em riste. Em 2009 alguns armados com lanças.
-      Guarda de Honra: meninos e meninas com roupas vermelhas muito enfeitadas, que circundam o imperador no cortejo e procissões, carregando o quadro de varas e pequenos ramalhetes. Em Santa Catarina surge de forma semelhante, como demonstrou Lélia Nunes [33]:“A Corte Imperial, formada por Imperador, Imperatriz (crianças ou adolescentes) e um conjunto de seis a oito pares de crianças que desempenham o papel de damas e pajens, todos ricamente vestidos em trajes de época.”
-     Meirinho: auxiliares dos capitães-meirinhos, por eles convidados, ajudando nas tarefas as mais diversas.
-        Procurador da Festa: personagem extinto. Talvez fosse o executivo mais importante, com funções de presidente da comissão de festeiros. Havia um para cada dia festivo. Eram renovados a cada ano.
-       Procurador dos Pobres: personagem da festa antiga, responsável por angariar esmolas e carne para distribuir aos necessitados durante os festejos.
-    Mordomo da Capela: personagem desaparecido, cuja função era obter a cera necessária para a confecção das velas que iluminariam a capela, ainda no tempo que não havia luz elétrica.
-   Caudatário: espécie de pajem que acompanhava a imperatriz, segurando a barra de seu longo vestido de cauda, para não arrastar pelo chão.
-   Pajem do Estoque: fâmulo que acompanhava o imperador, equivalente ao caudatário para a imperatriz. O nome procede do estoque, espada de lâmina reta, de três ou quatro quinas, sem corte, que fere pela ponta (daí a palavra estocada, estocar – furar com lâmina). O estoque real é “insígnia que o condestável do reino tem na mão na presença do rei em atos solenes”, esclarece o Caldas Aulete. O pajem do estoque foi restabelecido a partir de 2003, representado por um garoto de cerca de dez anos, ricamente trajado em veludo, com aviamentos dourados; chapéu tricorne com revestimento idêntico. Carregava a salva. A partir de 2005, uma almofada do mesmo veludo e com iguais atavios, sobre a qual carrega o estoque, especialmente confeccionado por “Xerife”. Em 2008 e 2009 não foi visto na festa. Como curiosidade informo que em São Sepé/RS, segundo estudo de CÔRTES (1987), o pajem do estoque tem função muito diversa da acima apontada: é o indivíduo responsável pela estocagem das prendas.
-        Zelador do Império do Divino: até 2005, o responsável por montar e enfeitar a tenda sob a qual se abriga o imperador quando na saída do cortejo imperial.

10- Mordomo da Bandeira, adiante do grupo das pastorinhas, na
Procissão do Imperador Perpétuo de 2006. 

12- Iluminação
           O que hoje parece muito natural e até desnecessário comentar, foi contudo no passado ponto de grande atração.
           Os velhos jornais sempre comentavam sobre a iluminação planejada pelos festeiros. Antes da luz elétrica providenciavam lanternas sustentadas por combustível rústico (azeite de mamona). O advento da eletricidade trouxe uma espetacular inovação. 
Comentava-se então que a iluminação era a giorno, expressão italiana que em tradução contextual equivale a “como o dia”, indicando a grande claridade alcançada.
            Na festa moderna a preocupação maior foi com a carga elétrica excessiva gerada pela pesada aparelhagem de som necessitada pelos shows, os cordões de lâmpadas, os barraqueiros. Na lateral direita do adro, (de quem observa a igreja de frente), há um poste com uma chave bipolar de 50 amperes, ligada por ocasião das festas. A Comissão do Divino preocupada com o problema da sobrecarga, providenciou para o lado oposto outra chave, esta de 70 amperes, tripolar. O cabo antigo que servia à energia, relativamente fino, foi substituído por 180 metros de cabo quadriplex. Por ocasião das festas solicitava-se junto à concessionária de energia a ligação das chaves, pagando-se as taxas para tantos dias. Com isto conseguiu-se driblar o problema em 2002. Em 2004 o pároco deu outro passo importantíssimo para a segurança, instalando dois padrões de luz, com marcação em relógio. As festas passaram não mais a pagar taxas fixas, mas apenas o que gastassem de fato, além da maior segurança proporcionada.
            A iluminação desde 1998 para a festa do Divino é feita com os cordões existentes no adro. Apenas em 2003 foi feita iluminação externa da frente e lateral da praça, dando grande efeito, o que foi na época possível graças aos esforços de Jair Trindade Soares.

11- Postes do adro e cordões de lâmpada iluminando o adro em festa.
Momento da saída da procissão solene, 2015. 

13- Fogos de artifício 

            Herdamos o costume do oriente, donde os portugueses o trouxeram, através de seus portos na Ásia. A idéia inicial dos cristãos era que os estrondos espantavam o demônio.
            Essa concepção perdeu-se no tempo, substituída pela simples admiração dos sons e cores. Contudo é mister registrar a concepção religiosa mediúnica afro-brasileira, que atribue ao foguetório um valor de firmeza espiritual, na radiação do orixá Ogum. Há uma também uma função específica: dar sinais, como os rojões de aviso antecedendo procissões e cortejos; acordar fiéis para a festa nas alvoradas.
            Noutros tempos, para promover os foguetórios, os pirotécnicos da terra eram contratados, alcançando grande prestígio, como Henrique Vieira, Carlos André, Martinho José de Barros Lima. O negócio era ao que parece promissor. No final do século XIX, Manoel Messias do Nascimento Brito obtém da nossa Câmara Municipal licença para instalar uma fábrica de foguetes [34].
Mas também de longe vinham os profissionais. Sabe-se que outrora veio um de Niterói/RJ, cujo nome não ficou registrado; de Juiz de Fora vieram Vicente Minobolli e Nicolau Sinelli (sobrenome que também aparece grafado como Sinele ou Cinelle).
            Nos anos em que os fogos eram fracos a festa por conseguinte era considerada pobre. Veja-se como exemplo as comemorações de 1893. Também na festa do Divino carioca eles eram a grande atração, como frisa ABREU (1999), pela quantidade, variedade e sofisticação.
            Falava-se dos “fogos de vistas”, assim chamados os artefatos que primavam pelo efeito visual. Dentre eles os “fogos de bengala”, que não estouram, só dão cores. Eram os preferidos para a noite. Para o dia, a luz solar ofuscava a visão do seu colorido e eram preferidos os mais barulhentos.
            Notícias mais velhas citam a “ronqueira”, o mais forte dos fogos, causando grande estrondo. Constava de um calibroso cano de ferro, fincado firmemente em diagonal no chão ou num grosso cepo de árvore, daí ser também conhecido por tiro de toco. A ponta que ficava de fora da terra ou do toco, tinha um furo com um pavio curto. A pólvora seca era colocada sob certa pressão dentro do cano e tampada com uma bucha improvisada com arroz socado. Acendia-se de longe, com uma vara longa por razões de segurança, tendo fogo na ponta. O risco de acidentes era alto, o que gerou uma proibição de seu uso em 1887, através do artigo 114 do Código de Posturas de São João del-Rei, prevendo multa de 5$000 e cinco dias de prisão para quem “lançar nas ruas ronqueiras, busca-pés, bombas e outros fogos que possam ser ofencivos ás pessoas ou propriedades”. Enfim, os fogos eram sempre um atrativo dos mais esperados [35]:

Em os 3 dias, durante as festas populares, serão queimados surprehendes fogos de artificio, do mais afamado pirothechnico do Rio de Janeiro, contractado por 2:000$000.
*  *  *
Nas três noites, pretende introduzir nos festejos uma novidade: serão soltados grandes balões, conjuntamente com os fogos, que serão excepcionaes, pois foram organizados pelo technico que obteve o primeiro premio na Exposição do Centenario.

            Desde que a festa foi remodelada que o foguetório tem sido intenso. Foi um tanto mais simples em 1998, por limitações financeiras, promovido pelo fogueteiro João Deon, que também o fez no ano consecutivo, quando já se intensificou. Em 2000 foi incrementado e assim se manteve com o mesmo esquema pirotécnico até 2003, com o fogueteiro Marcírio José Rios de Carvalho. No ano seguinte não houve foguete algum, por exigências legais de segurança e na festa a seguir retornou, porém mais simplificado, também pelo pirotécnico Marcírio. Foram excluídos os fogos de artifício mais perigosos, tais como foguetes de vara (rojões e lágrimas), morteiros (de tiro seco e de duas aberturas), coroas, rodas de fogo, apitos de vareta e avião. O forte estrondo dos morteiros na alvorada e no encerramento era sem dúvida uma nota característica. Em 2006 as exigências mais rigorosas de segurança solicitadas pelo Corpo de Bombeiros não puderam ser satisfeitas e assim desapareceu o espetáculo pirotécnico, reduzido a alguns pouquíssimos foguetes 12 x 1 avulsos, soltos ocasionalmente ao longo da festa. Não houve foguetes em 2007 e no ano seguinte apenas uma cascata na chegada da procissão, embora na gruta a alvorada tenha sido marcada por duas girândolas, a cargo dos festeiros de lá. E assim tem se mantido de forma modesta.

12- Um foguete isolado marcou o instante da alvorada em 2017. 

14- Leilão 

            O costume dos leilões era muito arraigado às festas católicas em geral, inclusive as do Espírito Santo, nos diversos lugares onde ocorre no Brasil.
            Por aqui também houve, embora as notícias a respeito sejam parcas, como a de 1897. Uma delas, fala de um leilão ocorrido na Matriz do Pilar com renda revertida para a festa de Matosinhos. Uma crônica retrospectiva de 1912, que aborda um período anterior ao da ferrovia, também cita o leilão, frisando as espertezas do leiloeiro, no sentido de convencer os circunstantes a arrematarem as prendas. Em 1923 surgiu outra notícia [36]: “também haverá leilão de prendas, após as missas e á noite por occasião dos festejos populares, para os quaes os festeiros pedem concurso das exmas. familias”.
            Na festa recente o leilão se produzia graças ao importante trabalho dos juízes(as) de prendas, que logo após a páscoa, a pedido dos festeiros, identificados por crachá e portando carta autorizativa, recolhiam donativos voluntários fora de Matosinhos, revertendo-os para a Comissão do Divino. Produtos alimentares, segundo o cardápio escolhido, eram revertidos para o almoço. O excedente, o extra-cardápio, o não alimentar, era tudo deixado para o leilão.
            Na dianteira da igreja, de dentro do adro, sobre uma grande mesa, punha-se aos olhares públicos toda a fartura coletada. Um auxiliar zelava por tudo e anotava. O leiloeiro pegava as prendas e passava entre os fiéis, em alta voz, apregoando o produto. A renda se revertia em favor da comissão para custeio do festejo.
            Os leilões foram realizados em 1998 e 1999. Daí por diante deixaram de ser realizados, o que não só representou uma fonte de arrecadação a menos para a organização do evento, como também o fim de uma atração tradicional, muito conhecida dos fiéis.
            Em 2003 realizou-se um único leilão de gado, graças aos esforços do imperador Geraldo Elói e do auxílio inestimável de alguns poucos abnegados ajudantes: na cidade, Antônio da Silva Serpa (“Toninho”) e Josino Inácio do Nascimento (“Jota”); no distrito de São Gonçalo do Amarante, José Leonardo de Paula (“Juca”) e Juvercino Guimarães (“Sininho”).

