Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Sertão em crônica: idealismo, imaginário e misticismo

Sertão é o meio de mundo... o ermo, o despovoado. Lugar longe, de muito mato e pouca gente. Habitat das feras, dos perigos, dos bichos peçonhentos. Já por isto, vai cambiando entre o real e o imaginário, que se reforça a cada novo acontecimento extraordinário que chega: um causo, uma lenda, um assombro. 

Sertão é isto: se entende, mas não se explica. Ele inspira o poeta em seus versos evocadores do atavismo humano, sempre aludindo à casinha de sapé, à tapera, ao cantar dos pássaros na alvorada, aos espectros lúgubres das horas mortas, às léguas poeirentas que o separam da civilização. Assim surge o sertão descrito nos versos das toadas caipiras, das modas de violas. 

É no sertão que a jovem se mostra mais fiel ao seu amado; é nele que as festas interioranas têm ar mais provinciano; a honra é levada ao extremo das atitudes como prerrogativa suprema a ser cumprida e defendida. O sertanejo é homem de fé viva mas também amante da dança e do trabalho, por cuja força braçal nada rejeita. O homem do sertão é simplório. É o caipira que cultiva a terra, que cria o gado e pesca nas lagoas; é o caboclo que tem apego aos poucos objetos rudes que necessita para sobreviver em seu sítio. É no mato que acha os remédios fitoterápicos. O convívio com a natureza o faz exímio conhecedor dos fatos naturais, os detalhes meteorológicos, as características de cada estação do ano, as peculiaridades de cada animal. Também é crédulo, fiando nos bentinhos, patuás, medalhas de santos, simpatias, benzeduras, mezinhas e garrafadas. É apegado a Nossa Senhora, mas também acredita tanto no saci-pererê quanto na alma milagrosa de um vaqueiro, cada qual com seus atributos. 

Ninguém houve melhor que João Guimarães Rosa para fixar o espírito sertanejo em sua obra, quanto ao homem mineiro, ou que Luís da Câmara Cascudo, quanto ao nordestino. 

Sertão, aliás, difere aqui e lá. No sudeste é tão somente o local distante, de pequena densidade demográfica, de difícil acesso onde as condições da natureza impõe um modo próprio de vida, um tanto tosco e custoso, mas igualmente poético, bucólico. No Nordeste e norte mineiro sertão é a área correspondente ao semiárido, Polígono das Secas. O sertão nordestino tem uma área de transição com a Zona da Mata chamada Agreste, que goza de aspectos próprios. O sertão nordestino algumas vezes se associa à noção espacial e intitula uma dada região do hinterland: Sertão dos Inhamuns, Sertão do Seridó, Sertão do Pajeú, Sertão do Cariri, Sertão do Acari. 

Para nós das Vertentes de Minas, centro-sul do estado das Gerais, sertão é ou era o oeste, as bandas do poente para onde no passado rumavam homens corajosos a comprar gado, boiadeiros com sua comitiva em dias de viagem iam ao Sertão de Formiga, à Mata do Corda, às bandas de Pains e Candeias, trazendo tocados numa verdadeira odisseia reses rumo a novos invernistas destas plagas ou aos matadouros. Os mascates e tropeiros também interligavam as duas zonas, aqui, sede da comarca e lá, terra de gigantes. Saint-Hilaire descreveu minuciosamente o comércio com aquela zona e registrou no começo do século XIX (1819-1822) que sertão...:

"é para além da povoação de Formiga, lugarejo situado acerca de 24 léguas de São João del-Rei, que situam, desse lado, os limites do sertão ou deserto; mas a região começa muito antes a ser pouco habitada." (p,116)

Mais tarde, final dos oitocentos, o trenzinho rasgou a vale do Rio das Mortes. Vinha da Dom Pedro II (Central do Brasil), pela "Linha de Sítio", desde Antônio Carlos, chegava a São João del-Rei e daqui ia a Aureliano Mourão, donde fletia para a Barra do Paraopeba. Lá, tal afluente encontra-se com o Velho Chico. A foz do Rio Paraopeba está hoje debaixo do reservatório imenso da barragem de Três Marias. Era o quilômetro seiscentos e dois da bitolinha, a locomotiva a vapor de bitola estreita, 76 cm, da EFOM (Estrada de Ferro Oeste de Minas). A chegada da ferrovia foi o mais significativo elemento a impulsionar a economia e a vida social no século XIX. O povo o chamava poeticamente "Trem do Sertão", que saía de São João del-Rei num apito dolorido e inesquecível pelo centro da Avenida Leite de Castro, cena inextinguível da memória de quem o viu e nele andou; de quem vislumbrou o encanto medonho da Ponte do Inferno, ou o bucolismo da estação do Mestre Ventura.

O trem não fez parar o boiadeiro, o tropeiro, o carreiro, o mascate. Pode tê-lo feito diminuir no seu ir vir do sertão para o comércio. A estrada de automóvel é que o extinguiu, o asfalto, o caminhão. Razões do progresso e da evolução humana. O comércio com o sertão marcou época em São João del-Rei. Existia desde longa data. Mas foi com o fim do Ciclo do Ouro, que se estabeleceu em bases sólidas, qual entreposto comercial, fornecedor que era de gêneros para a capital do país, então Rio de Janeiro. Daqui para terras cariocas e outras mais, chegavam e partiam muitos cargueiros de mantimentos em geral, conforme registraram as crônicas (*). O inglês Richard Burton, em 1868 registrou um ditado que era então corrente e que de certa forma qualificava o que era o sertão daquela época: “Se você vai ao sertão, cuidado! Suba o morro devagar para poupar a besta; no plano, ande depressa, para abreviar a viagem; desça o morro com atenção, para a sua própria salvação.” Eis o aviso aos viajantes incautos pelas estradas vicinais e trilhas ruins. O perigo rondava...

A palavra "sertão" aparece em alguns documentos antigos (algumas vezes com "c", certão), no linguajar popular, nos versos de cantorias populares, nos topônimos, na música popular. A palavra sempre é organizada na frase de tal forma que nos faz lembrar o mato ou soa de uma maneira que induz o pensamento às raízes rurais: 

"Sei que vou morrer...
Vou me acabar!
Mas quero ser enterrado,
no Sertão de Paiabá!"
(Canto de trabalho, capina de mutirão, acabada de roça, Barbacena, 1996) 

Quanto à etimologia, pouco se sabe com exatidão. Fadel Filho com perspicácia explorou o tema. A palavra já era usada pelos portugueses quando da descoberta do Brasil. 

