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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Terra de Jesus

Em São João del-Rei, em plena zona urbana, três velhas igrejas setecentistas foram erigidas como que nos vértices de um triângulo imaginário, consagradas ao Senhor Bom Jesus, sob diferentes invocações: numa colina ao sul, aquela singela capelinha branca, dedicada ao Senhor do Bonfim (1769); ao norte, também num morro elevado, a do Senhor do Monte, de data exata incerta; na baixada da várzea da Água Limpa, à beira do antiquíssimo Caminho Geral do Sertão e já bem mais imponente que as anteriores, surgiu em 1770 a Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. 

Contraponteando quatro igrejas coloniais dedicadas a Maria, no Centro Histórico, estas consagradas ao Cristo ficaram à margem do núcleo urbano principal, pelos então chamados arrabaldes. Apesar da distância e aclive, nem por isto, deixaram de ser prestigiadas pelos devotos, sendo alvo de romarias ao longo dos anos e animadas festividades, conforme atestam antigas fontes jornalísticas da cidade. 

Capela do Senhor Bom Jesus do Bonfim, São João del-Rei, set./1998. 

Sobre a Capela do Bonfim (*) o que se sabe é que no ano de 1769, segundo CINTRA, a 06 de maio ...

"O Senado da Câmara da Vila de S.João del-Rei concede a José Garcia de Carvalho 'dezesseis braças de terra que pede pagando de foro a este Senado em cada ano meia oitava de ouro'. 'O suplicante como devoto do Senhor do Bonfim pretende fazer uma capelinha para se celebrar missa, a qual pretende fazer no morro por detrás da Intendência' (etc.)".

Pela data, fica claro então que a afirmação de que este templo é o mais antigo da cidade, ainda corrente entre muitas pessoas, não procede de forma alguma. Sabe-se que antes dele houve uma igreja no Bonfim, mas dedicada à padroeira Nossa Senhora do Pilar, "edificada no Morro da Forca, mais ou menos no lugar onde se encontram as duas caixas de água velhas e o Grupo Escolar Inácio Passos à Praça Guilherme Milward", segundo ALVARENGA.  Foi construída logo depois da Guerra dos Emboabas (1707-1709), quando a primitiva, da época da fundação do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar (1705), situada no morro oposto, encosta das Mercês, junto às lavras, foi incendiada numa das refregas entre paulistas e emboabas. Bem, a Igreja do Pilar que existiu no Bonfim foi demolida em detrimento da atual Matriz do Pilar (Catedral Basílica desde 1965), em 1721 e seus materiais aproveitados na obra desta, definitiva. 

Interior da Capela do Bonfim vendo-se nas laterais as imagens de
São Francisco de Assis (esq.) e São Benedito (dir.). Setembro/1998. 

O Morro do Bonfim na parte mais baixa possui um cruzeiro antigo, possivelmente do fim do século XIX, marcando o centro da Praça Guilherme Milward, popularmente chamada até hoje "Morro da Forca", local onde no passado erguia-se o cadafalso da vila. Neste cruzeiro até uns anos eram afamadas as Festas de Santa Cruz pelo mês de maio, hoje desaparecidas. Afamaram-se também no bairro as barraquinhas do padroeiro, que se concluem no primeiro domingo de agosto, conforme mostra esta notícia d'A Opinião nº 23: “Começaram no dia 20 deste as novenas do senhor do Bom-fim, que terminarão no dia 29 do corrente, havendo todos os dias, após as novenas, leilão de prendas”.

Sua capela em São João del-Rei recebeu um sino novo em 1919, vindo de São Paulo, graças aos esforços de Severiano Rodrigues, dentre outros, conforme A Tribuna, nº255.

Cruzeiro do Morro da Forca. Ao fundo, a Capela do Bonfim. 

Já a igrejinha do Senhor dos Montes certamente foi erigida em data não precisada, devido à ausência de documentos primitivos, decerto perdidos. É possível deduzir que seja do final do século XVIII ou começo do seguinte, com base nesta citação de CINTRA, referente à data 23/02/1801:

"Para constituição do patrimônio da Capela do Senhor Bom Jesus do Monte, Manoel de Sá Peixoto e sua mulher Bernarda de S.José adquirem do Pe. Antônio Gonçalves de Siqueira, zelador e provedor do citado templo, 'uma chácara sita ao sopé do Senhor do Monte desta Vila com seus pertences, horta, quintal, pasto que ao presente se acha cercado de muros e valo', (etc.)". 

