Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Moçambique de Ibituruna

Apresentamos nesta postagem um vídeo curto que mostra o momento da chegada do Moçambique "Nossa Senhora do Rosário", de Ibituruna, na voz do Capitão Antônio Salvador, em toque de jomba, ao café da manhã, durante o 3º Encontro de Congados de Tiradentes/MG, a 17/07/2016.








 Imagens do moçambique de Ibituruna durante o encontro. 

Ibituruna é cidade do Campo das Vertentes às margens do Rio das Mortes já em seu trecho de baixo curso. Junto à imponente serra homônima, se orgulha de ser, conforme dizeres de Diogo de Vasconcelos, "o mais antigo lar da pátria mineira". Com essa pomposa frase referia-se o autor nas páginas da história ao fato de ter sido a primeira povoação fundada em Minas Gerais, no remoto 1674, pelo célebre bandeirante paulista Fernão Dias Paes. Chefiando a Bandeira das Esmeraldas, que subiu do Vale do Paraíba para o ermo interior através da Mantiqueira, após atravessar o sul mineiro chegou ao vale do Rio das Mortes onde se viu obrigado a estacionar até o fim da estação chuvosa. Foi então oportuno fundar uma feitoria: Ibituruna. Eram pequenas povoações ou núcleos de fornecimento de mantimentos e víveres com o intuito de ser uma base permanente de suporte para a passagem das caravanas de bandeirantes.

Serra de Ibituruna, vista da cidade.  

Panorama da praça da matriz. 

Placa comemorativa do tricentenário nas imediações do Rosário. 

Marco de sesmaria, exposto na mesma praça da foto anterior. 

Igreja do Rosário no dia maior de sua festa,
repleta de assistência e congadeiros. 

A palavra Ibituruna é de origem indígena, de base tupi, significando "serra negra".

A cidade, cujo padroeiro é São Gonçalo do Amarante, possui ainda elementos significativos da arquitetura histórica. A Festa do Rosário é um grande atrativo turístico-cultural, no mês de junho, último final de semana, congregando congados visitantes de toda a redondeza, numa demonstração de ser um dos festejos congadeiros mais pujantes dessa área geográfica. 

Seu moçambique conserva os aspectos típicos autênticos dos moçambiques regionais, batendo na jomba velhas cantigas que rememoram o sofrimento do escravo e a devoção a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. 



Letra do canto

"Pai e Filho, Espírito Santo,
anjo da guarda do lado,      BIS
com as três palavras divinas,
trago o meu corpo fechado!"   BIS

"_ Aqui nesta casa, 
oi, mora quem é?
_ Bom Jesus!
Maria, José!"

"_ Na casa de nhônhô, 
nós reza sem santo...
_ Pai e Filho!
Espírito Santo!"

Referências Bibliográficas

VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, física e política da Capitania de Minas Gerais. Estudo crítico por Carla Maria Junho Anastasia; transcrição e pesquisa histórica por Carla Maria Junho Anastasia e Marcelo Cândido da Silva. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994.  188p. Coleção Mineiriana, Série Clássicos. 

Notas e Créditos

* Texto e vídeo: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 17/07/2016 (moçambique) e 30/06/2013 (cidade)
*** Para saber mais sobre moçambique, leia neste blog a postagem:

JOMBA: UM OUTRO TIPO DE MOÇAMBIQUE

domingo, 30 de outubro de 2016

Brincadeiras infantis - parte 4: cantigas de roda

Em seguimento à série, o Blog apresenta mais uma parte das lúdicas da criançada, desta feita, uma das mais célebres, as cantigas de roda, também conhecidas por danças de roda e rondas. É bem conhecido o fato de sua extensão geográfica. Todas as regiões a conhecem e tem seu próprio repertório, variável a cada época, surgindo novas cantigas, relembrando as do passado, esquecendo outras... Algumas das peças cantadas / dançadas são mais difundidas, outras nem tanto. 

Contudo o que mais salienta além da lúdica em si e do conteúdo folclórico é propriamente a socialização das crianças, que confere ao ato sua plenitude de significação. Confraternizam-se os pequenos de mãos dadas, girando e girando em alegria e descontração, cantando as mais inocentes e saudosas canções, que muitos de nós também cantamos na meninice.

A pureza dessas rondas se confronta de imediato com as brincadeiras modernas, especialmente as eletrônicas que semeiam violências, vícios, emulação, imediatismo e ainda o fechamento em si mesmo, como se o jogador se metesse num casulo de auto-suficiência. Dentro de um imenso contexto social, cuja análise renderia muitas páginas, pontos de vistas e estudos especializados, essa questão foge a alçada de uma mera postagem e aqui é apenas pontuada.