15- Celebrações 

            Observando a programação das festas do passado é fácil constatar a grande importância que era dada às celebrações, fossem missas rezadas ou cantadas. A execução do hino Te Deum laudamus era uma constante. A tradição mandava que os fiéis primeiro assistissem a uma missa para só depois se divertirem. “Primeiro a devoção, depois a diversão”, prega o ditado popular.
            Em termos quantitativos as celebrações na festa de hoje são mais numerosas. Na novena há uma missa por dia, às 19 horas, em sintonia com a romaria proposta para aquele dia. No domingo maior há três missas: 8 h a “festiva”, às 9 h 30 a “das crianças” e às 16 horas a “solene”, com acompanhamento orquestral até 2007.
A bênção do Santíssimo Sacramento é realizada após a procissão. Destaca-se pela intensa vibração com os congadeiros se manifestando no canto do bendito. É certamente o momento mais participativo e harmonizado entre fiéis e celebrante.
Não obstante vivermos noutros tempos, as celebrações têm ainda grande peso na festa, sendo concorridíssimas. Há harmonia entre a parte religiosa e a folclórica, de tal sorte que formam um todo homogêneo.
Na nova ordem ocorre uma aproximação da parte folclórica às celebrações, favorecendo a integração da estrutura festiva. No passado o sistema era mais rígido e não raro os padres se posicionavam como personagens da estrutura folclórica da festa, o que não deixava de ser uma forma de estar mais perto da realidade do evento, para assim melhor se inteirarem dos fatos e controlarem o evento. Por exemplo, em 1881 um padre foi juiz na segunda-feira da festa. Um decênio adiante outro também o foi, desta feita na quarta-feira. Em 1893 houve beija-mão do novo sacerdote após a celebração de Pentecostes, denotando o respeito extremo e a submissão. Era em suma a própria transparência do poder da Igreja, que se fazia sentir nas celebrações ou fora delas.

13- Imperadores e demais devotos na celebração solene no Pentecostes de 2016. 

16- Procissões 

            Acerca das festas antigas de Matosinhos, um fato admiravelmente intrigante é o da extrema raridade das notícias de procissões. Ora, se a imprensa da época dava o maior destaque à programação religiosa; se as procissões nas festas católicas sempre foram e continuam sendo o evento mais concorrido e notável; então, como poderiam passar despercebidas aos repórteres? Creio pois, que de fato, eram raras.
            A não ser pela procissão do Imperador Perpétuo, encontrei apenas três citações na festa antiga:

-          em 1894: “Procissão do Senhor”, na segunda-feira festiva, dia que era consagrado ao Bom Jesus de Matosinhos;
-          em 1899: procissão do Bom Jesus do Perdão;
-          em 1923: procissão promovida pelos missionários, não se sabe com qual imagem.

            Em meados do século XX, com a transferência da festa do Senhor de Matosinhos para setembro, as procissões em honra ao Bom Jesus tornaram-se habituais.
            As do Divino ocorriam normalmente nos anos oitenta e noventa do século passado, antes da remodelação da festa, mas acompanhadas de um pequeno número de fiéis, quase que só dos arredores da igreja.

14 - Procissão solene do Divino, 2016, na Avenida Josué de Queiroz. 

17- Ordem pública 

            A boa ordem dos festejos era sempre decantada nos textos jornalísticos, “como prova da índole ordeira de nossa gente”, como gostavam de frisar.
            Admiravam-se da grande massa popular, de todos os níveis sociais, conglomerada na praça, em entremeio a botequins e bancas de jogos, sem que houvesse a menor desavença.
            Apenas em 1918 houve um problema que porventura ocorreu na festa, embora nenhuma relação direta tivesse com ela: assassinato.
            Abusos da autoridade policial foram coibidos em 1923 [37]:

O Dr. Archimedes Camisão, delegado de policia, pede nos que declaremos que agirá com o maximo rigor contra encarregados do policiamento que, no cumprimento dos seus deveres, praticarem qualquer acto reprovavel, como tambem estará sempre no local dos festejos, para executar as medidas que achar convincentes, no interesse da ordem publica.

            Nos tempos atuais a boa ordem continua prevalecendo. Os festeiros, bastante precavidos, oficiam solicitando apoio policial para toda a festa. Um problema que se agravou e atingiu Matosinhos o ano todo, com ou sem festa, foi a situação caótica da praça, diante dos trailers, com recorrentes problemas de brigas e tiroteios. O “ambiente” ali, estava péssimo, sobretudo nos fins de semana à noite. Felizmente sua remoção no fim de 2008 trouxe uma nova perspectiva. Coincidência ou não, é fato que na festa seguinte o movimento de fiéis foi extraordinariamente intenso a ponto de ser difícil andar na praça de tanta gente que havia. Os defensores dos trailers diziam que sua retirada fracassaria com as festas locais por falta de público, que vinha atraído por eles. Era porém um público de má qualidade e completamente alheio ao jubileu. Creio que a resposta foi ao contrário: o fim daquela desordem trouxe de volta as famílias antes temerosas de participarem.

15- Aspecto do largo em festa. 2012. 

18- Império 

            Também chamados triatos entre os açorianos. No Arquipélago dos Açores são construções em alvenaria, à guisa de capelinhas, forma que chegou ao sul do Brasil. É por assim dizer o palácio do imperador.
            Nosso império é simples. Sua montagem se processa ao lado da gruta do Divino. É uma armação semelhante a uma tenda, a princípio de madeira, coberta de vistosas toalhas de brocado e hoje em barraca de armação plástica. Há velas acesas, bandeiras, bandeirolas, jarras de flores, pinturas no asfalto de figurações religiosas. O local é cuidadosamente varrido ainda na madrugada. O cruzeiro é lavado para se tirar a poeira. Os meio-fios são caiados. Um tapete forra o chão sob os pés do imperador e uma passadeira de carpete serve de guia até ele. Ladeando está o andor do Rosário, florido ao extremo.
Toda a montagem e ornamentação locais são de custo e responsabilidade da Comissão de Festas da Gruta do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário, totalmente independente da Comissão Organizadora da Festa do Divino Espírito Santo, de Matosinhos. São parceiras e a comissão da gruta presta inestimável ajuda. A imagem do Rosário aqui citada pertence à gruta.
Ano a ano nota-se a tendência a cortar da gruta esta parte nas comemorações, sob a justificativa de estar noutra paróquia (São Francisco de Assis) e pela distância do santuário, complicando os horários de retorno ao santuário.

19- Alvorada 

        É um tanto sacrificada, verdade seja dita, em razão do frio desta quadra do ano, com forte neblina e orvalho intenso nas primeiras horas da manhã.
        É um alerta barulhento à população, um despertador. Acorda os devotos para que venham à igreja festejar. Eis um sentido prático. Há, porém, outro, da religiosidade popular, como primeira saudação no dia maior, aos santos e entidades envolvidas no festejo, à guisa de abertura, trazendo as forças sagradas para o bom andamento das comemorações. É o começo do dia mais importante e o que começa bem tende a terminar bem. Daí o êxito pretendido pela alvorada. No mais, na concepção espiritualista, tão arraigada no seio popular, as seis horas é uma hora aberta, consagrada a Oxalá (o mais iluminado dos orixás), o horário limite entre a noite e o dia, entre as trevas e a luz.
          Desde a primeira festa que nesse horário ocorrem os toques festivos de sinos e o foguetório na igreja.
          Em 1998 foi convidada uma corporação musical para tocar na alvorada no adro e fazer marchas pela praça e avenida principal. A banda compareceu mas a experiência não foi considerada positiva e na falta de possibilidade de concretizá-la adequadamente, a ideia foi abolida.
      A partir de 1999 foi introduzido o toque das caixas por dois ou quatro caixeiros conforme a disponibilidade, precedidos pela bandeira do Divino. Nesse ano compareceram às 5 horas e 30 minutos à porta do imperador, batendo seus ritmos próprios, saudando-lhe com tambores. Da residência do imperador foram a igreja, onde suas batidas foram ouvidas às 6 horas. Finda esta, visitaram casas de festeiros mais próximos.
       No ano seguinte só houve batidos na igreja.
       Nos subsequentes os toques começaram às 5 horas e 30 minutos na gruta; 5 horas e 45 minutos na Santa Clara; 6 horas na igreja; 6 horas e 15 minutos a 6 horas e 45 minutos na residência do imperador, não visitando outros festeiros. Originalmente havia mais toque que canto, num batido específico de alvorada. A tendência desde 2010 é a aumentar a cantoria sob influência dos congados e diminuir a rigidez do protocolo de horários e visitas, simplificando este evento.  
       Resta dizer que na igreja, uma vez pedida a licença na porta central adentram até o altar, onde tocam e cantam e saindo, vãos aos mastros. Rodeando-os e fazem saracoteios e gingados ao ritmo das batidas.

16-  Caixeiros em alvorada na porta do santuário, às 06 horas. 03/06/2017. 