Sertão é um ideal inspirador. Dizer que algo é do sertão é como se disséssemos que vem carregado de uma qualidade atávica, mística, que teima em nos mostrar de onde viemos, onde estão nossas raízes. Na cultura popular, neste sentido se aproxima da palavra Aruanda... Bahia... Jurema... como territórios do sagrado, do espiritualismo: "Vem lá da Aruanda..." ; "Na Bahia tem..." ; "Lá na Jurema..." são expressões consagradas nos pontos de congados ou nos de terreiro. Com o sertão também ocorre isto, como por exemplo neste canto de umbanda anotado em São João del-Rei, mas que admite variações: 

"Baiano quando veio da Bahia, 
ele passou na terra do ouro,
oi, no Sertão de Ouro Fino!" (**)

É como um reino místico, uma imagem do passado; um elo perdido entre o moderno e a ancestralidade humana. É a ponte entre o que éramos e o que somos; de onde viemos e onde estamos. É a raiz. É um pedacinho perdido desse Brasil de muitas faces.

Trem do Sertão em Nazareno/MG, 1976.  
O oeste, ao por do sol no distrito de São Gonçalo do Amarante,
zona rural de São João del-Rei/MG. 12/07/2015.

Referências Bibliográficas

BURTON, Richard Francis. Viagens aos Planaltos do Brasil (1868). 1º Tomo: do Rio de Janeiro a Morro Velho. Rio de Janeiro: Nacional, 1942. Coleção Brasiliana, série 5ª, v. 197, p.188.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem às nascentes do Rio São Francisco e pela província de Goiás. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1944. 343p. Coleção Brasiliana, série 5ª, v.68. 

VALE, Dario Rodrigues. Memória histórica de Prados. Belo Horizonte: [s.n.], 1985. 344p.+anexo.

Referências na internet

ANTÔNIO FILHO, Fadel David. Sobre a palavra "sertão": origens, significados e usos no Brasil (do ponto de vista da ciência geográfica): http://www.agbbauru.org.br/publicacoes/revista/anoXV_1/AGB_dez2011_artigos_versao_internet/AGB_dez2011_11.pdf (acesso em 06/12/2014, 07:45 h)

Notas e Créditos

* VALE (1985, p.4), baseado em documentação do Arquivo Público Mineiro, transcreveu um termo de passagem de caravana de produtos no Porto Real da Passagem, de um habitante de Prados: "Aos treze dias de agosto de mil, setecentos e dezessete anos, nesta villa de São João del-Rey, apareceu presente Miguel Roiz do Prado, vindo de povoado, com vinte cargas, quatro de seco e mais de molhado, de que pagou de direitos quatorze oitavas, do que fiz este Têrmo que assignou Joseph da Silveira Miranda, Escrivão da Fazenda Real que o escrevi. (a) Gouveia. (a) Miguel Roiz do Prado" 
** O ponto continua assim: "Salve, salve os baianos! / Salve, salve o Senhor do Bonfim! / Salve, salve os baianos, / que não se esqueça de mim!" 
*** Texto: Ulisses Passarelli
**** Fotografias: Iago C.S. Passarelli (poente), David Passarelli (Trem do Sertão)
***** Leia também neste blog:


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Virgem da Conceição: uma devoção histórica

Nossa Senhora da Conceição é um dos títulos mais populares e significativos dados à Virgem Maria, cuja festa litúrgica a 08 de dezembro, já se comemora desde pelo menos o século VIII. Tal sua intensidade que em 1476 o Papa Sisto IV definiu sua comemoração como festa universal da Igreja. 

Nos idos tempos coloniais no Brasil, Nossa Senhora da Conceição era o título mariano sob o qual a Virgem Maria era com muita frequência invocada para a proteção da casa grande, do senhorio, da sede da propriedade, em contraponto a Nossa Senhora do Rosário, protetora da senzala, dos escravos. 

A raiz de tal devoção estava em Portugal. O povo já nutria pela Virgem da Conceição uma acentuada devoção e a levaram para o território colonial muito cedo, conforme apareceu no Brasil quinhentista. Em 1646 o Rei Dom João IV dedicou o reino português e a esta devoção. Assim sendo, nos dizeres de MEGALE (1986) em quem nos baseamos... "em todo o território lusitano, assim como em suas colonias, a festa da Conceição de Maria tornou-se oficial e obrigatória". Quando o Brasil se tornou independente, ainda segundo esta autora, Dom Pedro I a proclamou Padroeira do Império Brasileiro (*). 

A expressão devocional ganha novo impulso e direção com a proclamação do Dogma da Imaculada Conceição pelo Papa Pio IX em 1854. 

No Estado de Minas Gerais é muito frequente a existência de igrejas e capelas a ela consagradas, quando não apenas um nicho ou altar lateral. Assim, na tradicionalista região dos Campos das Vertentes não poderia ser diferente. Em São João del-Rei já em 29/03/1713 se obtinha uma provisão do Bispo do Rio de Janeiro, Dom Francisco de São Jerônimo, para edificação de uma capela desta invocação no Matola (onde hoje está o 11º BI de Montanha, Regimento Tiradentes), em terras do Mestre de Campo Ambrósio Caldeira Brant, portanto, ainda na fase de arraial, pois a elevação à vila só se daria em dezembro daquele ano, informa CINTRA (1982). Este autor nos concede outras informações acerca desta capela: em 1731 numa passagem curiosa aos olhos atuais, o Vigário da Vara Alexandre Marques Vale comparece à Câmara a 11 de julho para reaver o sino da dita capela, sequestrado pelos vereadores, que enfim lhe devolveram a peça sacra; a 03/03/1736 nela casou-se o famoso contratador de diamantes Felisberto Caldeira Brant com Branca de Almeida Pires. Felisberto era filho do proprietário Ambrósio Caldeira Brant; a 25/10/1765 uma provisão concede ao Capitão-mor Manuel Antunes Nogueira autorização para prosseguir em uso desta capela, que pretendia, junto com sua esposa, Rita Luísa Vitória de Bustamante, converter da condição de ermida particular em capela pública, concretizado na década seguinte. A Casa dos Brant foi a sede provisória da primeira Câmara de Vereadores e nela permaneceu funcionando por alguns anos. 