Fato é que a estrutura social hodierna com a vasta gama de novas opções de entretenimento oferecida ao menor de idade, acaba por seduzi-lo a novas brincadeiras e outro estilo de vida e não tarda abandonar as antigas quando mesmo, sequer as conhece, pois a vida urbana já não as propicia.

Análises e lamúrias à parte, as rondas consistem em reunião de crianças de ambos os sexos, mormente pelo menos nessa região, com predominância das meninas, em espaço aberto, para a prática de cantigas tradicionais, passadas a cada geração de memória e oitiva, vivenciando-as e aprendendo-se pela repetição, nas praças, largos, beiras de rua, quintais amplos, adros das igrejas, etc. Logo alguma criança lembra de uma e provoca o início da cantoria, de forma espontânea e começam automaticamente a repeti-la, ou dramatizá-la com gesticulação condizente. Isto porque algumas são apenas cantadas. Não é raro sentarem-se de penas cruzadas em disposição de círculo enquanto as entoam. Outras vezes, como é de praxe, de mãos dadas vão girando em círculo, ritmadamente.

Noutros tempos, nas escolas, isto era muito comum. No recreio, brincava-se de roda, de pique e outros. Não era raro que a própria professora se metesse no meio de mãos dadas com seus alunos.

A letra das cantigas é deveras singela. Trata do próprio cotidiano, de assuntos pueris, cita elementos da natureza. Fala até de namoro mas não se atreve a passar das palavras. Quem não se lembra do "Ciranda, cirandinha!" , "Fui no Itororó" , "Caranguejo não é peixe" , "Demarré" , Terezinha de Jesus" , "Pirulito que bate, bate" , "São João, da-ra-rão!" e de outros clássicos do gênero? Mas recordemos agora de outros um pouco menos afamados, senão mesmo, mais raros:

"Samba, crioula,
que veio da Bahia,
pega essa criança
e joga na bacia.

A bacia é de lata,
areada com sabão,
pega essa criança
com seu camisolão."

Nem gasta dizer da antiguidade desta cantiga que decerto remonta ao período da escravidão, possível alusão às mucamas que cuidavam do serviço doméstico, entre os quais banhar o sinhozinho ou a sinhazinha na velha bacia, dos tempos que roupa de dormir era camisolão. Crioula, informamos novamente, é o nome que se dava outrora aos nascidos no Brasil, mas filhos de pais africanos. Era usado para distinguir o escravo nacional (crioulo) do traficado da África (negro da costa).

A natureza serve de tema inspirador:

"As flores já não crescem mais,
até o alecrim murchou;
o lambari morreu,
o sapo se mandou,
porque o ribeirão secou,
porque o ribeirão secou."

Como já foi dito, a gesticulação específica acompanha muitas cantigas. Em alguns exemplares há variedade intensa de gestos, movimentos e ações coletivamente aceitos e compreendidos, de tal forma que a linguagem de sinais se soma para ampliar a comunicação pela cantiga:

"Eu sou um boneco de pau,
me chamo José Pica-pau.
Eu sei agachar, (as crianças se abaixam)
eu sei levantar (elas se erguem)
eu sei bater palmas pro ar!" (batendo palmas)

Outras tem finalidade educativa, estimuladora ou instrutiva:

"Mamão é bom,
bom pra valer,
faz ficar forte
também crescer.

Lima, laranja e tangerina,
todas essas frutas tem vitaminas.
Agora todos prestem atenção:
papel e casca não vai ao chão!"

Era natural que as próprias professoras aproveitassem dessas cantigas para incrementar o processo educacional pela facilidade da linguagem acessível e de fácil absorção pela criançada. Mas não se constituía num aprendizado formal, institucionalizado. Nesse contexto específico as cantigas de roda eram atividades lúdicas dos momentos de confraternização, de uma espontaneidade sublime:

"O sino da escola
_ belém! Tocou,
dizendo que a aula já terminou.
Adeus minha professora,
adeus meus coleguinhas,
contente vou agora
ver a minha mamãezinha."

O amor ou pequenos idílios também tematizam alguns cantos, como este, muito antigo:

"Por cima do arvoredo,
de baixo do laranjal,
eu vi Dona Colondrina
com Dom Carlos a brincar.

Da cintura para cima,
nove beijos eu vi dar;
da cintura para baixo
eu quero me calar."