20- Folias 

            As folias do Divino são grupos folclóricos herdados de Portugal, constituídos à semelhança das folias de Reis, com cantadores/tocadores, com viola, violão, cavaquinho, sanfona, caixa, triângulo, pandeiro, xique-xique e eventualmente outros instrumentos. Não tem o personagem mascarado chamado palhaço, bastião ou marungo, comum nas folias de Reis e folias de São Sebastião. O uniforme é apenas a padronização da cor da camisa, no geral vermelha ou branca, calça comum do dia-a-dia, chapéu de palha enfeitado com uma fita vermelha ao redor da copa e pendente para trás, e uma flor.
São peditórios e itinerantes. Ao chegar a uma casa cantam dando boa noite; pedem para acender a luz, abrir a porta, receber a bandeira (objeto sagrado, com a pintura do Paráclito); solicitam donativos, agradecem, retomam a bandeira, despedem-se e vão para outra casa. Se porventura ganharem um lanche, almoço ou jantar há um intervalo para a alimentação antes de sair da casa e de praxe se agradece cantando.
Narra LAURENTIAUX (1979) que sua origem histórica é pagã. Na Grécia antiga havia as festas propiciatórias para acabar com a fome, chamadas “bufonias”. Abatiam-se animais considerados sagrados e distribuía-se a carne. Os abatedores de bois eram os “bufonos”, donde veio, bufão (bobo da corte, que faz folia, alegria, brincadeira). O evento ocorria entre comes-e-bebes e músicas. Para este autor aí estaria a raiz da folia do Divino. Da Grécia a tradição teria se difundido pela Europa passando por adaptações. Se enraizou na Península Ibérica. Chegou muitas vezes ao inconveniente dos excessos, gerando sanções por parte das autoridades eclesiásticas e civis. Informa ainda este autor, que “os bailes e folias foram interditos pela primeira vez dentro das igrejas pelo Bispo Dom Frei Jorge de Santiago, em 1558”.
Trazida para o Brasil em época incerta, possivelmente junto com as festas do Espírito Santo, essas folias se espalharam pelo território nacional, assumindo cores locais, desde o Amapá ao Rio Grande do Sul e do Mato Grosso ao Espírito Santo. É ausente ou no mínimo raríssima no sertão nordestino, sendo contudo conhecida no Piauí (com o nome de “bandeira do Divino”) e no Maranhão (chamadas “caixeiras do Divino” – folia feminina).
ABREU (1999) estudou a festa do Divino no Rio de Janeiro oitocentista. Atestou de forma abundante acerca da popularidade de suas folias, que esmolavam para quatro festas do Espírito Santo: Largo da Lapa (do Desterro), Campo de Santana (hoje Praça da República), Largo do Estácio e Largo de Santa Rita. Com franca participação de negros sua música promovida pelos barbeiros era sobretudo com instrumentos de sopro. Não tardou a encontrar resistência, pois a bandeira levada pelos irmãos de opa era beijada por todos, de senhores a escravos e o costume foi dado como imoral e anti-higiênico.
Na imensidão territorial do país formaram-se variedades regionais, como as próprias caixeiras do Divino podem ser assim consideradas, e ainda, a folia do Divino Pai Eterno, presente por exemplo em Uberaba/MG, abordada por FONTOURA, CELLULARE & CANASSA (1997), ou ainda, os foliões da divindade, tradição maranhense de virem tocar no cemitério, no dia de finados, contratadas pelos familiares para cantar junto à sepultura de um ente querido.
             Pelo interior mais ermo, as folias do Divino fazem ou faziam sua jornada de visita às fazendas, sítios e povoados a cavalo. Isto contudo vai se tornando cada vez mais raro. Nas áreas onde um rio ou o mar tem grande importância sócio-econômica ou como via de transporte, as folias andam embarcadas em canoas, igarités, batelões. Isto é especialmente notório na área amazônica, sendo a via fluvial a possível para se alcançar os habitantes ribeirinhos. Não é raro nessas ocasiões que uma folia angarie óbolos rio acima e outra rio abaixo. Neste caso um dos eventos centrais da festa é o encontro das bandeiras das duas folias, cruzando-se os dois barcos, contendo foliões e irmandade específica, no trecho do rio bem fronteiro à cidade. Chama-se “encontro das canoas” a esta espécie de procissão fluvial ou às vezes, marítima, como ocorre em Marataízes/ES, onde o evento alcançou tal importância, que a festa do Divino nesta cidade é conhecida por “Festa das Canoas”.
O mais comum porém é os foliões andarem à pé, como ocorre por aqui.
As folias sofreram alterações intensas ao longo dos anos. Gravuras do século XIX ilustram-nas em geral tocando instrumentos de sopro (aerofones), com a bandeira exposta ao ósculo devoto. Numa salva de prata recolhiam os óbolos. Hoje praticamente não persiste em uso o instrumento de sopro nas folias.
Outra mudança averiguada é que outrora havia folias contratadas, recebendo os foliões um salário fixo. Neste caso as folias profissionais se justificavam, porque elas percorriam as zonas rurais durante quase o ano todo, diariamente. A folia só parava durante uns três meses, quando os participantes cuidavam de roças de subsistência e criações. Os estudos de ARAÚJO (1964) acerca deste fato são conclusivos.
Ainda nesse aspecto há notícias pelo próprio autor das “bandeiras escoteiras”, assim chamadas as que andavam desacompanhadas de folia mas com o mesmo objetivo. Conferiu a elas uma situação de decadência da folia, como seu último vestígio.
Contudo bem antes de sua pesquisa elas já existiam lado a lado com as folias verdadeiras e sob a mesma situação contratual. O excedente ao combinado ficava para o “bandeirante-esmoleiro”, como nos dá conta OLIVEIRA (1907) num texto memorialístico que evoca o período aproximado do fim da escravidão, na região de serra-acima, no Rio de Janeiro, junto à divisa paulista, dizendo que na verdade a maioria das bandeiras tinham procedência da área de São Paulo. Eis um trecho esclarecedor:

Ocorria quasi sempre, porém, que os festeiros desses logares alugassem as bandeiras a terceiros (isto, aliás, era ignorado pelas beatas e pela crendice dos pais de familia), os quaes sahiam em longo percurso, ás vezes de um anno e mais, depois de haverem préviamente entrado com a quota ajustada para a festa, como simples exploração mercantil (p. 8).
           
No que pese as expressões discriminatórias, geradas no contexto histórico-social daquela época, vale relatar também seu depoimento sobre a popularidade das folias:

Ninguem hoje avalia quanto reboliço despertava nas moradias ruraes o apparecer das bandeiras. Cada qual dos sitiantes da redondeza percorrida pelos foliões timbrava mais em lhes dar almoço, jantar e gazalho, na doce e crente esperança de ser feliz com a visita do Espirito Santo. Frangos e bacorinhos, immolados em cruento sacrificio pagavam a honra de taes visitas. Paralyzava nas roças o proprio labor agricola, afim de que os camaradas e os pretos pudessem beijar a effigie do Santo na bandeira e concorrer tambem com suas esmolas. Creoulas de beiçarra vermelha constituiam a rabadilha obrigatoria do moçame roceiro nesses dias fugazes de sincera devoção e intima alegria (p. 9).

É esse grupo folclórico que, em visita às casas de diferentes bairros e à zona rural, leva primeiro a mensagem de fé envolvendo o Paráclito. Além dessa função evangelizadora há a de anunciar a festa, pois sempre convidam os anfitriões a participarem dela com suas famílias, avisando-os dos seus dias. Ainda uma terceira função é a de recolher donativos, esmolas voluntárias e sem valor estipulado, que convertem para a organização da festa. Uma quarta tarefa, que é a mais especificamente considerada pelos moradores que são visitados é a distribuição de bênçãos aos anfitriões. Consideram que a folia com sua bandeira sagrada traz alegria para a família, saúde, fartura, afasta males materiais e espirituais, firma as criações, abençoa os plantios. Pode favorecer a concessão de graças específicas, que os devotos com fé pedem à bandeira. Uma quinta atribuição pode ainda ser encontrada, que é a lúdica (muito embora a folia seja religiosa), para os participantes e os que são visitados, é uma ocasião de se divertir, confraternizar, alegrar – tudo respeitosamente – pois a folia é sagrada. Assim é extremamente funcional a folia do Divino.
Aqui em São João del-Rei, as folias dão prioridade à jornada em seus próprios bairros e imediações, embora visitem também as casas dos participantes mesmo que morem longe, e ainda, a convite ou de surpresa, qualquer casa, no bairro que seja, além de mais eventualmente irem à zona rural. Nisto há um aspecto diverso de outrora, quando as folias eram mais rurais que urbanas, atestam muitos estudiosos. O êxodo rural teve seu peso neste processo de transferência. Aqui mesmo, entrevistando os foliões é fácil certificar sua origem direta no campo ou pelo menos de seus ascendentes.
Em outras regiões quando as festas ao Paráclito ocorrem noutros períodos que não o de Pentecostes, a folia sai em outras épocas independentes do ciclo do Divino. Não raro de acordo com o calendário agrícola, averiguando os tempos da safra e entressafra. Na beira-mar respeita os tempos pesqueiros.
Tradicionalmente ligada à cultura caipira, cada vez mais fadada às intensas mudanças sociais, a folia do Divino quando não desapareceu de muitas regiões donde era típica, tornou-se rara. Aqui eram conhecidas, mas passaram por longa fase de sumiço. Identifiquei pela oralidade cinco grupos a muito extintos:

-          do mestre “Geraldo Teixeira” (Geraldo Marcelino da Silva), do povoado do Brumado de Cima, década de 1960, constituída por promessa. Faleceu em 2005;
-          do mestre “Antônio Bom-bom”, da vila de São Gonçalo do Amarante;
-          do mestre “Zé Franguinho”, do povoado do Caxambu;
-          do mestre “Geraldão”, do bairro Senhor dos Montes;
-          do mestre Joaquim Sebastião Vale, da Rua José Valentim, do bairro Alto das Mercês.

