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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Breves comentários sobre Tomé Portes del-Rei

Faço absoluta questão de ser bastante subjetivo neste tópico.

É preciso reabilitar a figura de Tomé Portes del-Rei pela importância que teve como pioneiro. Fundou o primeiro núcleo habitacional, o Porto Real da Passagem. Dali partiram as expedições que encontraram ouro em derredor. Era ali o trampolim, o QG.

Tomé era fazendeiro, profissão a que já se dedicava em sua terra natal, onde deixou rica propriedade sob os cuidados do filho. Quando recebeu em hospedagem o conterrâneo João de Siqueira Afonso, este, que não era fazendeiro, mas sim, experiente minerador, que a pouco descobrira fartura de ouro no Tripuí (entre Ouro Preto e Mariana) e no Guarapiranga (atual Piranga, na Zona da Mata), ao ver as areias ribeirinhas, notou nelas semelhança mineral com aquelas das zonas onde encontrara ouro. Deixou a Tomé Portes a referência do ribeiro que descia a serra e ali este achou o nobre metal. Daí se afirmar que foi o fundador de Tiradentes porque esse fluxo d’água é decerto o Ribeirão Santo Antônio, que corta aquela cidade.

Ora, eis aí um equívoco, que de tão repetido passou por verdade e fixou-se como tal.

João de Siqueira Afonso não poderia fundar nada, nem povoado, nem arraial, nem vila, nem cidade, porque não tinha qualquer autoridade para isso diante do rei. Era uma espécie de empreiteiro, ocupado em garimpar com sua gente aqui e ali à procura de riquezas, sem compromisso com lugar algum. Ele pode e deve ser considerado como DESCOBRIDOR do ouro tiradentino. Era enfim um garimpeiro profissional. Tomé é o FUNDADOR, pois só ele como guarda-mor tinha autoridade diante da realeza para dividir os lotes de mineração (datas), noticiar oficialmente ao governador, fundar o núcleo habitacional. Não se deve confundir os conceitos. Os dois tiveram seu papel preponderante na história mas não se pode atribuir a um o papel de outro. Descobridor é quem descobre; fundador é quem funda por ter autoridade para tal.

De forma semelhante, em São João del-Rei, concordo que Antônio Garcia da Cunha seja o fundador do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, pois que o fato se deu em 1705 e ele nessa ocasião era o guarda-mor, substituindo Tomé Portes, seu sogro, que morrera cerca de três anos antes. Ora, está claro que se ele não tivesse morrido teria sido o fundador deste arraial também. Seja como for é indubitável que Tomé fundou o núcleo primevo (Porto). Mas ninguém por aqui fala que o fundador de São João seja Lourenço da Costa ou Manoel João de Barcelos, garimpeiros que encontraram o ouro são-joanense. Eles são considerados como o que de fato são, descobridores. Fundadores, nunca.

Ora, mas em minha opinião, se é que ela tem alguma utilidade esclarecedora e com o perdão dos ilustrados pesquisadores de ontem e hoje, o fato de Antônio Garcia da Cunha ter oficialmente fundado esse outro núcleo urbano – aquele que originou a atual urbe – não lhe garante o louro da vitória. Parece-me uma figura apagada, cujo feito foi-lhe rotulado, carimbado na testa e que ninguém poderá tirar, mas também não se poderá bater palmas. Sua fundação foi obra de uma circunstância (digo, o assassinato de Tomé Portes). O trabalho, a coragem desbravadora de deixar a fartura natal para conquistar um novo espaço, inclusive trazer família para cá, então um ermo, uma terra sem lei, todo o pioneirismo, são devidos ao arrojado Tomé Portes del-Rei e não a Antônio Garcia da Cunha. O núcleo do Porto foi o foco das expedições em derredor, o cordão umbilical e por conseguinte, aqueles arraiais primitivos entre Prados e São João del-Rei, estão pelo menos e sem nenhum favor sob seu patronato. Sim, Tomé é mais que fundador, é um PATRONO. Antônio Garcia da Cunha será sempre assim como Pedro Álvares Cabral ou Cristóvão Colombo, nomes que satisfazem uma história oficial nem sempre fiel à realidade. Na corrida da história levaram o título mas não foram os primeiros.

Com muita lucidez, Geraldo Guimarães (*) ensinou:

"Deste povoado (Porto Real da Passagem), com as consecutivas descobertas de ouro no vale do Rio das Mortes, originou-se a fundação de outros, alguns de vida efêmera, como Cuiabá e Ponta do Morro, outro decadente e absorvido, como o Córrego, e os Arraiais Velho e Novo, depois as duas vilas del-Rei, São José e São João. (p.72) (...) Sem dúvida, Tomé Portes del-Rei é figura principal na história primitiva de São João del-Rei." (p.73)


Área do Porto Real da Passagem (abaixo da via férrea), com terreno irregular, 
monturos, cascalheiras, escavações, valetas... vestígios de mineração? 

No mais era comum naquela época os povoamentos surgirem num lugar e mais tarde se transferirem para outro, a exemplo da própria Tiradentes cuja primeira capela foi beirando as minas, pras bandas do ribeirão ou do Canjica; Rio das Mortes, na velha igrejinha de Nhá Chica; São Miguel do Cajuru, começado no Cajuru Velho. Quando o feto está pronto e nasce o cordão umbilical não é mais necessário. Daí citada a ordem que os moradores se mudassem do Porto para o Arraial Novo. 

Pensada a história desta forma, José Cláudio Henriques andou por retos caminhos ao afirmar que Matosinhos é berço de São João del-Rei, haja vista que vista que o Porto fica nos seus limites. É fácil depreender então que nossa primeira vocação foi agrícola, logo interrompida e substituída pela garimpagem, que foi de fato, a que deixou marcas culturais, daí concordar que somos filhos do ciclo do ouro. 

Antônio Gaio Sobrinho numa de suas sempre memoráveis palestras considerou pré-história o período anterior a formação do arraial e história o período seguinte. 

A divisão didática é excelente. Apenas particularmente levo a data para 1701, já que é a referência mais recuada que dispomos. Não é uma data qualquer, mas aquela que nomeia uma autoridade para o lugar, denotando duas épocas: uma anterior, sem uma representatividade governamental, sem poder público; de outra, a partir da qual se inicia uma administração. Assim penso, até que alguém descubra um documento mais antigo ainda. Tudo o mais que pode ter ocorrido antes, foi informal e passageiro: migrações de tribos nômades ou suas incursões de caça e reconhecimento; passagens para lá ou para cá de bandeiras; instalação das primeiras moradias, roçados e criatórios, aqui e acolá. Isso foi nossa pré-história. 


Notas e Créditos

* In: Origens Históricas de São João del-Rei. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 2006. 127p.
** Texto e foto (13/04/2014): Ulisses Passarelli

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