Cruzeiro e Igreja do Senhor Bom Jesus do Monte, São João del-Rei, 1998. 

Ora, o patrimônio de uma capela era formado no ato de sua construção ou imediatamente antes, por ocasião do planejamento da obra, mas habitualmente não décadas antes. No mais o texto supra-transcrito diz "ao sopé do Senhor do Monte desta Vila". O nome veio com a capela, não antes. O sistema antigo de denominação de logradouros era assim. O nome primitivo mudava com a construção da igreja do lugar, do qual existem muitos exemplos. 

É frequente se afirmar que foi construída na década de 1840. Se assim foi, o quer dizer da citação de 1801? É possível que tenha havido uma capela primitiva, substituída ou ampliada nos meados dos oitocentos? A capela original é certamente dos setecentos. Luís Antônio do Sacramento Miranda, em gentil colaboração, informou-me, pessoalmente, acerca da possibilidade do nome original dessa devoção ser "Bom Jesus de Trás os Montes", uma referência à geografia portuguesa, mais tarde alterada para Senhor dos Montes. 

BURTON, em 1867, escreveu sobre esta construção:

"À nossa esquerda, fica a horrorosa capela de Nossa Sra.(sic) do Monte, parecida com os templos das modernas colonias espanholas, com duas janelas (com persianas pintadas de vermelho) e uma só porta, dando a impressão de um rosto sem nariz."

No ano de 1900 foi construída sua única torre, conforme noticia o jornal O Combate:

"Graças aos esforços do zeloso encarregado da capella do Senhor Bom Jesus do Monte o estimado sr. Emilio Viegas - foi levantada uma torre que está prompta na referida Capella. É um trabalho sólido e elegante que muito realça a bellesa da poetica Egrejinha."

Em maio de 1905, um jornal da cidade (O Repórter, n.19) registrou em nota intitulada "Senhor dos Montes":

"Com muita concurrencia e sempre animadas correram as festas que se fizeram nos dias 21, 22 e 23, na bella capellinha do Senhor Bom Jesus dos Montes, pitoresco arrabalde desta cidade. São procuradores das festas do anno de 1906, os senhores Lucio Justino de Andrade do 1º dia; José Machado do 2º e Francisco de Paula Assis do 3º."

Os zeladores da capela eram então os srs. Capitão Francisco Balbino de Mello e Emílio Viegas (O Repórter, nº27).

A Câmara por esta época tocava obras de abastecimento d'água no Senhor dos Montes. Em setembro de 1905 ficou pronto o chafariz provisório do bairro, obra de canalização de José Francisco de Athaydes, jorrando água abundante e de melhor qualidade que a do restante da cidade, nos diz O Repórter nº35.

No ano seguinte a imprensa registrou nas páginas d'O Repórter nº15, a  animação dos quatro dias festivos, com grande aglomeração de povo. Foi destacada a boa ordem dos festejos. Tocou a Orquestra e Banda Lira Sanjoanense sob a regência de Luiz Batista Lopes. O celebrante foi o Padre Custódio Sabino Franklin.

No cruzeiro fronteiriço, desde longa data, as romarias de maio eram coroadas com fervorosas festas em honra à Santa Cruz. Tais festejos alcançaram celebridade e sendo o local considerado um arrabalde à época, os melhoramentos que chegavam eram inaugurados ao tempo desses festejos, como a chegada da luz elétrica tardiamente, em 1926, marcada a inauguração para o primeiro dia dessa festa no "Senhor-dos-Montes" (como se intitula a nota d'A Tribuna), que anunciava também promessa de canalização de água potável para o ano seguinte, pelos esforços do Deputado Estadual (na época se dizia Provincial) Sr. Basílio de Magalhães. Em outra nota do mesmo jornal e com o mesmo título, em julho, anunciava-se a nova pintura externa da igreja, elogiada pelo resultado e motivo de celebrações locais.   

A Igreja do Bonfim ainda é ligada aos franciscanos da Paróquia de São Francisco de Assis e a do Senhor do Monte desvinculou-se em 1999 da do Pilar, tornando-se em nova paróquia a 26 de novembro daquele ano.