Decerto outras existiram. Embora se saiba por força da tradição que estivessem ligadas às festas do Divino, não encontrei nenhuma notícia concreta de sua existência na festa antiga, pelas fontes da imprensa são-joanense. Isto não quer dizer que estavam ausentes da festividade de outrora. Também é constatação que em alguns lugares há folia do Divino sem nunca ter havido festa do Divino.
Quando a festa foi retomada em 1998, as folias foram reintroduzidas através do incentivo moral aos foliões de Reis e de São Sebastião, que ainda estavam ativos na cidade, a se adaptarem para a nova função, recebendo cada qual uma bandeira e orientações. Tiveram total liberdade de criação de seus versos e de adaptação musical, desenvolvendo assim seu saber e criatividade. Houve é claro, a princípio, dificuldade e mesmo resistência de alguns, sendo livres para aceitarem ou não. Consolidaram-se cinco grupos e surgiram também outros, que contudo não tiveram continuidade (vide tabela de folias do Divino).
Nos dois primeiros anos de atividade esbarraram na incompreensão de muitos moradores, que não concebiam folia naquela época do ano, afeitos que eram às folias natalinas. Foi preciso que a comissão de festeiros fizesse amplo trabalho de conscientização junto à população com palestras, esclarecimentos em programas radiofônicos, fitas de vídeo, matérias de jornais, informativos e mesmo no boca-a-boca e anúncios de missas. A própria festa em si é o esclarecimento mais eloquente possível. O resultado foi tão positivo que no sétimo e no oitavo ano de experiência, as folias não davam conta de atender a todos os pedidos de visita que recebiam. Os foliões a princípio temerosos hoje se sentem valorizados. Frise-se que tais folias não são recriações estéticas. Sua autenticidade é clara. E não vai nenhuma discriminação nesta frase.
O trabalho das folias do Divino é notório. Por cinqüenta dias elas divulgam a festa, saindo à noite nos dias de semana, após os foliões terem trabalhado o dia todo e em geral, de dia, nos fins de semana. Sua contribuição para o êxito da festa é fundamental.
Na véspera de Pentecostes participam tocando na procissão do Imperador Perpétuo. Na procissão de 2004 anotei essa quadra, que bem demonstra o entrosamento que os foliões atingiram com a festa [38]: “Nossa Senhora da Lapa / Enfeitada no andor / Já vem na procissão / Santo Antônio Imperador!”
            Chegando a Matosinhos é servido lanche às folias e celebra-se a missa, finda a qual  reúnem-se todas no coreto, para o chamado encontro das bandeiras. Mais  propriamente é uma apresentação consecutiva de cada folia. Em 2000 e 2002 participou na abertura o grupo “Frutos do Rosário” [39]com a festiva entrada de vinte bandeiras do Divino no coreto, onde se apresentaram. A seguir cada folia teve a sua vez de nele cantar seus versos laudatórios, de saudação, de agradecimentos e de despedidas. É o fim de sua missão anual. A entrega ou arremate, como dizem.
O encontro é fraterno e pacífico, com total ausência de rivalidade entre os grupos. É sabido que outrora quando duas folias (de quaisquer santos que fossem) se encontravam, tramava-se um ritual próprio, com o cruzamento das bandeiras e cantos de porfia, onde cada mestre, querendo demonstrar seu saber, punha à prova o conhecimento do rival, com uma série de perguntas cantadas acerca do seu fundamento religioso, que o outro tinha por sua vez de responder também em cantoria. Ganhava a disputa aquele que mais sabia e cabia-lhe por direito reter a bandeira da folia perdedora e em alguns casos, até mesmo a esmola recolhida, os instrumentos e uniformes quando havia. A folia perdedora só reaveria os pertences no outro ano, na nova jornada, se o mestre já mais instruído (ou um substituto capaz), conseguisse provar que agora sabia aquilo que lhe motivou a queda.
            Desta maneira havia entre as folias um processo de seleção natural, de controle de qualidade. Ocorre que havia outra faceta: nem sempre a derrota era bem aceita como justa, de sorte que tais encontros redundavam em sérias desavenças, brigas de fato. Por isto, houve época, que as folias precisavam de licença policial, tirada previamente junto ao delegado, para sair às ruas. Há casos narrados por antigos foliões, de folias inteiras que foram para a cadeia, onde todos os instrumentos e a bandeira ficaram retidos, enquanto durou o inquérito.
            No mais o número de folias diminuiu drasticamente, tornando-se raros os encontros ocasionais. As mudanças sociais fizeram com que um mestre dependesse de favores de outro, através da seção de instrumentos, empréstimos de folieiros, etc. O processo evoluiu. O pensamento enfim, mudou. Hoje, felizmente, de forma mais cristã, tais encontros são pacíficos e confraternizadores.
            O encontro das bandeiras é o ponto alto de muitas festas do Divino no Brasil, seja por terra, seja embarcado, em via fluvial ou marítima. É o encontro dos jornadeiros, que em nome do sagrado difundiram devoção, bênção, alegria e trouxeram de diferentes partes do município, algumas recônditas, ofertas de fiéis para a fartura do festejo.
             Após a última folia em alguns anos iniciais houve um breve número avulso de calango. É uma modalidade musical, poética e coreográfica, muito arraigada ao nosso interior, já hoje rarefeita, mas que ainda faz a assistência se agitar, muitos rindo dos versos de fundo humorístico. Enfim, resta dizer, que a platéia é surpreendente, tanto em número, como em atenção e variedade.
              Por fim resta dizer que por vezes essas folias se apresentam fora da festa e haveriam muitos exemplos a dar mas basta por oras lembrar da folia do Geraldo Elói que em 2009, próximo ao Corpus Christi doou uma imagem do Divino que receberam de oferta em sua jornada pelo Bichinho para a Capela do Bonfim, no Morro da Forca. A folia da Caieira no mesmo ano, esteve no dia 20 de junho no aniversário de 80 anos do folião sr. Mário Calçavara no Fé, onde houve uma missa campal celebrada pelo salesiano Pe. Jaime Teixeira e grande festa a seguir; a mesma, esteve na outra semana na Festa de Nossa Senhora do Livramento, em Prados, uma concorrida romaria.

17- Folia dos Gaiteiros, Folha Larga (Prados), 2009, se apresentando no coreto.
Foto: Sebastião Machado Gomes (Jacó) / Acervo: Comissão do Divino. 

21 – Congados 

Desconheço registros da presença de congados na antiga festa do Divino. Sabe-se que sua festa sempre foi a do Rosário, desde os tempos coloniais. Na sociedade escravocrata, era vedado aos negros se integrarem à festas dos brancos. Sendo os congados de forte influência da cultura afro-brasileira, fica claro porque não participavam das festas do Espírito Santo, que como se sabe tem procedência européia.
Esse separatismo não poderia prevalecer. Por isso, quando se idealizou introduzir os congados, sob o acordo de todos os festeiros de então, a partir do jubileu de 1998, não houve resistência. 
            A ideia inicial não era que eles simplesmente fossem uma apresentação, uma atração a se exibir para o público, mas sim que de fato se integrasse à estrutura festiva. Para tanto foi tomado por empréstimo das festas do Rosário, elementos festivos que pudessem favorecer essa integração, tais como levantamentos de mastros pelos congadeiros (noutras festas do Divino Brasil afora habitualmente os fiéis o erguem ao som de banda de música), reinado e seu ritual, a própria devoção a Nossa Senhora do Rosário, que é em suma a padroeira de todos os congados.
            Mais tarde houve divergência no sentido dessa aproximação, julgando alguns que estivesse acontecendo uma descaracterização da Festa do Divino pela aproximação com o Rosário, ou ao menos que a história da festividade em Matosinhos não estivesse sendo seguida. Superada essa fase, a estrutura do jubileu continuou a mesma, apenas se enfocando mais a partir de então a devoção a Nossa Senhora da Lapa em detrimento da invocação do Rosário.
            Os congados se adaptaram à festa. Criaram cantos próprios, que não se ouve noutras festividades de que participam. Por exemplo, veja-se essas coletas no jubileu de 2004:

Imperador!
Eu vim te visitar! – bis
(Cap.Wilson da Costa, Matosinhos, SJDR)


Abriu a porta do céu
Olha, eu vim lá de Lavras
Eu avistei um andor,
Pra poder cantar,
Do Divino Espírito Santo
E dou meus parabéns
E Santo Antônio Imperador.
Ao Dom Valdemar, aêh!
(Cap. Raimundo Camilo, Bairro São Dimas, SJDR)
(Cap. Walter Barbosa, Lavras)


Êh, beija-flor,

                   O Papa Pio VI

Mariposa do jardim,
Lá de Roma autorizou,
Vou pedir para o Divino
Louvar o Espírito Santo
Pra tomar conta de mim!
Cantando em seu louvor!
(Cap. Moacir Santana, Bairro São Dimas, SJDR)
(Cap. Luís Maurício, Passa Tempo)

            De fato o congado se tornou sem dúvidas a maior atração da festa. Não dá para imaginá-la hoje sem eles. No dia maior eles estão presentes aos momentos mais relevantes, enriquecendo-os. Em parte esta situação se deve à “propaganda” desta manifestação em detrimento de outras ao longo do tempo. Como exemplo, no outdoor de 2008 a palavra “congado” aparece, mas folia não; no folderdesse mesmo ano, também não aparece folia, mas congado está escrito quatro vezes. Essa disparidade corriqueira contribuiu para uma supervalorização do congado no festejo enquanto as folias tem uma presença bem mais apagada, o que é um lapso claro, posto que a folia do Divino simbolicamente é muito mais representativa da festa que o congado.

18- Congados chegam com o Imperador para a missa solene. 2011.
Foto: José Murilo de Carvalho / Acervo: Comissão do Divino. 

22- Cavaleiro do Divino 

É um marchante solitário, a cavalo, que carrega um estandarte do Divino, tipo auriflama. Não usa uniforme específico, senão a roupa do dia-a-dia e o chapéu à cabeça.
            Faz uma jornada de visitas, primeiro à zona rural. Passa pelas estradas vicinais, trilhas, caminhos, transpõe córregos, pontes, mata-burros, porteiras, ladeia os muros de pedras, as matas, os currais, sítios, fazendas, povoados, transpõe a Serra do Lenheiro, visita capelas e cruzeiros. Sempre em toada que não maltrata a cavalgadura e tendo em punho, respeitosamente o estandarte do Espírito Santo. Traz consigo um alforje, onde leva programas e informativos da festa, que vai distribuindo pelas vendas do caminho, aos devotos que encontra ou visita e assim divulga a festividade. Oferta o estandarte para os fiéis o beijarem e passarem nas dependências do lar, levando a acreditada bênção do Paráclito, para aquela propriedade. Recolhe donativos ofertados, em dinheiro ou em prendas, cada qual anotada rigorosamente em um caderno próprio, a cada ano vistoriado pelo tesoureiro. Não é função primordial do cavaleiro recolher ofertas, mas secundária, coletando as que voluntariamente são ofertadas pelos fiéis, como de praxe fazem às bandeiras de qualquer santo visitante.
            O cavaleiro é aquele que, assim como as folias, e durante o seu mesmo período de atividade, prepara o espírito popular para a chegada do jubileu, abre seus caminhos, leva aquela devoção, convida os fiéis.
O povo habituou ao ver a sua figura, a dizer que a festa está chegando. Perguntam-lhe qual a data, se vai ser boa, quantos congados vem. Muitos choram ao ver o estandarte e de joelhos e em lágrimas fazem preces e pedidos. Testemunho a seriedade autêntica e a fé firme com que Damião Guimarães encarnou este papel de 1999 a 2003. Não houve substituto. Ressalto que esse trabalho era voluntário, encarado como missão sagrada pelo cavaleiro. Ele é o proprietário do animal e do arreio.
            A propósito, encontro na obra de CÔRTES (1987) uma referência a um cavaleiro com semelhante função na redução jesuítica de São Miguel, em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. A diferença é o objetivo central de atrair chuva, que acreditam esteja no poder da bandeira do Divino conduzida a cavalo. Tão logo caia água do céu fazem a festa de agradecimento.

19- Cavaleiro do Divino à frente da Banda de Música nas alamedas da Igreja
de São Francisco de Assis, 1999.
Fotografia: João Hipólito / Acervo: Ulisses Passarelli