Esta primitiva capela já não existe desde longa data. Um registro importante de GAIO SOBRINHO (2010), possivelmente referente a esta mesma construção, é este:

"ATA SES 28: EM 12 DE JANEIRO DE 1840 - Leu-se um requerimento do cidadão João Ribeiro Bastos (encarregado das chaves da Capela de Nossa Senhora da Conceição) dizendo: a qual ameaçava ruína onde já não podia haver imagem por chover dentro e que como a mesma fazia parte dos próprios da Câmara, resolvesse a mesma o que lhe parecesse acertado. Posto em discussão, deliberou a Câmara que se remeta ao fiscal para mandar demolir a dita capela no caso de ameaçar ruína fazendo arrematar o (madeirame), inteligenciando-se previamente com o Reverendo Vigário da Vara quanto à demolição."

Segundo reza a tradição, a imagem desta capela se encontra em oratório na sacristia da Igreja de São Francisco de Assis nesta cidade, informou o "Piedosas e Solenes Tradições de Nossa Terra", excelente trabalho realizado pela Equipe de Liturgia da Catedral do Pilar.

As festividades em São João del-Rei tradicionalmente acontecem na Igreja de São Francisco de Assis, replicando que no Brasil os franciscanos tiveram um papel fundamental na difusão da devoção à Virgem da Conceição. Naquele majestoso templo, transcorre sua solene novena e festa, com toda toda pompa, fé e musicalidade inerente às comemorações religiosas no centro histórico da cidade. A parte musical está a cargo da Orquestra Ribeiro Bastos, que executa obras sacras do Padre José Maria Xavier, de Carlos dos Passos Andrade e de Francisco Manuel da Silva, segundo a mesma fonte bibliográfica. Já é parte da tradição a alvorada festiva às seis da manhã, com toques de sinos, espoucar de fogos de artifício e tocata da Banda Municipal Santa Cecília.

Sabe-se que no passado já existiu em Matosinhos um festejo dedicado à Imaculada Conceição (**)

Outro ponto de comemorações na cidade é na Igreja Matriz de São José Operário, no Bairro Tijuco, onde existe fervorosa devoção à Imaculada Conceição, haja vista em 1938, ter sido construída naquele exato local uma capela primitiva em honra a Nossa Senhora da Conceição, que, contudo, teve por ordem episcopal de Dom Helvécio Gomes de Oliveira seu orago alterado para São José, pois segundo dizeres do prelado a cidade já tinha várias igrejas dedicadas a Maria, como informa VIEGAS (1959). Assim foi feito mas a devoção permaneceu. A forma de comemoração variou ao longo dos anos em forma e intensidade, chegando mesmo ao caso específico de 2006, quando conforme observamos in loco, houve uma tentativa isolada de aproximá-la aos valores da cultura popular, com levantamento de seu mastro e a presença de vários congados. Houve reinado. Tudo foi possível graças aos esforços extraordinários da então festeira Maria Inês dos Santos Zim, a conhecida Mestra de Folia de Reis e Folia do Divino (***).

Ainda em São João del-Rei merece pleno destaque a existência da Igreja Matriz da Imaculada Conceição, na Colônia do Marçal, surgida a partir de uma capelinha primitiva erigida pelos colonos italianos, que deu lugar a uma igreja maior no início dos anos setenta. A obra de edificação da nova igreja se arrastou por muitos anos. É mister enaltecer os esforços do atual pároco, Padre Antônio Claret Albino, que conduziu grandes melhoramentos na estrutura daquele templo, enriquecendo seus aspectos arquitetônicos e trazendo estrutura ao adro. As festas da padroeira da Colônia são célebres ocasiões de fé, confraternização e congregação do povo católico da área do antigo núcleo colonial são-joanense. O movimento de barraquinhas é também afamado. 

É padroeira de Conceição da Barra de Minas, cujos primórdios devocionais remontam a 1724, ano da petição de licença para edificação da primitiva capela. A igreja matriz é uma joia arquitetônica e artística e foi elevada a santuário diocesano em 13/06/2003. A partir daí a Festa da Conceição ganhou foro de jubileu naquela cidade. 

Também é padroeira da cidade de Prados, onde a devoção se estabeleceu provavelmente a partir de 1715, contando com imponente matriz e animadas e solenes festividades anuais. 

Segundo o jornal A Tribuna, em Curralinho de Prados, inaugurou-se a 8 de dezembro de 1918 a Capela da Conceição, graças aos esforços do Sr. Evaristo de Paula Resende. Houve missa, celebrada pelo vigário, Cônego A. Cardoso. Tocou a Banda de Música Santa Cecília, de Resende Costa, sob a regência do Maestro Capitão Christovão Gonçalvez Pinto. 

A são-joanense, Francisca Paula de Jesus, a Beata Nhá Chica (1810-1895), batizada na primitiva Capela de Santo Antônio, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, era devotíssima da Virgem da Conceição, devoção que ajudou a difundir na cidade sul-mineira de Baependi, onde se radicou desde jovem, operando ali, no nome santo da Imaculada Conceição, muitas obras de caridade e preces em favor de muitos desvalidos e desorientados. Nhá Chica é considerada a construtora da igreja desta invocação em Baependi.

Nos terreiros o dia 08 de dezembro é comemorado com grande respeito e fortes expressões devocionais. Umbandistas e certas nações de candomblé festejam neste dia a Oxum, a doce orixá das águas das fontes e cachoeiras, que tem sincretismo com Nossa Senhora da Conceição (****). É comum os médiuns se dirigirem às cascatas neste dia, ou às minas onde brota a mais límpida água, e fazerem aí rituais com cantos e oferendas, de velas (amarelas, brancas, azuis), flores brancas (rosas), frutos (sobretudo melão). É típico a lavagem das guias e colares nas águas neste dia, propícias a descarregá-las de tudo quanto de negativo acumularam e a energizá-las da mais pura força sagrada. Banhar-se nestas águas neste dia é um preceito. Em muito terreiros é neste dia que os filhos de santo já devidamente preparados são batizados em plena natureza, nos poços das quedas d'água.

Em alguns cantos uma alusão a este rito das águas persevera em cantos populares, como este, que coligimos em 1996 em Barbacena:

"Nossa Senhora da Penha
é madrinha de João,
eu também sou afilhado
da Virgem da Conceição."

Por fim é bom lembrar que o povo nutre grande confiança numa oração em especial dedicada a Maria, o Ofício da Imaculada Conceição, conjunto de versos para canto ou recitação, bastante prestigiados, que mesmo de origem remota no século XV ainda persevera no seio popular como oração poderosa de louvor, que a crença atribui o poder de combater todos os males.


