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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 31 de agosto de 2013

O Jongo de Zé Camilo

   José Camilo da Silva, 1993.

     José Camilo da Silva, um ícone da cultura popular são-joanense, entre dez.1993-jan.1994, passou-me algumas cantorias de mutirão de capina de lavoura (chamado jongo de roça), cantos de trabalho ritmando as batidas da enxada. 

     Morador da Rua Bárbara Eliodora, Bairro São Dimas, São João del-Rei/MG, o informante era capitão de congado, folião de Reis e São Sebastião, jongueiro. De grande vivência rural, foi carreiro e fabricante de adobe. Faleceu em 1994, aos noventa anos, embora os comentários populares indicassem idade mais avançada. 

     Seu jongo está recheado de palavras de línguas banto, em corruptelas que dão um sabor africanizado ao seu canto: ngana (senhor), mirissungo ou vissungo (canto de trabalho), tata (grande espírito), candimba (coelho silvestre), etc. A expressão “candimba vai embora” se refere ao fim do mato na plantação: não tem mais onde o bicho se esconder. As três cantigas e um recitativo a seguir, peças de jongo de roça, são originárias da localidade de Cubango, zona rural da vizinha Resende Costa, onde o informante participou de mutirões.

*  *  *

Canto de capina:
(Mestre Jongueiro, tirador de cantos:)
(coro, em resposta, em escala de 5 a 7 vozes:)
_ Ô cumiêêê... cumiê, cumiê, cumiê!
_ Ôh... ôôô...!
Oi, orô,

Cano’ virô, qu’imbarca

Mai’ ô-erêrêrê!

Oi, erêrêrê... norungandá,

Enderêrê, qui puê!



_ Ô qui puê! Ô qui puê!
_ Ôh... ôôô...!
Candimba, arruma, va’imbora,

Candimba, arruma, va’imbora,

Candimba, arruma, va’imbora!



_Ô, imband’auê-iê!
_ Ôh... ôôô...!
Ô...

Ô, tata mu’ é tipo,

Tata mundo tubiangueni

Mirissungo Mariaziha!

Ô Mariazinha, ai, eu não...



_ Êh... êh! É tipo! Tata mundo
_Ôh... ôôô...!
Tiangueno, mirissungo, Mariazinha.

Ô Mariazinha... ai, eu não!



_ Oi, imband’auê, divera!
_Ôh... ôôô...!
Ei, divera,

Candimba, va’imbora,

Candimba, va’imbora,

Candimba, vai e vai vortá.



_ Ô cumiêêê... cumiê, cumiê, cumiê!
_Ôh... ôôô...!
Oi, orô! Cambarca mai’ôê carárauê!

Ê... nosugorá!

Imbarca Maria Catissá,

Mirissungo, êh!



_Ô... ô...
_Ôh... ôôô...!
Inband’auê, divera.

Oiôrôrô,

Ô diboroquê,

Dibambarêrê,

Imbarca Maria Catissá,

Mirissungo, êh!


Recitativo (no intervalo entre os cantos)
(Mestre Jongueiro, tirador de cantos:)
(Jongueiro desafiante:)
_ Chega a barca, barqueiro,
_ Êh...
Quero m’embarcar;
Saravá, dono de roça,
Passar pro lado de lá,
Sarava, dono de roça...
Subi no arto de montanha!

Subi no arto de montanha...

Saravá, quem é?


Término de Mutirão:
_ Ôh, candimba!
Chorei... mamãe!
Arruma a mala,
Chorei... papai!
Va’imbora,
Candimba, vai!
Ô candimba!
Candimba, vai!

Entrega da bandeira (uma planta de milho ou cana, arrancada na plantação)  ao patrão ou patroa (donos do terreno de lavoura), batendo ritmadamente uma pedra na lâmina da enxada trazida ao ombro, para efeito idiofônico, ou dançando e percutindo uma enxada na outra:
Ô, patroa!
_ Êh... ingan’auê, iê,
Toma sua bandeira, ô patroa!
_ Ôôô...
Toma sua bandeira, ô patroa!
_ Ô, carangomá, como é?
Toma sua bandeira, ô patroa!
_ Ôôô...


Ô, patrão!
_ Êh... vem de arto de montanha,
Toma sua bandeira, ô patrão!
_ Ôôô...
Toma sua bandeira, ô patrão!
_ Vem trazê requerimento pra patroa!
Toma sua bandeira, ô patrão!
_ Ôôô...

Após a entrega dos ramos ("bandeira") era servido comida e cachaça, retribuição do sitiante à benesse recebida. E no seu terreiro, então, o resto do dia, corria solto a festa, com calangos, cana-verde, catira e outras danças rurais.

*  Foto, texto e pesquisa: Ulisses Passarelli
** Para saber mais a respeito leia também:




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