23- Anúncio festivo 

            Outra forma de divulgação, já agora festiva, desenvolvia-se outrora em dia desconhecido, por uma charanga que com alegria visitava o imperador em sua residência e era por ele acolhida e aos convivas serviam algo. A citação é memorialística, divulgada em 1912 pelo jornal O Dia.
Ainda outro anúncio, do qual há várias referências antigas, procedia-se na véspera de Pentecostes, à noitinha, com uma banda de música percorrendo o centro da cidade em desfile, que terminava na praça de Matosinhos.
Sob esta inspiração é que foi estabelecido em 1999 a passeata de uma banda pelo centro histórico da cidade, tocando marchas e dobrados, tendo à testa o alferes da bandeira em sua montaria, que vai distribuindo informativos aos transeuntes. Infelizmente porém, as dificuldades em se conseguir uma corporação musical disponível para esta tarefa, não tem permitido sua realização a contento, até ser abolida.
Com base nessas notícias é que foi estabelecida em 2001 a visita dos caixeiros à casa do imperador, na Quinta-feira da Ascensão, quarenta dias após a Paixão de Jesus, relembrando a sua subida ao céu. Segundo a bíblia, Jesus prometeu aos apóstolos, que Deus enviaria o Espírito Santo para consolá-los e orientá-los, mas isto só seria possível, se primeiro Ele subisse ao Pai. Assim se cumpriu e dez dias após a Ascensão do Messias, o Divino surgiu no cenáculo, inaugurando por assim dizer a Igreja. Eis portanto que a Ascensão é uma data importante para o fundamento religioso das comemorações de Pentecostes, pois representa o cumprimento sagrado de uma promessa de Cristo, que abriu caminho para uma revelação do Paráclito, mais concreta e próxima dos fiéis. Infelizmente porém a Igreja achou por bem transferir a comemoração deste evento sagrado da quinta para o domingo imediatamente após. Data artificial.
            Às 18 horas um grupo, com quatro tocadores de caixas, visita o imperador coroado em sua residência, tendo à frente um quinto homem, com a bandeira do Paráclito. Depois se acrescentaram dois guarda-coroa, munidos de espada, ladeando a bandeira. Todos vestem-se de branco, com colete e casquete vermelhos, com debruns de sinhaninhas douradas e botões da mesma cor. Feitas as saudações e vênias de praxe, são recepcionados e se cumprimentam, confraternizando-se. O imperador oferta um lanche.
            A visita dos caixeiros tem um valor simbólico grande. Funciona como anúncio da proximidade iminente do jubileu; age como uma vênia à autoridade imperial; faz abertura dos rituais da religiosidade popular em preparação ao dia maior; age como oportunidade de confraternização. Dentro da residência do imperador, após o toque, são feitas preces coletivas por várias intenções, tais como: pelo imperador coroado, pelo que foi eleito para substituí-lo, por todos os festeiros, pelos colaboradores e voluntários, pelos sacerdotes, pelos patrocinadores, pelos anjos da guarda, pelo êxito do festejo, etc.
Concluída a visita, saem à rua, rumo à matriz para a missa das 19 horas, que é por intenção dos imperadores. Levam o imperador à igreja e à sua porta encontram-se com o imperador eleito, que assumirá o cargo no Pentecostes. Cumprimentam-se e assim todos entram pela igreja, sempre tocando e cantando pontos congadeiros. O imperador coroado deposita sobre o altar as insígnias que traz à mão. Ali estarão durante a missa. As caixas são depositadas abaixo do nicho onde está a imagem do Divino.
Assentam-se todos e assistem à celebração.
Terminada a missa, retomam os toques. A imagem do Divino é descida de seu nicho e levada para o altar-mor, onde a fixam aos pés do padroeiro. Ali ficará durante toda a novena, que se inicia no dia seguinte.
            A transferência da imagem do Divino de seu nicho (onde passou o ano inteiro de forma bastante despercebida) para o altar-mor, aos pés do Bom Jesus, tem neste dia um valor simbólico e sagrado muito acentuado, relembrando o encontro no céu de Cristo que “subia” com o Espírito Santo, que haveria de “descer” pouco depois. A imagem se destaca, com as fitas pendentes para que o devoto possa beijá-las e com elas se persignar. Ela se torna central, venerada. Seu nicho agora vazio recebe a imagem de Santo Antônio, o Imperador Perpétuo, que aí estará no decurso da novena. O imperador conduz a imagem ao altar-mor[40].
Um representante da Comissão do Divino vem ao microfone e convida os fiéis para a festa, bem como, aproveita o ensejo para agradecer aos que estão ajudando e ainda repassa a programação. Finda a tarefa todos se dispersam.
A partir de 2005 o congado local somou-se aos caixeiros a nível do salão comunitário de Santa Clara e praticamente os absorveu descaracterizando a parte final do ritual.

24- Novena 

            É de praxe católica, que as festas mais destacadas não se resumam ao dia festivo, mas que se façam preceder de alguns dias de preces preparatórias especiais: três dias (tríduo), cinco (quinquena), sete (setenário), nove (novena) ou treze dias (trezena). A novena é sem dúvidas a mais comum. A do Divino começa sempre numa sexta-feira, após a missa das 19 horas. Seria mais lógico um setenário, abordando cada dia um dom.
            Até 2002 se processava dividida em duas partes: os seis primeiros dias eram desenvolvidos de forma descentralizada, como “reflexões comunitárias”. Cada uma das vinte e duas comunidades promovia em seus salões ou locais convencionais de reunião, as preces e reflexões, cantos e outras atividades, de acordo com o tema determinado pela Igreja, dividido em sub-temas, um para cada dia, seguindo porém o fio condutor proposto. O êxito dependia assim do esforço dos noveneiros e no geral a freqüência de fiéis era absolutamente aquém do mínimo satisfatório. Os três dias restantes rezavam na matriz, o que se chamava “tríduo preparatório”.
            O fim das reflexões comunitárias não foi total. Foi antes uma transferência. As comunidades agora não refletem o tema da festa em suas sedes, mas na matriz, em conjunto, sendo que, a coordenação litúrgica, cuida de organizar a entrada de cada uma delas, a cada dia, tendo elas a liberdade de criação para melhor evangelizar, dentro da diretriz temática. A mudança foi sem dúvidas positiva.
            Durante a novena o fiel tem ocasião de orar pelo bem da festa que se aproxima, cantar os hinos tradicionais, receber bênçãos e por assim dizer entrar no clima festivo, que já se faz presente, nos toques de sinos, nos enfeites da igreja.
Concluída a parte litúrgica, no adro ou na praça, reúnem-se jubilosos a conversar, reencontram-se velhos conhecidos, come-se algo nas barracas, assistem-se aos shows que os festeiros programam para cada noite.

25- Cavalgada 

            Ainda na função anunciatória/preparatória, precede à festa em um domingo, a cavalgada do Divino. Está portanto contida no período da novena. 
A cavalgada do Divino foi estabelecida na festa de 1998 e passou por várias experiências até se firmar. Naquele ano foi realizada na véspera do dia maior, à tarde; no ano seguinte, ainda à tarde, no sábado da semana anterior a Pentecostes. O trajeto excessivamente longo, tomando vários morros fortes – esforçando as montarias - o número de cavaleiros e amazonas ao redor de duzentos ou mais, sob difícil controle, trazendo brigas, acidentes e grande número de bêbados, turmas sobre charretes e carroças, descontrolando a ordem das filas, foram constatações óbvias. As opiniões dos festeiros se dividiram energicamente, entre a extinção da cavalgada até mantê-la tal como estava e ainda adaptá-la. Reinou o bom senso de novas experiências. A partir de 2000 foi passada para um domingo antes de Pentecostes, pela manhã (menos calor, menos tempo para bebedeiras), redução drástica do trajeto somente às vias principais da cidade e desde que planas, policiamento com batedores em motocicletas, reordenação da coordenação da cavalgada, registro dos participantes em livro próprio, simplificação das regras, contudo melhor aplicação, redução da divulgação do evento para diminuir o número de participantes assim alcançar controle mais fácil, combate rigoroso ao uso de álcool. Com isto os problemas reduziram na ordem 70% ou mais e os participantes ao redor de 40-60 pessoas. O tempo gasto para o percurso, em torno de quatro horas ou mais, foi reduzido para duas.
            Corre sob o comando de um coordenador, com o auxílio de um vice. Cabem-lhes organizar a cavalgada e arregimentar participantes. Marcham em fila dupla e paralela, tendo como abre-alas um carro de som, que vai tocando músicas correlatas e entre elas um locutor anuncia a festa. Logo atrás e ao centro vem o coordenador, carregando um estandarte do Divino. Ladeando-o vem os ponteiros, cada um com uma bandeira do Divino. Em 2005 as bandeiras foram substituídas pelos guiões, mais leves e de mesmo valor religioso. Os ponteiros encabeçam as filas. Com posição livre, surge o mantena ou mantenedor, que circula pondo ordem nas filas. Não está presente todos os anos por falta de quem possa ocupar o cargo, um tanto espinhoso. Personagem abandonado.
Esta cavalgada tem caráter religioso. Na saída o padre dá uma bênção. É rezada uma oração conjunta antes da partida e lido o regulamento pelo microfone, onde se admoesta contra o álcool e a favor da boa ordem, respeito religioso, respeito aos coordenadores e não maltratar os animais. Não é peditória, embora o coordenador possa recolher esmolas doadas, ainda que sejam eventuais e espontâneas.
A Gruta do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário é ponto de parada breve para oração, onde sempre há enfeites, fogos de artifício e um altar armado ao ar livre com imagens e insígnias. Além da gruta, alguns moradores costumam enfeitar a frente das casas em pontos estratégicos, armando também pequenos altares.
 Sua função de anúncio é sem dúvidas efetiva. É constatação clara que a procura dos fiéis por cartazes e informativos aumenta consideravelmente após a cavalgada, não só pela proximidade da festa mas também porque os fiéis declaram estar procurando porque viram a cavalgada passando e assim souberam da chegada do jubileu.
Resta por fim dizer que os festeiros programam para cada ano uma camiseta de malha para a cavalgada: vermelha, com detalhes brancos nas mangas e gola, tendo escritos “Jubileu do Divino” “Paróquia de Matosinhos”, “III Cavalgada do Divino” ou algo do tipo, e ainda uma estampa do Espírito Santo, impressa pela técnica de silk-screen. Em certos anos a limitação orçamentária não permite a confecção desse uniforme. 
            Em 2008 e 2009 ampliou um pouco o trajeto e o número de participantes mas a boa ordem não saiu do controle.

26 – Mastros
            A tradição dos mastros votivos atuais se perde na distância do tempo e está calcada em diferentes fontes etnográficas. Segundo CASCUDO (s.d.):

É reminiscência da chantação do lábaro, vexilo de comando, as insígnias de soberania, que ficavam diante da tenda do general. Todos os povos do Mediterrâneo usaram esse cerimonial, assim como egípcios, persas, assírios. Onde estava o lábaro ou o vexilo estava o chefe. Depois as bandeiras substituíram os símbolos de bronze.

            Outros tipos se conjugaram. O “poste central” por exemplo é um pau lenheiro fincado no centro de algumas tabas indígenas ou de barracões de candomblé ou ainda de terreiros de umbanda, “mastro do terreiro”, em torno do qual dançam, cantam, suplicam. Pode ser um simples mourão. O mesmo autor supra esclarece que tal mastro é ...

uma égide evocadora da perdida unidade telúrica do mundo, passando a representar a imagem da firmeza, da sustentação, do equilíbrio, e, decorrentemente, signo de soberania, domínio, força disciplinadora.