Referências na Internet

Imaculada Conceição. In: Wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Imaculada_Concei%C3%A7%C3%A3o (acesso em 03/01/2016, 07:42h)

Ofício da Imaculada Conceição. In: Wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Of%C3%ADcio_da_Imaculada_Concei%C3%A7%C3%A3o (acesso em 09/01/2016, 14:40h)

Ofício da Imaculada Conceição. In: Salve Rainha, http://www.salverainha.com.br/Oficio_de_Nossa_Senhora.html (acesso em 09/01/2016 14:42h)


Referências Hemerográficas

A Tribuna, n.183, 02/01/1918, São João del-Rei. Acervo da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida.

Referências Bibliográficas

GAIO SOBRINHO, Antônio. São João del-Rei através de documentos. São João del-Rei: UFSJ, 2010. 260p. p.134.

GAIO SOBRINHO, Antônio. Memórias de Conceição da Barra de Minas. São João del-Rei: ASCOM, 1990. 253p.

CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1982. 2v. 

MEGALE, Nilza Botelho. 112 Invocações da Virgem Maria no Brasil: história, folclore e iconografia. Petrópolis: Vozes, 1986. 376p. p. 111-115.

VALE, Dario Cardoso. Memória Histórica de Prados. Belo Horizonte: [s.n.], 1985. p. 124 e ss.

VIEGAS, Augusto. Notícia de São João del-Rei. 3.ed. Belo Horizonte: [s.n.], 1959. 273p. p. 267-268.

PIEDOSAS e solenes tradições de nossa terra: novenas, tríduo, setenário, quinquena e meses. São João del-Rei: SEGRAC, 1997. v.2. p.230-246. 

Igreja Matriz da Imaculada Conceição em junho de 1999.
Bairro Colônia do Marçal, São João del-Rei/MG.
No adro, adiante da igreja um mastro dedicado a Santo Antônio. 
Igreja Matriz da Imaculada Conceição em fevereiro de 2016.
Bairro Colônia do Marçal, São João del-Rei/MG.
Notar a existência atual de torre, cúpula central, adro calçado, palmeiras,
pintura nova, dentre outros melhoramentos.    

Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
imagem do acervo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis,
em exposição pública à veneração dos fiéis na Igreja de São Francisco de Assis
durante a Visitação das Igrejas, na Quinta-feira de Trevas (Semana Santa).
São João del-Rei, 2014. 

Notas e Créditos

* Só bem mais tarde, com o advento do regime republicano perde o posto de padroeira do Brasil para Nossa Senhora Aparecida... Título este aliás que se refere a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, aparecida nas águas do Rio Paraíba do Sul. "Nossa Senhora da Conceição Aparecida". De forma semelhante o título de Nossa Senhora da Lapa se refere originalmente a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição encontrada numa lapa (gruta) em Portugal. "Nossa Senhora da Conceição da Lapa".
** Ver: FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DE 1923
*** Os esforços da festeira foram porém de certa forma de encontro às origens deste templo. Consta que quando de sua fundação, o Capitão de Congo José Francisco, à frente de sua guarda de congado, sediada na Rua São João (Bairro Tijuco), tocava pelas ruas angariando recursos para a obra de edificação. A este respeito vide a postagem:
**** Em contrapartida Iemanjá, Senhora das Águas Salgadas, é festejada a 02 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias ou de Nossa Senhora dos Navegantes. Em algumas linhas / nações a variação do sincretismo inverte estas comemorações de datas.
*****Texto: Ulisses Passarelli.
****** Fotografias: Ulisses Passarelli (igreja 1999 e 2016); Iago C.S. Passarelli (imagem 2014).


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Simpatias e Crendices

O povo tem uma forma muito peculiar de encarar as coisas da vida, os fatos, os acontecimentos. Sobre eles vai secularmente tecendo sua livre interpretação e cria aconselhamentos que supõe prevenir malefícios. O poder da observação, a força das coincidências, as leis que regem a espiritualidade, tudo conflui para sob a ótica popular justificar crendices, superstições, simpatias, benzeções, etc.

Nesta postagem o Blog TRADIÇÕES POPULARES DAS VERTENTES apresenta uma coletânea de trinta simpatias e crendices tradicionais coletadas em São João del-Rei/MG, sendo de prática comum desde longa data, algumas ainda em voga, não obstante a modernização destes tempos tecnológicos.

* * *

01 - Contra soluço: soluço é uma sequência de contrações espasmódicas do músculo diafragma, separadas por um curto espaço de tempo. Aos recém-nascidos, com frequência a soluçar, cura-se com um pequeno pedaço de papel embebido na saliva da mãe, que se adere à testa da criança. Mantém-se até o soluço passar.

02 - Contra doenças de pele: antigamente, nas roças, quando o pai caçava um tatu, esfregava-se o sangue deste animal no corpo das crianças da casa, acreditando-se com este banho inusitado preveni-se doenças de pele.

03 - Crista de galo: 1- Nome popular de uma doença infecciosa, sexualmente transmissível, que atinge as partes pudendas; cancro mole. É causada pela bactéria Hemophylus ducreyi. 2- Símbolo de domínio, força, física, “macheza”. a expressão popular ""quebrar a crista" indica romper com a valentia de alguém. 3- Excrecência vermelha, carnosa na cabeça do galo doméstico, que é dada à criança para comer como simpatia para curar a incontinência urinária noturna, ou seja, para quem urina na cama.

04 - Cana debaixo da cama: para aliviar dor na coluna, corta-se uma cana de açúcar no tamanho exato da pessoa, medida pelas costas, com os calcanhares juntos. A cana é desfolhada e deve ser posta debaixo do colchão e sobre o estrado da cama, pelo prazo de pelo menos um mês, após o qual deve ser jogada pelo rio abaixo.

05 - Contra verruga: corta-se uma pequena batata-inglesa e esfrega-se sobre a verruga por algum tempo. A batata é posta a secar nas imediações de um fogão à lenha. A medida que a batata seca, a verruga seca também, depois cai. É o que prescreve a simpatia popular. Uma variante usa a ponta cortada de um quiabo que depois de esfregada sobre a verruga deve ser posto grudado na tábua da porta de entrada da casa, na parte de trás. Quando o quiabo secar e cair, acredita-se que a verruga cairá também.

