Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Antigos Carnavais de São João del-Rei

Em São João del-Rei a tradição carnavalesca se consolidou sobre décadas de experiências. Muitos ritmistas, sambistas, figurinistas e agremiações deixaram seu legado para outras gerações. A fama do evento nesta terra cresceu e correu por regiões distantes.

Aspecto parcial do bloco "Carnaval de Antigamente", 
no Largo do Rosário, São João del-Rei, 2013.
O estudo do carnaval antigo desta cidade nos fornece dados muito interessante sobre a história desta grande festa popular e ajuda a compreender o carnaval atual, sobretudo a paixão do são-joanense pela folia momesca.

Os velhos jornais aqui editados são fartos em informações sobre o carnaval e se revelam uma fonte preciosa de pesquisas. De suas páginas sabemos do gosto pelo entrudo desde os oitocentos, um extrovertido jogo de jatos d'água entre os brincantes do momo, por meio de grandes seringas chamadas bisnagas, ou mesmo baldes e bacias; guerra de limões e laranjas de borracha ou cera, que continham perfume e estouravam ao contato com o corpo pela força do arremesso; batalhas de farinha.

Esta prática a tivemos da península ibérica. Derivado do latim introitus ("entrada", referência à chegada do período quaresmal), no Brasil e Portugal o termo é o mesmo, entrudo; já na Espanha existem variações, segundo José António Fidalgo Santa Mariña (***): entroido (Galiza), antruxu (Astúrias e Léon), antroydo (León e Cantábria), entruejo (Sanábria, Zamora).

Porém o entrudo, embora que durante um período fosse uma das maiores características do carnaval, não agradava a muitos. O velho costume foi em verdade combatido pelas autoridades. O artigo 153 do Código de Posturas de São João del-Rei, edição de 1887, proibia o entrudo e o comércio das laranjas e limões de cheiro. 

A imprensa combateu este costume: “(...) reviveu até o antigo e nunca assaz condenado entrudo, com limões de cheiro, jarros e bacias d’água.” (O Resistente, n.374, 21-23/02/1901).


No ano seguinte o jogo de molhar prosseguiu, como comprova o recorte em foto acima, cuja mordaz crítica apóia a ação policial de coibir o entrudo, mas pergunta se as mulheres também seriam presas como os homens nos casos de transgressão, deixando claro ser uma farra comum  (A Farpa, n.14, 09/02/1902).

Também nos antigos reclames comerciais pode-se rastrear o costume nos anúncios da imprensa para o carnaval: “Bisnagas de todos os tamanhos, sortimento colossal na Charutaria do Commercio. – Rua Moreira Cesar, 10. (...) Borrachinhas para limão, por atacado e varejo na Charutaria do Commercio.” (O Repórter, n.6, 26/02/1905).


O carnaval de 1907 foi bastante animado. Garante o jornal acima retratado, que "o tiroteio de confetti, bisnagas e o lança perfumes esteve fortissimo", acontecendo de forma ordeira. A banda de música do Asilo de São Francisco, que era sediado no atual prédio onde funciona o DAMAE tocou animadamente num coreto armado na esquina das ruas Moreira César e Duque de Caxias (ex-Rua Direita), nomes antigos das atuais Arthur Bernardes e Getúlio Vargas, respectivamente. O jornal em questão destacava a atuação da agremiação Dominós Fúnebres (O Repórter, n.3, 17/02/1907).

Mas como o entrudo persistisse não obstante o crescimento dos grupos organizados de desfile, houve ainda proibições e ação policial no sentido de coibir o arraigado costume: “o doutor Alvaro Correa Bastos Junior, Delegado de Policia da Comarca de S.João d’El-Rey, Minas Gerais, etc., FAZ saber, para conhecimento dos interessados, que é prohibido o jogo de entrudo, e que serão estrictamente observadas as Posturas Municipaes” (A Opinião, n.129, 15/02/1912).


Mais tarde, na década seguinte, as referências aos ataques momescos com águas, pós e objetos de cera rareiam ou desaparecem da imprensa são-joanense, muito embora outros combates tenham persistido vigorosos: "as batalhas de confettis e lança-perfumes feriram-se com galhardia e denodo" . Garante o mesmo jornal o sucesso do desfile do Clube X.P.T.O. formado por uma "rapaziada batuta". Na esquina das ruas Direita e Moreira César, o poder público municipal armou um coreto, em torno do qual o povo se juntou para ouvir a fanfarra militar (A Bigorna, n.1, 08/03/1923).


Os irreverentes redatores "Chuca-chuca & Bijuca", invocando os foliões dos blocos, ranchos e cordões da cidade, divulgaram de forma auspiciosa a esperança de um animado carnaval para o ano de 1928, que principiou com o alegre batucar de um zé pereira, velho costume da passagem do ano, promovido pelas agremiações da cidade como um anúncio do carnaval (O Penetra, n.7, 01/01/1928).


Parecem mesmo terem sido proféticas suas palavras.  O órgão de imprensa do ilustre Basílio de Magalhães dedicou uma primeira página inteira ao carnaval daquele ano, detalhando as atividades. Na enumeração das agremiações descreveu a ordem do desfile de cada uma. O Clube X, "veterana sociedade carnavalesca", tinha um ar mais aristocrático e se destacava pela pompa e organização; os ranchos, União das Flores, Custa mas Vai, Qualquer nome Serve e Boi Gordo, desfilaram com o estandarte como abre-alas, seguidos de fanfarra de clarins, diretoria a cavalo ou num carro próprio, conjuntos de pastoras, carros alegóricos, banda de música; os blocos, mais livres em sua estrutura de desfile, marcaram a tradição com o Preto e Branco, "constituído de elementos representativos de nosso escol social", o Bloco da Interrogação foi organizado pela família  do comerciante Aniceto Antunes, que "saiu em caminhão muito chic, entoando belas canções". O Bloco do Oh! esteve sob o comando de Ivan de Andrade Reis. Os Turunas, emplumados à moda indígena, tradição muito arraigada aos carnavais antigos da cidade, sob a direção de Eduardo Cancio, "alcançou um successo digno de applausos." Desfilaram também o Bloco do Zero, o Bloco do Eu Suponho e Bloco da Cruz Vermelha (A Tribuna, n.912, 26/02/1928).


Esse mesmo jornal, quatro anos mais tarde, trazia impresso acima do próprio nome uma convocação que garantia ser o carnaval de São João del-Rei o melhor do estado (A Tribuna, n.1.103, 10.01.1932).


Em 1934 o número de ranchos aumentou com a chegada do Pierrot Brasileiro, que convidou o sr. João Pereira, diretor jornalístico do órgão de imprensa que o noticiou, para o cargo de orador oficial do grupo (A Sentinella, n.2, 14/10/1934).

Por esta época não se falava em escolas de samba. Seu estabelecimento por aqui foi bem mais tarde, a grosso modo, coincidindo com o fim, primeiro, dos cordões, depois, dos ranchos. Mas isto é outra história...

Notas e Créditos

* Textos e fotos: Ulisses Passarelli
** Fonte da pesquisa jornalística: acervo digital da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, São João del-Rei/MG.
*** In: FERREIRA, Hélder (org.). Máscara ibérica. Porto: Caixotom, 2006. v.1.

2 comentários:

  1. Pesquisa preciosa, que traz ao público, em detalhes, a história dos antigos carnavais de SJDR.
    Parabéns! Grande abraço. Emilio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito grato. Ficou satisfeito desta página ser útil. Sua visita sempre me alegra. Com um abraço cordial, Ulisses.

      Excluir