            Uma variante é o “pai tempo” [41], que por aqui se finca diante das casas mais humildes ou defronte aos templos de prática de religião afro-brasileira (terreiros, tendas, cabanas, choupanas, centros, barracões). É um pau ou bambu fincado na vertical tendo ao topo uma simples bandeira branca, sem qualquer atavio ou estampa de santo. Carreia as forças do tempo, da natureza, às quais está entregue, sob o sol, chuva, vento, luar, sereno, geada, neblina, tempestades. Não tem época certa nem para ser fincado, nem para ser descido, valendo a intuição ou a mensagem espiritual reveladora.
Há ainda outro modelo, herdado da “árvore de maio”, proveniente de antigos cultos pagãos, favorecedores da fecundidade, das plantações, criações e pessoas, extremamente arraigado na Europa, de onde o brasileiro herdou o costume. Aquele continente, sito no hemisfério norte, tem em maio a estação da primavera (outono aqui no hemisfério sul), ocasião na qual o aquecimento gradativo, provoca o degelo da neve e assim, expõe a vegetação, que fora queimada pelo frio, desfolhada pelo outono. O calor vital do sol  promove a rebrota das árvores, o nascimento de folhas e flores. O mato que parecia morto renasce do gelo. O fato é simbolicamente equiparado a uma ressurreição, a uma vida nova. Comemorando-o, os campônios preparavam uma árvore determinada, desgalhando-a em parte e enfeitando-a de flores, penduricalhos, comestíveis, objetos fálicos, fitas. Em torno dela festejavam, com danças, cantos, rituais, comes-e-bebes. Desse hábito, depois cristianizado, veio por exemplo a dança-das-fitas, equivalendo o pau enfeitado em torno do qual dançam à árvore de maio, que bem se poderia dizer, árvore da vida. Convencionou-se chamar a isto fitolatria (adoração dos vegetais) – embora na realidade, nem sempre fosse caso literal de se endeusar uma planta.
            No Brasil há mastros juninos muito parecidos à dita árvore, devido aos seus enfeites florais, ramagens, frutas, alimentos, atados ao pau. Há mesmo uma árvore inteira, cortada no mato, arrastada e fincada adrede no local da festa, prendendo-se nela os tais adereços. Um costume do vale médio são-franciscano é fazer ao seu redor uma fogueira. As brasas vão consumindo a base e ao tombar a árvore ao chão, a criançada afoita acorre a ela para arrancar das folhagens os brinquedos e comidas ali amarrados.
            Esta tradição alcançou os mastros do Divino, como ocorre na área amazônica até o Maranhão, quando eles recebem os enfeites vegetais, cachos de coquinhos, bananas, abacaxis, garrafas de bebidas, tudo preso à sua madeira, tendo no topo a bandeira do Paráclito. O ato da sua descida é muito diferente do que aqui se processa: cada mordomo da festa dá uma machadada até derrubar o mastro, que tão logo cai, em meio a assuada dos presentes, é de imediato despido de tudo quanto nele está fixado, cada um pegando algo para si, naturalmente tido por bento. Tirada a bandeira, o mastro é a seguir atirado na corrente do rio.
            Considera-se que os mastros que conservam estes enfeites vegetais, tenham elementos vestigiais da antiga fitolatria. Reminiscência coletiva inconsciente.
            O que parece ter sido informação excessiva ou fora de propósito é uma tentativa modesta, de compreender diferentes costumes que se confluíram, para junto ao catolicismo popular, formar o folclore dos mastros votivos do Brasil. Tudo isso se uniu, assim como regatos se juntam para formar um ribeirão, de tal sorte que já não se sabe se a água veio de tal ou qual fonte.
Obviamente muitas crenças a este respeito, ficaram e persistem encobertas, em razão de fatores discriminatórios e mesmo de perseguições. A religião dominante não permitiria sua prática e exposição no passado e ficou na tradição tê-las veladas.
Obedecem ainda a regionalismos.
            O buraco dos mastros, aberto à força de cavadeiras no chão, puxa as forças da terra, sobretudo negativas, ligadas à morte, à doença, à desgraça. Os corpos se decompõe na terra. Aí são feitos via de regra os pedidos maléficos. A parte aérea do mastro puxa forças superiores, benéficas, dos santos, guias, orixás – cuja força paira, como uma bruma invisível para os olhos insensíveis ou incrédulos, logo acima das bandeiras e quadros, daí sempre o congadeiro vir bater a testa no mastro para receber sua parcela destas bênçãos. Esta é a crença mais ou menos padronizada, embora concepções particulares possam divergir do exposto. Por estas razões o congadeiro como o devoto em geral, tem pelo mastro profundo respeito e vem junto a ele, num misto de saudação e busca de forças, com gestos comuns e outros subjetivos, com vênias e cumprimentos, por vezes expansões votivas bem individualizadas, manifestar a sua fé e a sua esperança. Bandeiras, espadas, bastões, manguaras, tamborins e mais instrumentos, tocados no mastro, saúdam-lhe, pedem licença aos protetores e buscam forças.
            Cada capitão ao fincar seu mastro deixa-o aos cuidados de um guardião espiritual, cuja identidade é inconfessável, por motivos de segurança própria. Há um temor de que o inimigo, físico ou o imaterial faça-lhe mal ou ao seu congado. O tal guardião é que defende. Se for desconhecido melhor, pois não se sabe com quais armas espirituais luta.
Ano após ano não se deve trocar o lugar de fincá-lo pois ele “cria raiz” no lugar de costume. Deve-se manter o local da primeira fincação. Por isto os congadeiros reprovaram a mudança dos mastros para a frente da igreja numa ocasião e no ano subseqüente retornaram para o lugar de sempre. Sobreveio naquele ano de mudança uma forte ventania repentina na tarde, sem que houvesse qualquer sinal de tempestade a não ser exatamente na praça. Choveu um pouco e parou, na hora da missa solene. O fenômeno curioso foi dado como aviso e dito que, não fosse o vento para limpar o ambiente, algum festeiro morreria antes da próxima festa (*). Lembraram daquele ponto de Oxossi: “Choveu de relampiar, mas mesmo assim o céu estava azul...” (etc.) O vento foi de tal ordem que abalou o mastro do Divino, inclinando-o e danificando o quadro. O quadro ou bandeira do mastro também não deve ser mudado só por interesses estéticos. Pode-se mudar os enfeites, mas não o registro (estampa) a não ser por grande necessidade.
O mastro deve evocar o antigo, o ancestral. Dizem que o certo antes de cortá-lo e se preparar com jejum, abstinência sexual e alcoólica, rezar muito junto à árvore escolhida, acender uma vela próximo a ela enquanto é cortada, não fazer algazarra, não falar palavrões ou qualquer xingamento, não cuspir no local. O respeito deve ser máximo. Ferramentas devem ser manuais em vez de elétricas, tanto as de corte quanto as de furo, dentre tantos outros detalhes que variam de lugar a lugar e conforme a formação religiosa da pessoa. Está claro que estas regras já não são mais observadas na maioria das situações.
            Nesse contexto de crenças, o aspecto do mastro extrapola o mundo dos encarnados e a festa ganha também um cunho sobrenatural, muito mais forte que se supõe. É uma verdadeira luta do bem contra o mal, nada superficial, onde o mastro é o centro desse campo de batalha. Capta energias. É uma espécie de para-raio da festa e sem dúvida é o seu elo ecumênico. Quando vai ser descido, se está difícil demais de sair do buraco, acredita-se num perigo iminente de demanda.
            Um detalhe importante é o tempo de permanência diante do templo. A tradição das festas do Rosário é o mastro ser fincado uma semana antes e ser descido ao fim do dia maior ou uma semana depois. Há a variante de uma quinzena antes e outra após, como ocorre na vila do Rio das Mortes e no povoado da Canela, distritos são-joanenses. Em certos lugares porém, finca-se cedo e baixa-se à noite do dia principal, como ocorre com os mastros secundários na festa do Divino, que cada guarda de congado finca ao chegar à igreja, rodeando os mastros centrais. Mastros juninos são erguidos no dia da Invenção da Santa Cruz (3 de maio) ou na véspera de Santo Antônio (12 de junho) e deixados todo o mês de junho ou até o limite de 26 de julho (dia de Santana) – tradicionalmente ocasião da última fogueira por aqui. Locais há, em diferentes festas, que fica fincado o ano inteiro e só no outro ano é descido para dar lugar ao novo.
            O mastro do Divino está sempre ao centro e é o mais alto, indicando ser o principal. Ao seu lado está o do imperador perpétuo. Ao redor estão os demais, dos santos patronos de cada congado e outros quadros/bandeiras, que os festeiros emprestam aos ternos visitantes, que porventura não trouxeram os seus.
            A madeira dos mastros do jubileu é o eucalipto (mais fácil de ser obtido e trabalhado), meião, com cerca de seis metros, tendo porém quase o dobro o do Divino. Ainda verde é descascado (após ser marretado para descolar as cascas, elas são puxadas), furado a broca no centro do extremo mais fino para encaixe da “grimpa”, haste de ferro de construção (vergalhão), que ali é fincado para servir de ponteira de encaixe para o quadro do santo ou para amarrio da bandeira. Ambos extremos são encastoados com arame para a madeira não rachar enquanto seca. Todos são pintados de branco com a grimpa vermelha. Fitilho vermelho é enrolado em espiral ao longo dos mastros principais. Em torno dos secundários, são postos três anéis do mesmo material próximo à ponta. Outro padrão de uso mais recente é o de duas espirais em cada mastro, de sentidos inversos. Ultimamente surgiu uma divergência: o uso do fitilho azul
O branco e o vermelho são as cores votivas do Espírito Santo, relembrando respectivamente a pomba alva e a língua de fogo rubra, formas de aparição do Paráclito (Consolador / Advogado). São as cores dominantes em todos os enfeites da festa, no uniforme dos festeiros e demais fardamentos dos personagens [42]. Por outro lado, na espiritualidade afro-brasileira, o branco é a cor neutra, cabível para todas as forças sagradas e o vermelho a cor guerreira, combativa, da força vital, por analogia com a cor do sangue. Aliás, sangue é vida. É a cor dos santos mártires.

20- Ritos em torno do buraco do mastro, 2015. 

27 - Missa inculturada 

As missas seguem em geral à forma litúrgica dita romana. Aquelas que excepcionalmente tem outra orientação cultural, embora com o mesmo arcabouço litúrgico, chamam-se inculturadas, ainda que habitualmente sejam chamadas aculturadas.
As duas palavras podem ser entendidas em sinonímia, em consonância à lição gentilmente prestada pelo professor Abgar Tirado, que desta missa tem sido locutor sacro em Matosinhos. Esclareceu-me pessoalmente (01/06/2008), que o “a” de “aculturado(a), vem do latim “ad” e portanto não tem o sentido excludente do “a” grego, que até aqui eu supunha fosse o caso, este sim com sentido de negação. Embora que o “in” também latino, possa em algumas palavras contextualmente assumir caráter de exclusão, em ambos os casos, os radicais apontam a inclusão de uma vertente cultural na cerimônia católica.
Os dicionários contudo registram o termo aculturação desta forma:

Conjunto de fenômenos resultantes do intercâmbio, direto e contínuo, de grupos de indivíduos pertencentes a culturas diferentes (AULETE).
*  *  *
Contato entre culturas ou sociedades e o efeito de uma ou umas sobre a outra ou outras (LAROUSSE).