06 - Para afastar males e doenças: na Sexta-feira da Paixão, na hora que Cristo morreu (15 horas), abre-se um pequeno buraco na terra do quintal e cospe-se dentro. Imediatamente se enterra a saliva, pedindo-se pela Sagrada Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que seja enterrado tudo que é contrário.

07 - Para fortalecer e trazer saúde: na Sexta-feira da Paixão, na hora que Cristo morreu (15 horas), tomar um copo de chá de erva-cidreira, pedindo-se pela Sagrada Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que seja fortalecido e abençoado na saúde.

08 - Para prosperidade: no Dia de Santos Reis (06 de janeiro), tomar nove caroços de uma romã e proceder assim: três caroços devem ser jogados para trás, por cima dos ombros, sem olhar onde cairão, pedindo-se aos Reis Magos para desterrar todos malefícios; outros três devem ser engolidos, rogando-se saúde e proteção; finalmente os últimos três serão guardados na carteira para não deixar faltar dinheiro, tanto melhor se forem acondicionados num patuá de pano vermelho virgem, costurado junto com uma moeda.

09 - Para espantar visita indesejável: colocar uma vassoura atrás da porta de entrada. Isto evitará que a visita venha. Se a visita veio porque a simpatia não foi feita, então discretamente se pega a vassoura e sem que perceba, deve ser posta atrás da porta em disposição invertida, ou seja, com os pelos para cima e isto faz que logo a visita vá embora. Após a visita sair, se varrer seu rastro dentro da casa até abrir a porta da rua e tocar o cisco para fora, esta visita não voltará. O gesto de varrer enquanto a visita está presente já é considerado ofensivo, grosseiro, demonstrativo de não se querer a presença, mesmo que a intensão real não seja esta.

10 - Para não casar: quando não se quer que alguém não case, basta varrer o pé desta pessoa, ou seja, passar a vassoura sobre o pé, em gesto de quem varre.

11 - Para fechar o corpo ao mau olhado: 1- trazer três dentes de alho no bolso. Será mais eficiente se for no bolso esquerdo e se for de alho roxo. 2- trazer um ramo verde de arruda atrás da orelha esquerda. Quando a arruda murchar deve ser descartada, pois é sinal que já absorveu os males. 3- trazer uma fcaneiga pendurada ao pescoço, bentinho, patuá, terço, escapulário, medalha de santo, guia. 4- Outros objetos capazes de prevenir mau olhado são as semente de tento, olho de boi, timbó e ainda lascas ou cavacos de candeia, para-tudo (raiz), milhomem, cipó-cruzeiro e de pau-pereira.

12 - Para sobrepujar inimigo: escrever o nome do inimigo num pequeno pedaço de papel, por dentro do sapato e calçá-lo. Pisa-se o inimigo.

13 - Para nenhum inimigo alcançar sucesso na demanda: por um folha de comigo-ninguém-pode dentro do sapato à guisa de palmilha e calçá-lo. Isto geralmente se faz quando se vai fazer uma incursão no território do inimigo, pisar em terra alheia por uma necessidade.

14 - Para refletir o mal: 1- enfeitar o chapéu com um pequenino espelho (muito usado por folias de Reis e congados). 2- riscar o ponto de uma entidade espiritual num papel e afixar escondido atrás de um espelho. Se alguém tiver com inveja, o mal se reflete de imediato em retorno. 3- fazer uma ponta extra numa vela branca; acender as duas pontas e firmar no chão com a ponta original para baixo. Isto devolve o mal a quem o mandou.

15 - Usar roupa do lado do avesso: tem duas interpretações _ se a pessoa assim vestiu de forma inadvertida, é uma crendice que em breve ganhará uma roupa nova; se a pessoa assim vestiu de forma deliberada, é uma simpatia, adotada quando se vai a algum lugar cheio de inimigos, má querência, desafetos, visando se proteger de mau olhado, pois o lado inverso da roupa não deixa o maligno pegar na matéria.

16 - Proteção contra intempéries: guardar dentro de casa as palmas bentas da Procissão de Ramos protege contra raios, ventanias, chuvas fortes. Se a ameaça se fizer acentuada, queima-se a palha, e sua fumaça, assim como um incenso, protege o lar. A palma será trocada apenas pela do ano seguinte, renovando-se seu poder protetivo. A palma de ordinário se conserva dentro do oratório ou sobre o guarda-roupas. Quando se consegue duas palmas se usa amarrá-las uma à outra em cruz para mais efetividade na proteção do lar.

17 - Golo para o santo: costume de ao se tomar uma bebida alcoólica derramar propositalmente uma pequena porção no chão dizendo-se: “para o santo”. Talvez tenha ligação a oferendas de pinga (marafa) a algumas entidades espirituais da esquerda. Num Terreiro, se está presente um exu doutrinado, geralmente ele não permite que se derrame cachaça no chão, exceto se ele o fizer por si mesmo, sobre o ponto riscado. Outra forma do fato é servir uma dose da pinga num copo e por-se diante da imagem de São Benedito ou de Santo Antônio; ou ainda, por a imagem de Santo Onofre dentro do copo com a bebida, junto com algumas moedas. Considerando-se Santo Onofre padroeiro dos alcoólatras, talvez não seja lícito julgar este caso como um castigo ao santo. Acredita-se que são formas de agradá-lo, que então retribui com graças e bençãos.

18 - Galinha Preta: é reconhecida como “galinha de macumba”, numa expressão discriminadora. Deve-se ao fato de serem usadas como oferendas em rituais de sacrifícios a certos exus na quimbanda. Na crença popular é bom ter algumas galinhas de penas pretas no terreiro junto às demais, pois livram por sua simples presença a todas as outras aves de certos males, que atraem para si, desviando-se assim das demais criações e de seu dono.

19- Cuidados com o pagão: para salvar a alma de uma criança que morreu repentinamente sem o batismo a medida é sepultá-la sob uma roseira, fazer uma cruz de sal sobre o seu túmulo e plantar arruda sobre por cima do mesmo. Este era o costume nas roças.

20- Apadrinhamento: quem está noivo não deve apadrinhar ninguém, pois prejudicará seu próprio casamento.
21- Quizila: ojeriza que um espírito toma de um encarnado. Procurar quizila: desrespeitar a espiritualidade, adquirir dívida com o mundo espiritual. Enquizilado: indivíduo com a vida travada, caminho fechados, quando tudo que faz dá errado. “Maré de azar”. A solução para quizila é descobrir qual é a dívida espiritual e pagá-la, o que se faz com oferendas e banhos de descarrego.  

