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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Folias de Reis nas Vertentes

Ontem e hoje [1]

                A mais remota notícia sobre a presença da folia de Reis nas Vertentes encontrei em São João del-Rei, datada aproximadamente de 1860, abordada em uma crônica retrospectiva, publicada pelo jornal são-joanense Arauto de Minas, de 08/02/1883, com o nome de Bandos de Reis, com homens trajados como Reis Magos, a cavalo, com cetro e diadema, inclusive o negro que chamam na crônica Rei Congo, conforme registrou o insigne historiador Cintra em suas efemérides.

                Esta manifestação folclórica difundiu-se bastante na região, embora a pesquisa bibliográfica só tenha indicado Carrancas, Conceição da Barra de Minas e Bom Sucesso, com importantes informações anotadas pelos autores. Tais fontes são de história e não de folclorística.

                A pesquisa de campo descortinou o amplo panorama que este folguedo popular conheceu nesta microrregião, hoje com ocorrência bem diminuída, conforme mostram as relações que damos neste número do TRADIÇÃO.

                Antigos mestres e outros assíduos participantes ou assistentes de outrora indicam francas mudanças na folia. Ela saía às ruas de 1º a 6 de janeiro. A maioria dos grupos era rural, ou, sendo urbanos, em maior parte iam cumprir a jornada na roça, visitando sítios, fazenda, casas de agregados, povoados e vilas. Ganhavam a alimentação. Muitas, durantes estes dias pediam pouso nas fazendas, ou seja, só voltavam para casa depois do Dia de Reis (6 de janeiro). Nos pousos, guardada a bandeira benta do grupo, divertiam-se com cantos de moda de viola, toques de toada, cantorias e danças como calango, catira e lundu. Contavam estórias, causos. Levavam um cargueiro, animal de carga com bruacas ou então jacás no lombo, onde conduziam objetos básicos para os seis dias de missão.

                Além do dinheiro angariado ganhavam muitos víveres, pois, nos dizeres deles, o povo da roça tinha pouco dinheiro disponível, mas bom coração para dar à folia galinhas, patos, perus, etc. Por isto os foliões usavam levar auxiliares que encarregavam de levar e cuidar da bicharada ganha. Carregavam pelos pés, atados por embiras (pêias), presos a um longo pau ou bambu (varal), carregado por dois. Lá iam as aves penduradas...

                O Bastião ou Palhaço, personagem mascarado, era comum às folias, mormente acompanhado pela Catirina, também mascarada, “mulher” do palhaço, companheira de infindáveis pilhérias, ambos a própria alegria da folia de Reis. Faziam várias danças, recitavam versos, pediam isto e aquilo ao dono da casa visitada. Cumpre notar que a Catirina era representada por um homem travestido.

                Não era habitual o uso de uniforme. Valia a roupa comum, do dia-a-dia. Os enfeites eram voltados para a bandeira de Santos Reis, feita com tecido branco e azul.

                A partir de meados do século XX, começaram a se difundir as Folias de São Sebastião, com suas bandeiras vermelhas, nas cores do pano que cinge a cintura do Santo Mártir, protetor contra a fome, peste e guerra. Os rurícolas difundiram muito a devoção, crendo neste que lhes protege os roçados de se perderem e as criações de se empestiarem.

                O período da jornada ampliou-se até o dia deste santo, 20 de janeiro.

                A folia de Reis aumentou muito seu período de atividades, do Natal a Santos Reis e, no presente, já é possível vê-las desde o começo de dezembro, o que há dez anos raramente se via.

                Se o número de folia de Reis diminuiu francamente, o das de São Sebastião aumentou e, inclusive, vê-se frequente mistura das duas. Os Reis têm a sua toada, época, versos e bandeira diferentes da outra, o que dava a cada uma a sua identidade, cada vez mais rara. Já é possível ver folia de Reis tocando em toada de São Sebastião e mais raramente o vice-versa; bandeiras quase unicamente vermelhas, na maioria trazendo estampas da adoração dos Magos e de São Sebastião, valendo para as duas folias. Outras vezes, saindo com Reis em época de São Sebastião ou o contrário, e até cantando para São Sebastião com a bandeira de Reis. Enfim, de tal forma se misturam que, nos dias atuais, o predominante aqui nas Vertentes é uma folia mista, de Santos Reis e de São Sebastião. Contudo é possível ainda encontrar grupos “puros”, com a identidade preservada, agindo nos dois períodos, mas em conformidade com as características de cada uma.