Por outro lado a palavra inculturação não encontrei dicionarizada, senão como “incultura” e “inculto”, com o sentido de sem cultura, sem instrução (AULETE, FERREIRA).
Devido a essas controvérsias melhor seria dizer-se aculturada mas neste livro adotei o termo mais corriqueiro, inculturada.
Com base na cultura e religiões afro-brasileiras, tem-se a Missa Conga (com a participação de congados, reis e rainhas) e a Missa Afro (com grupos para-folclóricos), ambas inculturadas. Tem sido feita a tentativa lamentável de abolir o termo “Missa Afro”, em detrimento de “Missa Inculturada”, embora seja mais específico.
Existem outras missas também “inculturadas”, que não são afro nem congas, já que se baseiam em outros referenciais religiosos/culturais: Missa dos Vaqueiros, Missa Campeira, Missa dos Violeiros, Missa Reiseira. Friso portanto que a missa inculturada aqui realizada é uma afro, já que nem todas o são.
Nessa celebração segue-se aos passos gerais da missa convencional, mas as características do conjunto são diferentes daquelas do rito romano. Busca uma aproximação à cultura tradicional afro-brasileira, almejando seus valores referencias, a epopéia da raça negra, suas concepções religiosas e seu folclore. Não assim, didaticamente separados, mas unidos, não como negros, mas como povo de Deus, povo brasileiro, cidadãos, num intercâmbio cultural-religioso. O professor Antônio Gaio Sobrinho teceu sábias palavras sobre esta celebração, que enaltece as virtudes e a fé dos afro-descendentes [43].
Nos trajes, estão os abadás, panos-da-costa, eketés à cabeça, colares e guias ao pescoço, rosários. A animação musical é feita com atabaques e agogô, como na senzala, como no terreiro. Algumas referências da umbanda e sobretudo do candomblé estão ecumenicamente presentes.
As entradas são sempre dançantes, com muita música e cantos evocadores, sob o agito de bandeiras desfraldadas.
A entrada da bíblia é uma festa à parte, precedida a Palavra de Deus, de tochas feitas de gomos de bambu. Crianças jogam flores e varrem o caminho com vassouras de capim.
O ofertório, além das convencionais galheta, âmbola, cálice e patena, tem a seguir, a entrada do grupo todo, levando ao altar suas ofertas: enxada, caldeirão, cana, café, pipoca, milho, broa, biscoito, alecrim, manjericão, rapadura, bilha d’água, esteira – símbolos do trabalho da terra, alimentos, remédios, ervas sagradas, arrancadas com o suor e ofertadas como primícias. A Comissão do Divino participava nesta hora da seguinte forma: o imperador eleito à dianteira levando um lírio branco, em homenagem a São José (o lírio é sua flor votiva, símbolo da pureza); o coroado tendo à mão as insígnias argênteas; os demais, com bandeiras e estandartes pentecostais. Ultimamente a participação tem sido mudada de forma a cada ano.
            Destaca-se muito a ação de graças, ao término da celebração, quando, sob cantos, os membros do Grupo Raízes, distribuem livremente aos fiéis os alimentos que foram abençoados ao pé do altar e todos acorrem para provar.
Como lição religiosa prática é um exemplo cristão do ato de dividir, do compartilhar, com alegria, satisfação e fraternidade. Eis a mensagem final desta celebração, que em tudo demonstra quanto é negativo o racismo e a discriminação. Valoriza o negro. Combate toda forma de sua exclusão na sociedade.
            A experiência do Grupo Raízes, aliada à dedicação de seus membros, a constante criatividade e grande dinâmica, faz com que cada missa dessas seja diferente da outra. Some-se isto às mudanças de celebrantes e concelebrantes, cada um imprimindo sua marca pessoal ao momento. A existência de uma pastoral específica na diocese e a celebração por seu próprio coordenador fortaleceu os objetivos desta missa. Vale ainda frisar a recente participação dos estudantes africanos da Universidade Federal de São João del-Rei.
A transmissão dos ideais cristãos num aspecto colorido, alegre e musical, faz esta missa ser muito concorrida e esperada.
A investigação mais detalhada vai porém além do mero assistir, ano a ano, rezar e opinar. Revela em respeito a essa missa nuances mais complexas e por vezes tensivas dentro da sociedade são-joanense, com um passado fortemente escravocrata e herdeira do barroco; por conseguinte, conservadora. Ainda mesmo que Matosinhos esteja fora desse núcleo barroco, mas dentro de uma cidade barroca; ainda que sua igreja primitiva tenha dado lugar a uma modernista; ainda que seu pároco tenha uma competente postura amadurecida e de vanguarda, ainda assim, esta celebração não esteve isenta de poréns desde que implantada em 2000 [44].
            Se a festa antiga vetava ao negro não a presença, mas a participação efetiva, o envolvimento direto, a atual felizmente evoluiu e não resta dúvidas, o afro-descendente conquistou o seu lugar, como imperador, como festeiro na igualdade da mesa de reuniões, com a presença ativa dentro dos congados, folias e nesta missa. Sua auto-afirmação se faz notar por todos esses meios, mas é sem dúvidas mais forte no congado. É fato recorrente a pouca freqüência de negros assistindo esta missa ao passo que se lota o santuário de brancos, aparentemente mais por curiosidade que por devoção. O Grupo Raízes vem trabalhando incansavelmente nos aspectos da conscientização, o que é de colheita lenta. Mas ainda um outro aspecto frustrante se revela na quase total ausência de congadeiros das cinco guardas da cidade dentro do próprio grupo, embora indiretamente envolvidos, haja vista sua relação na festa do Rosário no Bairro São Geraldo. Já por isto uma lebre levantada é da missa conga futuramente substituir a afro, ou existirem ambas, sendo a conga no domingo, ideia que de outro lado é rebatida pela vertente que teme a presença de elementos dos festejos do Rosário dentro da festa do Divino, julgando-os descaracterizadores para este contexto.
Seja como for, é de se observar que os festeiros têm difundido esta missa como uma grande atração para a festa, tanto que é possível rastrear sem grandes esforços a sua massiva divulgação, superando a de outros eventos da festa o que é sem dúvidas questionável. Não por ser inculturada mas porque implica em juízo de valor da própria comissão organizadora sobre os ítens da festa que ela mesma organiza. Ora, o outdoor de 2008 por exemplo, listou-a expressamente, mas não se referiu ao levantamento dos mastros que ocorreu no dia anterior, evento folclórico de significado religioso muito mais significativo para os rituais da cultura popular que esta missa. As folias igualmente, que trabalham durante quase dois meses em favor da festa e revertem-lhe não só dinheiro vivo como também efetiva divulgação, estiveram sistematicamente fora de anúncio no out-door, folder e cartaz desse ano, embora surgindo no informativo. A missa inculturada não faltou a nenhum desses veículos midiáticos. Não se trata de fato isolado. Esta queixa não é particular, embora eu a corrobore como responsável por uma das folias da cidade, mas sim de alguns folieiros que notaram a ausência de propaganda das folias. Portanto esta observação não tem absolutamente nada a ver com racismo e discriminação. Pelo contrário. As folias é que têm sido discriminadas. É apenas o querer e o necessitar de pé de igualdade entre os múltiplos eventos ou instantes que compõem o todo festivo.
Não obstante, os já citados aspectos positivos desta celebração, ela tem gerado controvérsias que partem de setores conservadores do catolicismo na cidade, julgando-a desrespeitosa ao altar ou por demais teatral. Vai ainda pelos mesmos uma dose crítica ao figurino que se prende mais aos modelos iorubás, enquanto os bantos que foram os africanos dominantes nesta região toda foram suplantados como referência cultural.
  
21 - Oferendas alimentares durante a missa inculturada. 2009.
Fotografia: Sebastião Machado Gomes (Jacó) / Acervo: Comissão do Divino

28- Cortejo 

A festa comporta dois cortejos constituídos pelos congados. Pela manhã há um mais simples que segue do santuário ao Salão Comunitário de Santo Antônio, onde estão reis, rainhas, príncipes e princesas e ainda os juízes honorários – de manto, de vara, de ramalhete. Os congados ali vão a fim de recolher os membros do reinado e do juizado e os escoltam de volta ao Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Os grupos participantes não têm ordem específica no cortejo a não ser pelo respeito à retaguarda que pertence aos moçambiques. A não observação desse aspecto em 2009 carreou situações tensivas.
O segundo cortejo, dito imperial, é o mais pomposo e sem dúvidas o mais importante, saindo do santuário rumo à Gruta do Divino, onde está o imperador junto ao império. Saúdam-lhe e o levam para Matosinhos.
A ordem do cortejo imperial, montado pelos capitães-meirinhos e meirinhos obedece, ou busca obedecer, dentro das possibilidades do bom senso, à hierarquia estabelecida entre a irmandade congadeira. Na dianteira vão as chamadas “guardas de córte”, que são aquelas que percutem bastões ou manguaras - o bate-paus e o vilão, respectivamente, que são como um pelotão que abre o caminho - seguindo-se para trás os marujos, caboclos, catupés, congos e moçambiques, nesta ordem. Na concepção do dançante, quanto mais na retaguarda, mais importante é o papel que tem a guarda no contexto da tradição sagrada. Em São João del-Rei, por razões incontornáveis, tem sido aberta exceção de pôr na guia do cortejo um catupé da cidade.
            Assim se forma o cortejo imperial, em alguns lugares chamado procissão da coroa: na dianteira o cruciferário (irmão do Santíssimo), seguido dos guarda-coroa com espadas cruzadas, os congados na ordem já relatada, guarda de honra e pajens, o imperador no quadro, sob a umbela, andor de Nossa Senhora do Rosário sob a escolta dos irmãos com suas lanternas, mais um par de guarda-coroa com suas espadas fechando.
            Tem-se um cuidado extremado em conservar a harmonia do cortejo - o que não é fácil – evitando-se espaços grandes entre os congados o que na concepção religiosa indica uma quebra da corrente de forças, como se houvesse rebentado um rosário. Para tal deve haver um profundo desdobramento de atividade dos meirinhos e capitães-meirinhos.
            Da gruta sai o imperador coroado com sua escolta e o andor do Rosário. Na passagem pelo Salão Comunitário de Santa Clara ingressa o imperador eleito.
            O cortejo em si é o que há de mais alegre e colorido nesta festa e pode-se mesmo afirmar sem dúvidas que é seu ponto de maior atração visual.
            A passagem pela Rua Bernardo Guimarães merece destaque pelo apreço que os moradores daquela via têm pelo evento, providenciando uma vistosa ornamentação.
            A chegada ao santuário é primorosa, ao som de fogos, vivas, sinos, muita cantoria e toques. Adentram e entregam o imperador junto ao altar. Desde 2007 antes da entrada os imperadores vem ao coreto onde são saudados pelos dançantes.


22- Cortejo imperial chegando ao santuário. 2014. 

29- Homenagens 

Dirigem-se às figuras de destaque no jubileu, tais como foliões, capitães, ex-imperadores, chefes de equipes de trabalho e outros. Antes de 2005 foram feitas algumas isoladamente a certas pessoas que dela fizeram jus de forma especial. Por vezes era apenas homenagem verbal ao microfone, outras vezes enriquecida pela oferta de uma bandeira, bastão, pingente representando a pomba divina, cartucho de amêndoas. A partir desse ano (inclusive) institui-se a entrega de diplomas de honra ao mérito e variando a cada festa, também, chaveiro, bandeira para folias, mini-estandarte, mini-mastro, à guisa de lembrança do evento e reconhecimento pelos esforços.
Cito à parte a condecoração “Estrela Guia do Oriente”, concedida pela Casa Santos Reis, de Rio das Flores, Estado do Rio de Janeiro, aqui representada na festa de 2002 pelo folclorista Affonso Maria Furtado da Silva, membro de sua diretoria, ao nosso folião Sebastião Teodoro da Silva.