22- Margarida: flor branca, da família das compostas, de pétalas raiadas em torno de um “miolo” amarelo, em que o povo vê a figura simbólica solar e portanto a consideram importante de se ter em jardins de se enfeitar santos, evocando a luz, a força benéfica do sol. Flor positiva. O girassol tem a mesma característica.

23- Escada: 1- Invocação mariana, Nossa Senhora da Escada, praticamente desconhecida nas Vertentes. 2- Símbolo da subida, da gradação evolutiva, do progresso espiritual. Ao contrário, passar sob a escada traz fatalidades, atrasos. Deve-se evitar ao máximo e caso seja impossível, passa-se fazendo figa com a mão esquerda.

24- Cágado: réptil quelônio, tartaruga de água doce, com várias espécies. Nas Vertentes temos o chamado cágado-preto (Acantochelis spixii). Credita-se ao cágado o mal costume de devorar gente afogada, cujo corpo ficou perdido no rio ou represa. Outra crendice é lhe atribuir uma violenta mordida que só solta a boca dura se tocar-se uma sineta junto ao seu ouvido. Obviamente que se trata de crendices desprovidas de fundamento. É animal votivo de Xangô, não devendo ser morto ou sacrificado pois se provoca a ira deste orixá justiceiro.

25- Perna fina: a perna fina é sinal de que o indivíduo é trabalhador, ágil, ativo. Ao contrário, o homem de perna grossa é tido como preguiçoso, dolente.

26- Cordão bento: considerado de grande proteção contra espíritos do mal. Passar na cintura um cordão de São Francisco, ou de São José, ou de Santa Bárbara, ou de Nossa Senhora, ou de Santa Filomena resguarda de todos perigos, males e obsessores. Era costume amarrar o cordão à cintura do defunto, mesmo que não pertencesse a uma irmandade religiosa e enterrá-lo assim, suposta garantia de que sua alma nos caminhos do além teria com que rebater os assombros do outro mundo. 

27- Corno – O chifre de boi pendurado atrás do portão, ou na fachada, ou num barracão afasta todo mal, concentra em si os perigos imateriais que viriam para a casa. O chifre de bode traz fortaleza espiritual. O chifre de carneiro garante bons fluidos e suas aparas raspadas à faca, se fervidas, são dadas a beber a quem sofre de cólicas para alívio das dores. Obviamente que semelhante crendice não é recomendada como prática por este blog que apenas a registra pelo valor etnográfico da cultura folclórica. O uso do chifre é ancestral e cosmopolita e um elemento especial, chamado "cornucópia", representado por um chifre cheio flores ou frutos no seu interior, símbolo clássico e universal de fartura e fertilidade. O povo instintivamente e sem saber de seu nome a reproduz ao seu modo, quando as coisas não andam bem, metendo pelo oco de um chifre a dentro ramos de arruda, guiné, comigo-ninguém-pode, alecrim... ervas votivas e de proteção. 

28- Proteção ao casamento: 1- no dia do casamento, nem o noivo nem a noiva devem comer na panela, nem para provar, pois choverá na hora do casamento; 2- o noivo não deve ver a noiva antes do casamento pois traz azar para a felicidade dos dois; 3- na saída da igreja após a cerimônia é costume jogar arroz cru sobre os noivos com o intuito de abençoá-los com alegria e fartura. 

29- Mau agouro: 1- copos, pratos, talheres ou panelas caindo dentro de casa com muita frequência, indicam alguma desgraça iminente na família; 2- urubu pousado sobre a casa prenuncia morte na mesma; 3- coruja cantando sobre a casa chama má sorte para a residência; 4- anus (aves cuculiformes) rodeando o portão de entrada do lar denunciam a presença de eguns (por assim dizer, almas penadas); 5- cachorro uivando desmedidamente anuncia mal sortilégio para a casa; 6- cachorro escavando na frente da casa é sinal de sepultura que logo será aberta, ou seja, sairá um defunto daquela casa; 7- galo cantando fora do horário habitual no terreiro má sorte anuncia. 

30- Água de São João: na noite de São João Batista (23 para 24 de junho), a água corrente das fontes e riachos é considerada benta, capaz de curar males diversos e prevenir outros tantos. Motiva alegres e devotos rituais: 1- coleta de água em garrafas, guardando-as em casa para usos medicamentosos e espirituais, ao longo do ano; 2- banho votivo, de corpo todo ou só da cabeça no fluxo d’água.

Anjinho segurando uma cornucópia.
Adorno do presbitério da Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
São João del-Rei/MG. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografia: Iago C.S. Passarelli, 11/12/2014.
*** Leia também neste blog:

SUPERSTIÇÕES
SUPERSTIÇÕES DO ESPELHO

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Tradições acerca do gato

O gato na cultura popular é o símbolo da esperteza e da rapidez, mas também é entendido como uma criatura sonsa e traiçoeira, capaz de repentinamente mudar de gênio, de calmo para agressivo.

Acreditam alguns congadeiros nesta cidade, que o tamborim se revestido por couro de gato terá uma força muito maior que se fosse com o de boi, garantindo ao capitão que o usa, sagacidade no vencimento das demandas. O gato então é citado num ponto de catupé um tanto provocativo, coligido mesmo em São João del-Rei, nos anos noventa:

"Eu quero vê!
Eu quero vê!
O pulo do gato, 
caxinguele-lê!"

O sentido é o seguinte: quem canta propõe um desafio ao terno visitante que chega em terra alheia sem a devida humildade _ quem pula melhor, com maior desenvoltura no congado? O "gato" é o congadeiro da terra, de casa, anfitrião; o "caxinguelê" é o congadeiro de fora, do mato, que não é do lugar, que veio de fora. O caxinguelê ou serelepe é um roedor extremamente ágil em seus movimentos.

No campo da crendice é assaz conhecido que gato preto dá azar a quem o ver atravessando o caminho adiante do observador. Igualmente difundido que o gato teria sete vidas, ou seja a faculdade de resistir à morte extraordinariamente. O povo também acredita que o gato transmita bronquite ou mais acertadamente a asma. Por isto não recomendam o contato muito próximo com o animal. Deixar o gato dormir na cama junto com a pessoa facilitaria essa transmissão. No mais há quem coma gatos, reputado como um bom tira-gosto, mas segundo se diz, não se deve chupar seus ossos como se faz com a carne de galinha, por exemplo, posto que a pessoa ficaria com "chieira" igual ao gato, ou seja, com o peito cheio, congestionado, gerando um som semelhante ao ronronado.