Augusto Viegas, em parágrafo magistral, assim se referiu às capelas do Bonfim e Senhor do Monte sobranceiras à cidade:

"Muito brancas, armadas de argênteos campanários que ressoam a distâncias imensas e da cruz, que se projeta até o infinito, dir-se-iam, ante o esplêndido destino a que as consagrou a tradição, cândidas sentinelas morais a velarem pela fé e pelo civismo da população que no vale entre elas moureja." (sic, p.265)

Noutro lado da cidade, em Matosinhos, destaca-se o santuário onde concorrem fiéis desde os setecentos. No platô do grande bairro, edificou-se a partir de 1770 uma bela igreja, de cuja primeira festividade já se tem notícia quatro anos depois, por ocasião de Pentecostes. A devoção ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos se disseminou com grande vigor, bem mais que outras invocações aqui populares. Ainda hoje a Procissão do Senhor de Matosinhos é das mais concorridas, sem exagero, uma das cinco maiores da cidade em volume de fiéis, se não for a maior... No santuário destacam-se as comemorações da Semana Santa, crescentes em vigor e dois jubileus, um consagrado ao Divino Espírito Santo e outro ao padroeiro. Além, destas, correm várias outras comemorações anuais. 


Frontispício e interior da primitiva Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. São João del-Rei.
Autor e data não identificados. Fotos gentilmente cedidas por Osni Paiva. 

Lamentavelmente a igreja primitiva do Senhor de Matosinhos foi demolida por ocasião de seu bicentenário e substituída pela atual que se vê parcialmente na fotografia abaixo.

Santuário do Senhor Bom  Jesus de Matosinhos, set.2004.
São João del-Rei/MG.

Na zona rural de São João del-Rei, a devoção ao Cristo também se nota fortemente. No povoado do Chaves, extremo sul do município, no alto de uma colina aplainada no topo, desde ao longe se avista a Capela do Monte Calvário, dos meados do século XX, onde o Senhor Bom Jesus é festejado anualmente, em animado evento que congrega toda aquela comunidade e demais sitiantes e moradores dos povoados circunvizinhos. Na Cananéia e na Colônia do José Teodoro existem duas capelas centenárias sob orago do Sagrado Coração de Jesus (**).


Capela do Sagrado Coração de Jesus, Colônia José Teodoro,
em vista frontal e posterior. Fevereiro/2004. 
Sá Luíza da Cananéia, foi uma senhora cuja dedicação à vida religiosa, bem se poderia, de certa forma e guardadas as proporções, por analogia, comparar-se à de Nhá Chica. É uma personagem popular ainda lembrada pelo povo fiel do distrito de Emboabas que está a merecer uma pesquisa aprofundada e urgente das fontes memorialísticas. Foram seus esforços que encabeçaram as obras de edificação daquela capela rural.

Na colônia, a igrejinha simpática parece olhar do morro para a antiga estrada para Ritápolis e para o leito da extinta Linha do Sertão, da EFOM. Foi construída em 1909 e as famílias de migrantes italianos tiveram força decisiva no processo de sua construção.


Referências Bibliográficas

ALVARENGA, Luís de Melo. Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar. Juiz de Fora: Esdeva, 1971. 80p.il.
BURTON, Richard Francis. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho (1867). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976. 
CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1982. 2v.
GAIO SOBRINHO, Antônio. São João del-Rei através de documentos. São João del-Rei: UFSJ, 2010. 260p. 
VIEGAS, Augusto. Notícia de São João del-Rei. 3.ed. Belo Horizonte: [s.n.], 1969. 


Referências Hemerográficas

O Combate, n.10, 05/09/1900
O Repórter, n.19, 25/05/1905
O Repórter, n.27, 16/07/1905
O Repórter, n.35, 17/09/1905
O Repórter, n.15, 20/05/1906
A Opinião, n.23, 21/09/1907
A Tribuna, n.255, 18/05/1919
A Tribuna, n.744, 29/04/1926
A Tribuna, n.737, 18/07/1926

Notas e Créditos

* Segundo GAIO SOBRINHO (2010), na Rua Marechal Bittencourt (antiga Rua da Cachaça), no Centro Histórico de São João del-Rei, houve um Oratório do Senhor do Bonfim, conforme notícia de 1815 (p.211). Os oratórios eram pequeninas capelas, à semelhança dos passinhos.
**A devoção ao Sagrado Coração de Jesus difundiu-se bastante pelas igrejas rurais da região: Penedo (Ritápolis), Igreja do Gaspar, no Elvas (Tiradentes), São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei) - junto com o padroeiro, etc.
*** Texto e fotografias (Bonfim, Cruzeiro, Senhor do Monte, Sagrado Coração de Jesus, Matosinhos 2004): Ulisses Passarelli
**** Obs.: as referências hemerográficas foram tomadas de jornais editados em São João del-Rei, do site da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, a cujo acervo pertencem.

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