23- Homenagem ao folião sebastião Teodoro. 2002.
Foto: autor não identificado. 

Notas e Créditos


[1] - O Diário do Comércio, n. 3654, de 06/05/1950: afirma que na festa da Trindade, em Tiradentes, após a sua novena e o domingo consagrado, no dia seguinte, seria festejado o Divino Espírito Santo.
[2] - A Pátria Mineira, n. 106, 21/05/1891. Para acesso a mais notícias sobre festa do Divino na Zona da Mata, ver: SANT’ANA, Terezinha Azis Alexandre. Viçosa: meu município. Viçosa: Universitária, 1984. p. 35-38.
[3] - Destaque hoje na cidade para a ocorrência de eventos ligados à música e de modo especial a atividade do CEREM (Centro de Referência Musicológica José Maria Neves), fundado em 21/04/2006; Conservatório Estadual de Música “Padre José Maria Xavier” (desde 1953), Sociedade de Concertos Sinfônicos (1930), Orquestra Sacra “Lira Sanjoanense” (1776), Orquestra Sacra “Ribeiro Bastos” (1790),  Faculdade de Música, da Universidade Federal de São João del-Rei (2006), além das bandas de música: Teodoro de Faria (1902), Municipal Santa Cecília (1968), Meninos de Dom Bosco (2001), do Exército – 11º B.I. Montanha (fim do séc.XIX), Sinfônica do Conservatório Estadual de Música (19/12/2007). Além dessas, existem as centenárias bandas distritais, de que são exemplo a de São Miguel do Cajuru (anterior a 1905) e a do Rio das Mortes (1895). Houve na primeira metade do século XX uma banda em São Gonçalo do Amarante. Em data  recente surgiu uma banda no arraial de Januário. Há vários corais de peso e respeitados compositores e arquivos musicais.  Em 2007 em Matosinhos surgiu um centro de formação de músicos na paróquia e no ano seguinte a banda. As cidades vizinhas de Tiradentes e Prados tem outrossim importante tradição musical, com as corporações “Ramalho” e “Lira Ceciliana”, respectivamente, ambas com orquestra e banda.
[4] - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[5] - Seus artífices foram Altivo da Paixão Chaves Berg e Nelson Domingos de Abreu. Estilo colonial. Oitavado, com escada lateral de acesso. Piso sob a forma de tablado. Cada lado é cercado por uma grade de madeira trabalhada, presa às colunas de sustentação, também oitavadas, feitas de madeira de paraju. Cúpula de lona plástica, amarela, apoiada sobre estrutura de réguas em espinha de peixe. Píncaro metálico, em cujo topo, desde 2001, esvoaça um galhardete com a efígie do Divino. Em 2003 foram acrescidas ponteiras de acabamento nas quinas superiores, junto à cúpula. Base ocultada por uma faixa de tecido americano cru. Iluminação: lustre central pendente de uma argola, confeccionado nesta cidade na Oficina do Cuim; arandelas duplas nas colunas. Área: 36 m2. Cor: branco, azul e vermelho, em tons coloniais. Apenas em 1998 foi armado fora da festa, em Itaipava / RJ. Em 2006 ganhou lona de cobertura nova, vermelha. A partir de 2008 ganhou uma escada frontal, ampla, com a retirada de uma das grades, para facilitar acesso e a saudação ao imperador pelos congados.
[6] - Cf. OURIQUE, Ana Zenaide Gomes, JACHMET, Célia Silva. Cavalhadas: uma tradição de raiz milenar. Porto Alegre: Est, 1997.
[7] - Cavalgadas profanas e cívicas não são nenhuma forma de cavalhada.
[8]  - AZZI, Riolando. A novena e a festa do Divino. Suplemento Família Cristã.
[9] - Parte das informações sobre esta dança já inclui no texto Cavalhada e Dança-dos-Velhos: folclore de Matosinhos no século XIX. O Grande Matosinhos, ASMAT,  dez. / 2000. Ano 2, n. 14.
[10]  - Cf.: PASSARELLI, Ulisses. Contradança. Revista da Comissão Mineira de Folclore, Belo Horizonte, ag. / 2002. n. 23. p. 15-22.
[11]  - Na região de Estrela do Oeste/MG, a contradança sai às ruas portando uma bandeira com efígie do santo protetor e ganha ares de congado. Executam também a dança das fitas.
[12] - Havia liteiras carregadas nos ombros por escravos e as conduzidas por cavalos arreeados. Veja-se este anúncio acerca do segundo tipo: “Vende-se uma boa liteira arreiada com arreios novos e magnificos. Quem pretender, informe-se nesta redacção”. (O Resistente, n. 14, 26/06/1895.).
[13] - Arauto de Minas, n. 12, 26/05/1877.
[14] - O Resistente, n. 55, 30/05/1896.
[15] - Extraído de Acção Social, 11/06/1916 e aproveitado em sua tese.
[16] - A Tribuna, n. 474, 27/05/1923.
[17]  - A Tribuna, n. 472, 13/05/1923.
[18]  - A Tribuna, n. 455, 14/01/1923.
[19]  - A Tribuna, n. 461, 25/02/1923.
[20]  - A Bigorna, n. 1, 08/03/1923 
[21]  - A Tribuna, n. 472, 13/05/1923.
[22]  - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[23]  - A Tribuna, n. 473, 20/05/1923.
[24]  - A Tribuna, n. 474, 27/05/1923.
[25] - Extraída em 2003 de um quadro afixado na parede do vão lateral direito do Santuário da Santíssima Trindade, debaixo da escada que dá acesso à sua imagem. Há também fotos históricas dos romeiros e ainda do mutirão, com vários carros-de-boi, levado a efeito durante a construção da murada do templo, de 13 de junho a 9 de outubro de 1933. Para maiores detalhes sobre este jubileu irmão do são-joanense ver: MAIA, Pedro A., Padre. Peregrinos da Santíssima Trindade. São Paulo: Loyola, 1986.
[26] - O Jubileu do Sr. Bom Jesus de Matosinhos de 2009 teve a visita da imagem da Santíssima Trindade de Tiradentes. Como retribuição o Jubileu da Santíssima Trindade de Tiradentes do ano seguinte contou com a presença da imagem do Senhor de Matosinhos, com o aval das respectivas autoridades eclesiásticas e neste último caso, sob a incumbência dos festeiros do Divino.
[27] - Por exemplo, na festa do Rosário de Mocambeiro/MG (1997), entre tantos personagens havia o “rei do império”.
[28] - A Tribuna, 09/05/1915. Consta também a imperatriz (Emília Moreira Marques), presidente, secretário, síndico e procurador
[29] - Cf.: Arauto de Minas, n. 12, 26/05/1877. A nota crítica traz o título “Até os  mortos!” e seu autor se esconde sob o pseudônimo “Zé Inglez”. Prossegue com outras frases de ironia.
[30]  - A Tribuna, n. 464, 18/03/1923.
[31] - Capitão Luís Maurício, moçambique “Nossa Senhora Aparecida”, Passa Tempo//MG.
[32] - Natural de Conceição da Barra de Minas, faleceu em janeiro de 2003. Foi fundador e presidente da Conferência de Santo André, sediada na Igreja de São Judas Tadeu.
[33] - NUNES, Lélia Pereira da Silva.  A Festa do Espírito Santo em Santa Catarina: notícia de uma tradição. XI Congresso Brasileiro de Folclore, Goiânia, 19-22/10/2004. Anais. Comissão Nacional de Folclore / Comissão Goiana de Folclore, 2004. 577 p. p. 515-518.
[34] - S.João del-Rei, n.6, 04/03/1899.
[35] - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923 e n. 472, 13/05/1923, respectivamente.
[36]  - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[37]  - A Tribuna, n. 473, 20/05/1923.
[38] - Mestre-folião Geraldo Domingos Resende, o “Didinho”, do Bom Pastor.
[39] - Este grupo, ativo entre 2000 e 2002, tinha características semelhantes às do Grupo Raízes da Terra. Era organizado por Márcia Aparecida Lopes, no Bairro São Dimas, que também mantinha, concomitantemente um grupo de moçambique bate-paus, infantil e feminino.
[40] - Agora o nicho fica vazio pois a imagem de Santo Antônio permanece o ano todo na sala da Comissão do Divino.
[41] - Pai tempo: a palavra tempo pode ser aqui entendida de dois modos: a) as forças naturais, físicas, metereológicas, carreadas da atmosfera, do espaço sideral ao dito mastro, pela força das entidades que aí trabalham no âmbito espiritual (coletivamente chamadas “forças do tempo”); b) uma referência específica à entidade superior chamada Tempo ou Tempô, um inquice dos terreiros de nação angola-congo e dos candomblés de caboclo, nos quais também é chamado “Encantado do Juremeiro”. Corresponde ao orixá Iroko (nação nagô) e ao vodum Lôko (nação jeje). No sincretismo configura-se com São Francisco de Assis ou segundo outras fontes com São Benedito. Seu domínio é a árvore morácea Ficus pohliana, popularmente conhecida por figueira-brava, gameleira e mata-pau.
[42] - O detalhes, debruns, frisos, são com freqüência dourados ou prateados, cores que evocam o ouro e a prata, riquezas condizentes com a ideia de monarquia, realeza, senhorio, fidalguia – império... do Divino.
[43] - Cf. Jornal da ASAP, São João del-Rei, n. 73, maio/jun.2007.
[44]  - Embora o Grupo Raízes participasse desde 1998, dançando apenas no adro. Em 2007 a celebração teve o professor Antônio Gaio Sobrinho como comentarista. Desde o ano anterior houve transmissão televisiva, que trouxe grande repercussão, intensificando as questões teóricas a seu respeito já que muita gente que nunca a tinha assistido ao vivo passou a vê-la no sofá de casa.


* Anos depois, os mastros foram mudados de novo de lugar, desta feita em posicionamento de triângulo, na dianteira da igreja, à esquerda de quem entra pela porta principal, a contra-gosto dos congadeiros que lançaram seu augúrio. O fato foi dado como supersticioso. Ocorre que foram fincados na sexta, início da novena, e na terça-feira seguinte, um dos festeiros sentiu-se mal, foi socorrido mas não resistiu. Sua morte consternou a todos, pessoa queridíssima que era e o restante da festa correu sem graça, lutuosa. O fato obviamente foi dado como coincidência, mas o fato é que só reforçou a crença que mastro não se muda de lugar.
**Texto: Ulisses Passarelli.
*** Fotografias: Ulisses Passarelli: 2, 10, 12; Iago C.S. Passarelli: 1, 4, 5, 6, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 20, 22. Demais fotografias de outras autorias indicadas nas respectivas legendas.
**** Sobre mastros ver também a apresentação de slides Mastros Votivos
***** Para informações sobre as fontes de pesquisa acessar a postagem:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

****** Texto revisto, com novas fotografias inseridas em 30/03/2018

Um comentário:

  1. mercia m. r. longhi3 de junho de 2013 às 19:13

    Obrigado Ulisses,
    tenho vindo 'beber' na fonte para poder embasar melhor minhas conversas com meus alunos de agora por diante.
    Abraço.
    Mércia

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