A figura do gato como animal doméstico propiciou o surgimento da crença que ele é um animal que teria uma ligação com o mal, o capeta. Talvez esta ideia tenha surgido de sua astúcia, dissimulação, tocaias, enfim, técnicas de sua própria natureza que objetivam sucesso na caça de suas presas naturais. Mas fato é que o povo interpreta estes atributos como sinais negativos (*). 

No causo abaixo, de fundo anedótico, esta fama aflora e serve de motivo para o desenrolar da narrativa. Mais uma tradição popular corrente em São João del-Rei. Desta mesma cidade segue ainda uma versão da fábula assaz conhecida "O Pulo do Gato", que também reflete a esperteza do animal. 


O padre ludibriado pelo sacristão

Conta-se que um certo padre criava muitos gatos e o sacristão era encarregado de alimentá-los, mas o fazia muito a contragosto, pois odiava o serviço e mais ainda aqueles animais. Não via a hora de se livrar deles, que lotavam a casa paroquial. 

Fazia de tudo para convencer o sacerdote a acabar com os bichanos mas sem êxito. Assim sendo, adotou nova estratégia e passou a afirmar que o gato não era bicho de bem, não era de Deus, mas do demônio. Mas o padre não acreditava e mantinha sua criação. 

Certa ocasião o padre precisou fazer uma longa e demorada viagem e deixou a gataiada (**) a cargo do sacristão como de costume. Era exatamente o que ele esperava...

Todo dia o sacristão aproveitando a ausência do vigário juntava os gatos num cômodo pequeno, todo fechado e começava a gritar forte: "cruz, credo!", "cruz, credo!", "cruz-credo!" E enquanto gritava, batia violentamente com um chicote nos bichos que ficavam apavoradíssimos. Assim fez por vários dias. 

O padre então voltou da viagem e veio logo saber de seus queridos gatos. O sacristão de imediato falou que tinha avisado que os gatos eram do diabo. O vigário desacreditando, supondo uma bobagem, ouviu do sacristão que era só eles ouvirem a expressão "cruz, credo" (***) que fugiam apavorados... O padre quis tirar a prova e o juntou os gatos; o sacristão logo gritou: "cruz, credo!" Os gatos já condicionados pelo mal trato, se desesperaram e fugiram apavorados por todos os lados, escondendo, pulando, miando em tom de desespero. 

E o padre, crente que o sacristão tinha razão, livrou-se dos gatos para alegria de seu ajudante.

O pulo do gato

A onça admirava muito o gato por sua grande habilidade em dar saltos. Foi conversar com ele sobre isto e pediu que ele ensinasse a pular de todo jeito, pois precisava dessa habilidade para as suas caçadas. O gato, gentilmente, ensinou.

Passaram dias de aulas até que a lição chegou ao fim. A onça, muito astuta, resolveu armar um bote para pegar e devorar o gato, achando que já sabia de tudo e usando um dos saltos aprendidos com ele. Esperou de tocaia e pulou sobre o gato, com um habilidoso salto mortal. O gato, com extrema agilidade deu uma pirueta espetacular para trás e a onça perdendo o golpe que dera, ficou boquiaberta. Sem ter o que fazer, disse:

_ Ôh, compadre gato, que salto maravilhoso! Esse você não me ensinou...
_ Se eu te ensinasse esse pulo, você me comia!

Assim o gato se foi, deixando a lição que nem tudo agente ensina.



Grafite inspirado em gatos, pintado sobre parede externa de residência à
Rua Alexina Pinto, na Bela Vista, em São João del-Rei. 03/07/2016. 

Notas e Créditos

* Estas características despertaram também sua aproximação nos terreiros de quimbanda aos atributos dos exus. Assim posto, o gato é seu animal votivo. A vinte e poucos anos tivemos oportunidade de ver uma caveira de gato no interior de uma casa de força de um desses terreiros, como firmeza da linha esquerda. Um ponto cantado alude a esta aproximação:

"Exu ganhou um gato, 
mas não quis comer sozinho, 
dividiu com os camaradas,
pedacinho por pedacinho!
Aí chegou, seu Lucifer,
e a Pomba Gira,
era homem, era mulher..."

**Gataiada: muitos gatos. O sufixo "ada" na formação de um vocabulário popular é sempre de efeito superlativo: "chuvarada" (muita chuva), "dinheirada" (muito dinheiro), "peixaiada" (muitos peixes), etc. 
*** Cruz, credo!: expressão popular de natureza exorcisória, esconjuro, fórmula verbal de catarse.
****Texto: Ulisses Passarelli
***** Informantes: José Camilo da Silva, Bairro São Dimas, São João del-Rei, 1992 (caso do padre; ponto do gato com caxinguelê), Luís Santana, Bairro São Dimas, São João del-Rei, 1995 (fábula do pulo do gato). 
****** Leia neste blog outros contos tematizados na suposta negatividade do gato, clicando nos links abaixo:

O GATO MALDITO: UM CONTO DO DEMÔNIO LOGRADO

UM CONTO POPULAR DE FIM TRÁGICO



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Folia do Carlão em Aparecida

Nesta postagem o Blog TRADIÇÕES POPULARES DAS VERTENTES faz um pequeno registro e homenagem à "Folia do Carlão", da zona rural de São João del-Rei, exatamente da Colônia José Teodoro. O grupo embora também faça a seu tempo cantorias em honra aos Reis Magos e ao Mártir São Sebastião, habitualmente é uma folia do Divino, diga-se de passagem de imensa atividade, circulando até fora da época de costume (da Páscoa a Pentecontes) em apresentações e visitas, senão mesmo viagens, como esta a Aparecida / SP aqui registrada em imagens, com destino ao concorridíssimo Encontro Nacional de Companhias de Reis, como fez em 2015 e 2016. 

A folia visitou também vários povoados da zona rural deste e de outros municípios, tais como São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei), Restinga (Ritápolis), Mercês de Água Limpa (São Tiago), Elvas, Águas Santas, César de Pina e Caixa d'Água da Esperança (Tiradentes), Arame (Lagoa Dourada), Porteira do Paiol (Conceição da Barra de Minas), São Sebastião de Campinas (Dores de Campos), além das cidades de Resende Costa, Coronel Xavier Chaves, Barroso e Santa Cruz de Minas. 

