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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 5 de maio de 2013

Virgem da Lapa

Devoção a Nossa Senhora da Lapa em Matosinhos (*)


A história dessa invocação remonta aos tempos do Império Árabe, quando os mouros tinham domínio sobre a Península ibérica. Quem a narra é Nilza Megale:

Almansor, califa de Córdoba, invadiu a Lusitânia, devastando os campos, destruindo a ferro e fogo vilas e cidades, martirizando os cristãos e profanando a clausura das casas religiosas. Após assolar as províncias entre o Minho e o Douro, o representante de Maomé dirigiu-se no ano de 983 para Quintela, atacando e destruindo o convento das freiras beneditinas de Aguiar da Beira, que foram aprisionadas e levadas em cativeiro. Algumas religiosas que conseguiram escapar esconderam em sombria lapa situada nas proximidades uma pequena imagem de Nossa Senhora. Séculos depois, em 1498, uma menina chamada Joana, muda de nascença, encontrou a imagem e a escondeu na cesta que trazia o pão e as maçarocas que fiava. Julgando ter achado uma boneca, com ela brincava vestindo-a e cobrindo-a de folhas silvestres. Nesse inocente passatempo foi surpreendida pela mãe, que irritada lançou ao fogo a santinha. Joana, recuperando milagrosamente a fala, protestou, retirando das chamas o objeto de seus desvelos, e contou como havia encontrado a linda efígie no fundo de uma gruta, na escarpada serra de Quintela. A mãe, atônita, sentiu que seu braço direito estava paralisado e só recuperou os movimentos quando ela e a filha foram à caverna e, colocando a imagem no antigo lugar, se prostraram de joelhos aos pés da Virgem, que daí em diante se tornou conhecida pelo título de Nossa Senhora da Lapa. Devido aos estupendos milagres ali realizados, mais tarde foi construída sobre as pedras da gruta um suntuoso templo, que até os nossos dias atrai a devoção dos povos circunvizinhos.

                Consta que Joana era pastora. O rebanho de cabras e ovelhas de que tomava conta tinha por hábito pastar junto àquela gruta onde foi localizada a imagem. Seria de muito boa virtude e obediência aos pais.

                A devoção a Nossa Senhora da Lapa foi trazida ao Brasil pelos portugueses, com maior destaque para Salvador/BA (Convento de Nossa Senhora da Lapa) e Rio de Janeiro/RJ (Igreja da Lapa do Desterro e Igreja da Lapa dos Mascates ou Mercadores).

                Ao redor de São João del-Rei, além de sua presença em Matosinhos, existe uma capela (foto abaixo) de que é orago na zona rural de Entre Rios de Minas, povoação do Olho d’Água, junto ao leito do “Caminho Velho” da Estrada Real. A autorização para a sua construção foi concedida pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Frei Antônio de Guadalupe, por provisão episcopal de 07/06/1733. Foi uma capela particular, pois que VALE (1985) afirma expressamente: "Manoel Morais Coutinho possuía uma Capela de Nª.Sª.da Lapa, no Olho d'Água, aonde foi sepultada sua mulher Margarida Rodrigues, em 20.08.1737." (p.123) e ainda em outro trecho cita: "De um provimento de visita, em 1824, de D. Frei José da Santíssima Trindade: (...) 'Lapa dos Olhos d'Água, em uma Fazenda, cujo proprietário é obrigado a subministrar os guizamentos necessários ao culto.'" (p.195).

Capela de Nossa Senhora da Lapa em processo de restauração. 05/06/2009.


Capela de Nossa Senhora da Lapa, Olhos d'Água (Entre Rios de Minas/MG)
Caminho Velho da Estrada Real. 03/04/2016.
                A Virgem da Lapa, desde o começo dos festejos em Matosinhos, tinha seu dia próprio na terça-feira após Pentecostes. Sua festa era sequencial à do Divino (Domingo de Pentecostes) e a do Bom Jesus de Matosinhos (segunda-feira). Seu desenvolvimento era como o dos demais dias, como se pode conferir facilmente pela consulta aos antigos jornais da cidade: missa solene, Te Deum laudamus, música e quermesse alcançando grande popularidade.

          É uma das mais antigas devoções do bairro. Segundo consta, sua imagem existe em Matosinhos desde 1773, patrimônio doado pelo vigário Padre Dr. Matias Antônio Salgado.

Quando da reintrodução da imagem restaurada na festa, em 2003, a Comissão do Divino se empenhou muito em trabalhar a divulgação dessa devoção que já estava apagada. Graças a um trabalho consciente e de paciência, bem fundamentado, foi resgatada uma devoção perdida. Nos jornais, entrevistas, até no boca-a-boca sua devoção foi se espalhando. Foram feitos santinhos, com sua imagem estampada, contendo no verso e folhas internas, sua história, hino e oração, esta escrita por mim. O hino foi gentilmente composto em 2004 pelo professor Abgar Antônio Campos Tirado a pedido dos festeiros. Desde então, a cada ano, o imperador procede à sua coroação e alguns festeiros carregam o seu andor ao redor do altar, numa rasoura interna, sob aplausos e vivas, enquanto o Coral Coroinhas de Dom Bosco, da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar executa o referido hino, acompanhado ao teclado por seu compositor.

Coroação de Nossa Senhora da Lapa pelo Imperador José Clever de Oliveira, 
flagrada em foto por  Sebastião Machado Gomes ("Jacó") em 30/05/2009. No plano de fundo, à esquerda, o Coral Coroinhas de Dom Bosco, enquanto cantava o Hino de Nossa Senhora da Lapa.
Acervo: Comissão Organizadora da Festa do Divino. Gentilmente cedida por Antônio da Silva Serpa.

A simplicidade dessas ações, que podem parecer limitadas, deu um resultado positivo, como se vê com clareza pela popularidade desse momento da festa, francamente aclamado pelos fiéis que ainda, em fila, beijam a imagem e se persignam antes da saída da procissão e após esta concluída.

Tanto mais exitoso me parece ao ouvir alguns congados e folias lhe cantarem louvores em versos, em composições de típico improviso de seus mestres. A cultura popular demonstra seu dinamismo, absorve velhos e novos saberes e devoções, recria e cultiva sua fé.

Referência Bibliográfica

MEGALE, Nilza Botelho. 112 invocações da Virgem Maria no Brasil: história, folclore e iconografia. Petrópolis: Vozes, 1986.

VALE, Dario Cardoso. Memória Histórica de Prados. Belo Horizonte: [s.n.], 1985. 344p. + anexos. 

Notas e Créditos

* Publicado no Informativo do Jubileu do Divino Espírito Santo - Paróquia de Matosinhos, nº16, maio/2013. São João del-Rei: Comissão Organizadora da Festa do Divino. p.7. (As fotografias desta postagem não fazem parte do artigo original). 
** Texto: Ulisses Passarelli.
*** Fotografias: Capela dos Olhos d'Água, Ulisses Passarelli; coroação pelo imperador, Sebastião Machado Gomes ("Jacó").
**** Durante a Semana Santa de 1906, a Orquestra Ribeiro Bastos tocou nas cerimônias na Igreja do Pilar, além das peças de costume, uma missa e credo da Senhora da Lapa (fonte: jornal O Repórter, n.10, 08/04/1906, acervo digital (site) da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, São João del-Rei/MG).

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