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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Batina do Padre tem Dendê...

A crença popular atribuiu aos sacerdotes católicos uma força tão excepcional que ultrapassa a esfera da vida terrena para o pós morte. O santo sacrifício da missa e todos os sacramentos ministrados pelo padre são encarados nos meios folclóricos como muito abstratos e são dignos de um respeito imensurável: 

"A batina do padre tem dendê;
ai, se tem, eu quero vê!"

O canto congadeiro difundido nesta região alude à concepção geral do mistério (daí a palavra africana "dendê") que envolve o sacerdote, identificado no seu paramento típico e sagrado. Muitas vezes o padre sem a batina é tido como "sem força", posto que despido da sua veste sagrada. Dizia-me um senhor em São João del-Rei que os padres de hoje não tem a força dos antigos porque andam pelas ruas em trajes comuns, sem batina.

Em conformidade ao seu comportamento quando encarnado, fidelidade à ordenação sacerdotal, benevolência, retidão de conduta, carisma, dons, caridade e firmeza de ações, o padre goza em vida de um respeito imenso dos fiéis, que o tem como um orientador espiritual, conselheiro, chefe religioso. A alguns se atribui um valor excepcional da eficácia das preces e do poder das palavras. Uma crendice arraigada por exemplo é da "praga de padre", considerada a pior de todas pois não há quem a expurgue e ainda mais, pode ganhar força cármica, digamos assim, passando para as gerações subsequentes daquela família. Então se acredita no campo do folclore que se um padre amaldiçoar alguém, a má sorte o acompanhará doravante. A maldição pode gerar uma limitação física que acompanhará os descendentes da vítima, de forma congênita.

Sobre este aspecto negativo do comportamento de algum padre é corrente entre algumas pessoas que, se quando encarnado, um padre tiver sido ruim poderá virar depois de morrer um exu no mundo espiritual. Mas por outro lado os excepcionalmente bons podem depois de mortos se tornarem como entidades ou no mínimo operarem a intermediação de graças, tal como os santos, mesmo que oficialmente não sejam reconhecidos.

Este aspecto positivo é o preponderante na cultura popular. Eis uma notícia jornalística a respeito, coligida em São João del-Rei: “por uma graça alcançada pela alma de Frei Orlando, fará celebrar dia 28 do corrente, ás 6 horas, uma missa em ação de graças, na Igreja de S. Francisco. Iná.” (O Correio, nº2.054, 26/05/1946). Ora corre oficialmente o processo de beatificação desse frei. Mas em 1995, um pai de santo de São João del-Rei, já falecido, dizia-me que depois de dias de uma presença espiritual não identificada, enfim, numa sessão a cerca de meio século, se manifestou num jovem médium um espírito dizendo-se Frei Orlando e clamava ajuda pois sofria do outro lado por dever uma missa às almas, ou seja, foi feito o pedido e dado o valor do costume, mas a missa não foi celebrada. Uma vez que o pai de santo fez conforme seu pedido aquele espírito teve paz de seguir seu progresso espiritual e não se manifestou mais.

Em Nazareno, do túmulo do ‘Padre Heitor’, diz-se que pessoas de muita pureza e fé conseguem extrair um bálsamo miraculoso, espécie de gotas oleosas que conservam num recipiente de vidro para pingar na água de beber ou passar numa ferida.

Da mesma forma em São Miguel do Cajuru, na sepultura do Padre Afonso Miguel de Andrade. A tradição oral naquele distrito são-joanense é muito forte sobre este padre, correndo várias narrativas sobre o poder de suas preces.

Um anúncio dos classificados da Gazeta de São João del-Rei, nº648, 29/01/2011, em forma de corrente, rogava a “Frei Silvério” a graça de ter o amado para sempre _ “paixão eterna, amor infinito” _ diz expressamente.

Em São João del-Rei o túmulo do Cônego Osvaldo Lustosa, nas Mercês, é dos mais visitados da cidade, onde, segundo observação do ano 2000, se encontram muitas velas acesas, preces manuscritas em folhas extraídas de cadernos e oferendas de flores. Acreditam que seja um taumaturgo.

É corrente também uma grande devoção popular à alma de Padre Vítor (do sul de Minas Gerais, mas que se irradiam até aqui nas Vertentes) e nalguns terreiros clamam curas a Frei Rogério.

Em outras regiões do país também existem tradições populares religiosas em torno de certos padres, como se poderia citar os casos do Padre José Maria em Natal/RN e em todo o Nordeste, do Padre Cícero Romão Batista e do Frei Damião. Em Belo Horizonte o nome de relevo é Padre Eustáquio, que se irradia até aqui. A título de exemplo (não é um caso isolado), segue fotografia um velho caderno de orações (esquerda), de São João del-Rei, manuscritas e coladas, com um exemplar em destaque (direita) da prece a Padre Eustáquio datada de 1956.


Repassando a vista sobre estes relatos da religiosidade rememoramos a mensagem bíblica: "Terás, pois, o sacerdote por santo, porque ele oferece o pão de teu Deus" (Levítico, capítulo 21, versículo 8).

* Texto e foto: Ulisses Passarelli

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