Tal atividade se deve claro à atuação dos animados folieiros, mas sobretudo à dedicação do folião Carlos Leandro de Oliveira, responsável pelo grupo. Nestas fotografias de 2015 e no vídeo anexo aparece no comando da cantoria o experiente Embaixador Antônio Francisco dos Santos. Atualmente, além do Sr. Antônio, outros respeitados embaixadores dividem com ele os momentos de cantoria: Pedro Paulo e Natal. 

Neste princípio de ano, a folia em nova fase de estruturação adotou o nome de "Mensageiros do Paráclito". 

Folia do Carlão tocando no presépio de Aparecida/SP

Folião Carlos Leandro de Oliveira

Embaixador Antônio Francisco dos Santos
Apresentação de fotografias e áudio da folia da 
Colônia José Teodoro. 


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Folia: Ulisses Passarelli; folião e embaixador: Iago C.S. Passarelli

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

17º Encontro de Folias da Capelinha

Ontem, 31 de janeiro, domingo de sol inclemente, na tradicional Capelinha, oficialmente Mercês de Água Limpa, distrito de São Tiago/MG, realizou-se o 17º Encontro de Folias, coroado de êxito pela excelente organização, grande número de folias de Reis, folias de São Sebastião e até uma folia do Divino, além da ampla assistência que prestigiou o evento do começo ao fim. 

O evento comprovou mais uma vez solidez e confiabilidade. Este sucesso deve-se em parte à fama que Capelinha goza de ter tido sempre folias de alta qualidade musical, aliás, como também acontece com localidade rurais vizinhas (Coqueiros, Bananal, Capão das Flores, Manteiga...); outro tanto compete à receptividade do povo do lugar, amante das folias, hospitaleiro; tanto mais à equipe organizadora do encontro, dedicada aos afazeres, e, indubitavelmente à experiente coordenação de Jorge Geraldo Canaan, em geral conhecido por "Jorginho", que não mede esforços para promover o encontro com todo esmero e respeito aos grupos. Portador de perene simpatia, Jorginho recepciona foliões e folieiros em pleno espírito fraternal, deixando todos os grupos muito à vontade no encontro.

A percepção desta realidade não é mera reflexão desta página, mas parece que veio pronta nos versos cantados pelo folião de Passa Tempo:

"Se não fosse essa união,
essa festa não saía..."

Os grupos visitantes chegaram pela manhã, recebendo o tradicional café com pão e quitandas; na sequência visitaram a comunidade, cantando pelas ruas afora, residências, estabelecimentos comerciais, igrejas. Depois se recolheram para o almoço carregado da delícia do tempero mineiro. Na parte da tarde se concentraram na praça para as apresentações no palco, sempre enaltecidas por palmas e palavras de valorização do locutor. Os grupos ao cantar se despedem, mas nem todos se vão, permanecendo para assistir as outras apresentações. O largo esteve lotado, todos aglomerados à sombra de árvores e casario. 

Muitas folias estiveram presentes ao encontro, vindas do próprio município e ainda de Coqueiros (Nazareno), São João del-Rei, Ritápolis, Resende Costa, Desterro de Entre Rios, Passa Tempo, Oliveira, Carmo da Mata, Itaguara, Bom Sucesso, Santo Antônio do Amparo, Lavras. Ou seja: do Campo das Vertentes e do Oeste de Minas, como numa circunferência tendo Capelinha por fulcro, a maioria dos municípios circunvizinhos mandaram representações, por vezes mais de uma. 

Positivamente foi possível observar uma boa quantidade de jovens participando como palhaços de folia (bastião, marungo), esperança de futuro. 

No mais é o olhar perscrutando a participação popular: em cada esquina pessoas em bate-papo dialogam com alegria; alguns senhores se animam com uma folia de ritmo mais agitado e esboçam passos de dança; um pai passa de mãos dadas com um filho saltitante _ em seu rosto uma máscara de papelão imita a dos bastiões _ uma senhora retoca o batom sentada na beira da calçada observando-se pelo espelho que enfeita seu chapéu de folieira; um tocador de cavaquinho aproveita o intervalo para enrolar um cigarro de palha; crianças correm para lá e para cá, bebendo refrigerante e chupando picolé; o comércio fatura seu extra, vendendo para os visitantes; gente curiosa se achega comentando o canto da anunciação que um embaixador fez com grande fundamento, ou louvores ao mártir São Sebastião entoados por outro com maestria; alguém num canto da praça rememora com seu compadre os tempos de criança, quando a fazenda de seu pai recebia as folias pondo em alvoroço os moradores; cavaleiros passam pela praça, perneira e chapéu de aba larga compõe sua figura; uma folia canta para os Reis no presépio da igreja e devotos assistem atentos; uma dona joga farelo de fubá na calçada e os pássaros descem para granjear, amarelando o passeio; outras folias trocam convites para um próximo encontro... intercâmbios... amizades... aprendizado... esperanças de um retorno no ano vindouro: 

"A bandeira vai embora
a saudade vai ficando;
se Deus me permitir
voltarei no outro ano..."
(Folia de Reis de Passa Tempo/MG)

Bastião da Folia do povoado do Manteiga,
São Tiago. 

Marungo de uma folia de Santo Antônio do Amparo. 

Marungos de Lavras, da folia
"Estrela do Amanhã". 

Cartaz do encontro afixado no interior de um
estabelecimento comercial do lugar. 
  
Folia de Desterro de Entre Rios, observando-se os participantes
figurando os Reis Magos. 

Equipe da cozinha beija a bandeira da Folia de Reis de
São João del-Rei, do Bairro Bom Pastor. É ritual típico do
agradecimento do alimento dado às folias. 

Igreja de Nossa Senhora das Mercês, a padroeira de Mercês de Água Limpa

Jorginho Canaan recepciona membros da folia
 de Desterro de Entre Rios. 
  
Na sombra da árvore se aglomeram para assistir às apresentações

Palco do encontro no momento da apresentação da folia
 "Nossa Senhora da Penha de França", de Resende Costa. 
  
O marungo faz brincadeiras adiante da folia
de Santo Antônio do Amparo. 

Uma das folias da cidade de São Tiago. 

Canários comendo farelo de fubá na praça da igreja. 


Notas e Créditos

* Texto e fotografias: Ulisses Passarelli