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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Gambá

Símbolo do mal cheiro, personificação da catinga na cultura popular e como tal é sempre um apelido pejorativo aos indivíduos pouco higiênicos. 

Os gambás são mamíferos marsupiais (gênero Didelphis), conhecidos em outras regiões pelo nomes de sariguê, timbu, mucura, dentre outros. Tem hábitos noturnos e são em geral onívoros.  

Um jovem gambá sobre uma árvore de urucum (Bixa orellana, bixaceae).  

Muitas vezes é confundido com a jaritataca (gênero Conepatus), que pertence a outra família. Esta sim é capaz de aspergir uma substância fedorentíssima como defesa, que põe em fuga qualquer inimigo.  

No folclore, o gambá verdadeiro tem fama de ser “pinguço” e por isso para pegá-lo põe sobre os locais que frequenta uma vasilha com cachaça, na qual se embebeda, e tonto, é morto a pauladas. Por analogia as pessoas que bebem muito são pejorativamente alcunhadas de "gambás". Por chacota, também se aplica este cognome aos indivíduos de cabelo mal tratado, desgrenhado. Dizem que “a gambá” (o gambá fêmea) amamentou o Menino Jesus numa ocasião que, ainda bebê, chorava de fome, pois o leite de Nossa Senhora tinha escasseado [1]. Outra versão conta que Jesus, certa ocasião, pediu água à fêmea desse animal. Ela com muito boa vontade e presteza, correu até um riacho próximo, lavou o caneco e trouxe-o cheio de água fresca ao Senhor. Ele abençoou: "_ por todas as gerações, não terás dores no parto!" (provável alusão ao marsúpio, bolsa onde ficam os filhotes) [2]. Por estas razões dizem-lhe abençoada e já por isto figura moldada em argila em alguns presépios caipiras. 

Um pequeno gambá caminha sobre a serrapilheira da Mata do Chuveirinho, na Serra de São José,
em Santa Cruz de Minas. 02/11/2013. A natureza clama por preservação.

Num verso de calango que ouvi pelos idos de 1999 na zona rural de São João del-Rei, acompanhando ao acordeon, dizia o cantador [3]: 

Meu amigo e companheiro, 
eu agora vou cantá, 
quero que você me diga
quantas pintas tem o gambá. 

A resposta é a seguinte: 

Falou, colega!
Quantas pintas tem o gambá, 
uma por cima do rabo, 
outra em cima da pá. 

A palavra "pá" significa aqui a região da espádua. O nome advém do formato do osso omoplata (escápula). 

Motivou ainda uma cantiga popular muito antiga, conservada pela oralidade [2]:

Pega o gambá
e faz com cebola;
todo mundo está dizendo
que o gambá é das crioulas.

Uma outra versão, bem mais completa e tão velha quanto é a seguinte [1]:

O gambá é muito bom, 
mas é feito com arroz;
a Chiquinha está dizendo
que o gambá é de nós dois. 

O gambá é muito bom,
mas é feito com cebola; 
a Chiquinha está dizendo, 
que o gambá é das crioulas

O gambá é muito bom, 
mas é feito com jiló;
a Chiquinha está dizendo,
que o gambá é dela só. 

O gambá  é muito bom,
mas é feito com abóbora,
a Chiquinha está dizendo,
que ela já ficou de sobra. 

"Ficar de sobra" (ou "na sobra") é uma expressão popular que indica exclusão, ficar de fora, não ter para si, ou seja, comeram o gambá todo e não deixaram nada para a Chiquinha.

O gambá sofre injustamente com o espírito destrutivo do homem. Mal visto e antipatizado, gera uma repulsa instantânea na simples enunciação de seu nome. Uma pessoa indesejada é carimbada de "gambasófolis", termo que o povo criou, num retrato da ojeriza que recai sobre este animal didelfídeo. Por eventualmente remexer lixeiras caçando algo que comer já lhe matam a paus e pedras. Mas o que dizer das toneladas de lixo que o homem esparrama diariamente por todo o planeta? É vítima fácil do ataque de cães, das armadilhas de mundéu, do atropelamento e é morto por alguns para servir de alimento e por tantos para nada, simplesmente por se matar, julgando-o daninho e indesejável, sem se reconhecer o seu papel na cadeia biológica. 

Lamentável atropelamento de um gambá adulto na Estrada das Águas Santas (Tiradentes/MG).
18/05/2014. Muitos animais são vitimados nas estradas por imprudência dos motoristas. 

* Informantes: 
[1] - Elvira Andrade de Salles, Santa Cruz de Minas, 1996.
[2] - Aluísio dos Santos, São João del-Rei, 1995.
[3] - José Francisco Sales, São Gonçalo do Amarante, 1999.
** Texto e foto do gambá atropelado: Ulisses Passarelli
*** Demais fotografias: Iago C.S. Passarelli

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