                Outras mudanças dizem respeito à urbanização, fruto do êxodo rural. Suburbanização, melhor dizendo. Há poucas folias na roça e as da cidade raramente vão lá. Já não há mais pousos ou cargueiros e poucas vezes ganham um vívere.

                Diante do presépio não se canta mais os vinte e cinco versos de antanho, mas uma forma limitada.

                Quase sumiram os palhaços. Poucas folias os trazem, de Reis ou de São Sebastião, solitário, sem a desaparecida Catirina, e já com pouca habilidade para o papel dificílimo. Este diminuiu quantitativa e qualitativamente. Bem parcas vezes surgem folias com dois Palhaços. O Bastião está se tornando um apêndice?

                Aumentaram os participantes, havendo folias grandes de 15 até 20 pessoas, o que os antigos conhecedores criticam dizendo sobre a dificuldade de controle e recepção nas casas, não cabendo todos nas salas e tornando oneroso ao anfitrião dar um agrado alimentar. Da zona rural algumas vezes surgem folias pequenas e até respeitando a regra de sete participantes.

                Há uma permanente tentativa de uniformização, ainda que simples, dadas as dificuldades financeiras constantes. Alguns grupos mantem-se sem uniforme.

                Surgiram no instrumental os grandes acordeons, banjos, bandolins e até reco-recos. Desapareceu a rabeca. Raríssimo o adufe, a viola, a sanfona de oito baixos. Predominam o violão, o cavaquinho, o triângulo, o chique-chique e o pandeiro. A caixa é sempre indispensável.

                Este artigo não permite aprofundar o assunto em análises e considerações. Caberia num estudo específico e estas linhas não tem outra pretensão senão a de expor uns poucos dados sobre a história, evolução e as alterações das Folias de Reis na Microrregião Campos das Vertentes.

01- Palhaço da Folia de Reis das Águas Férreas, Bairro Tijuco,
durante apresentação no povoado do Fé, São João del-Rei.
Folião: Geraldo Elói de Lacerda; Embaixador: Luthero Castorino da Silva. 1998. 

02- Folia de Reis do Jardim Aeroporto, Bairro Colônia do Marçal, São João del-Rei.
Folião e Embaixador: Duarte Rodrigues Vale. 1993. 

03- Folia de Reis do Barro Preto, Bairro Tijuco, São João del-Rei.
Folião e Embaixador: José Francisco Sales. 1994. 


Referências Bibliográficas  

0    AMATO, Marta. A freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas e sua história. São Paulo: Loyola, 1996. 288p. p.172-175.

0   CASTANHEIRA FILHO. História de Bom Sucesso. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1973. 263p. p.192-3.

0   CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1982. 2v. v.1, 326p. p.67.

0   GAIO SOBRINHO, Antônio. Memórias de Conceição da Barra de Minas. Belo Horizonte: Imprensa Universitária, 1990. 253p. p.61-63; 136-140.


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: 01, Cida Salles; 02 e 03, Ulisses Passarelli
*** Informantes: as informações de campo, em sua maior parcela, foram cedidas pelos senhores Antônio Geraldo dos Reis, José Camilo da Silva, José Orlando da Silva (“Dinho”), Luís Cândido Gonçalves (“Lu”), João Cândido Gonçalves (“João Candinho”), Luís Santana, João Anastácio da Silva (“João Dondoca”) e Mário Calçavara, todos no município de São João del-Rei, aos quais agradecemos.
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[1] - Publicado em: TRADIÇÃO, São João del-Rei, Subcomissão Vertentes de Folclore, n.3, dez.1999. p.6-7.

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