Como no caso acima, o palavreado ou a presença de arcaísmo denuncia a longevidade da ronda:

"Minha casa tem limão,
tem limão, tem melancia,
faz doce, sinhá?
faz doce, sinhá!
Faz doce de cocadinha."

Há ainda aquelas cantigas provocativas, por vezes de um insulto bem humorado, mas nada agressivo:

"Eu vi o sapo,
na beira da praia,
quando o sapo canta, maninha,
ela levanta a saia!"

Obviamente inspirado no tradicional acalanto, inclusive mantida a mesma melodia. Outra:

"Borboletinha, foi na cozinha,
fazer chocolate para a madrinha.
Poti, poti!
Perna de pau, olho de vidro,
nariz de pica-pau,
pau, pau!"

E ainda na mesma linhagem:

"A-do-le-ta, je-pe-ti-po-lá,
nesse café com chocolate
 e açúcar e abacate!
A-do-le-ta.

Amarelo e preto,
puxa o rabo do tatu
quem saiu foi tu,
cara de tatu!
olho de urubu!"

É um jogo de habilidade: os brincantes frente a frente, com as mãos espalmadas, a batem alternadamente com a criança que está adiante, no tempo forte da música, palma com palma, depois na mão oposta, depois cruzando à direita e à esquerda, com certa velocidade, o que demanda destreza. Quem erra sai da brincadeira sob o chiste dos colegas.

Relativamente comuns são as cantigas que replicam a última sílaba de cada verso como um eco: 

"A girafa barriguda, dá-dá!
Tem um carro, rô-rô!
De corrida, dá-dá!
Lá no barro, rô-rô!
Ela derrapou, pô-pô!
Ela berrou, ela berrou,
mas não parou..."

"Fui andando na floresta, tá-tá-tá!
E de repente, ti-ti-ti!
Vi uma oca, cá-cá-cá!
Saiu de lá um indiozinho, nhô-nhô-nhô!
Olhou pra mim, olhou pra mim
e fez assim: _ húúúúúúúúú!" 
(batem a mão na boca imitando um brado de guerra indígena)

"A barata diz que tem, tem-tem!
Sete saias de filó, ló-ló!
É mentira, rá-rá!
da barata, tá-tá!
Ela tem, tem é uma só!
Rá! Rá! Rá!
Rô! Rô! Rô!
Ela tem é uma só!"

Este pequeno mostruário de cantigas apenas evoca o tema. Exige outro volume para seguimento ao repertório.

Estes versos parecem não ter fronteiras. Várias cidades os conhecem, tal e qual ou em pequenas variações de melodia e letra. Outrora estiveram muito em voga. Nos subúrbios e nos arraiais ainda sobrevivem com certa escassez. Na memória dos adultos resta uma lembrança desse giro dançarino, dessa circularidade cantada e gesticulada, como se estivesse a acenar de antanho, no eco de uma frase: "nunca deixe morrer a criança que existe dentro de você!"

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Informante: Maria Aparecida de Salles, Santa Cruz de Minas, 1994-1997.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Festa do Rosário em Conceição da Barra de Minas, 2016

O imenso ciclo de festas congadeiras em honra ao rosário continua na região e pelas vizinhanças. Este fim de semana, dia 23 de outubro, foi a vez da comunidade de Conceição da Barra de Minas, comemorar seu dia maior (*).

Precedido de um tríduo, nesse dia a praça diante da histórica igreja estava com ampla movimentação de concepcionenses e visitantes, reinando a concórdia e a boa ordem do ar festivo. O mastro demarcava no largo o espaço do sagrado, sinalizando o domínio da cultura popular nesse festejo. De seu topo pendiam cordões floridos descendo do quadro do registro. A beleza singela desse elemento simboliza para o dançante o marco do início dos festejos e o elemento telúrico que carreia graças do infinito ao plano terrestre: 

"Lá do céu tá caíno fulô!
lá do céu tá caíno fulô!"
Lá do céu, cá na terra,
Ôh... tá caíno fulô!"

Fulô é corruptela de flor e mais que isso, é sinônimo e "eufemismo" de graça. Graça gasta eufemismo? O congadeiro tem sua poesia própria. 

O congado do senhor Vicente Cirilo Ribeiro ("Vicente Cristino") subiu desde cedo do Bairro São José, que o sedia. O capitão e seus soldados são assaz conhecidos na região toda pela excelência de seu catupé, que tem a bandeira do Rosário, e, mais que isso, pela educação aprimorada, gentileza, forte devoção e espírito de irmandade. É o grande anfitrião, que de braços abertos acolhe a todos. 

Os grupos visitantes vão chegando e são acolhidos no largo: vieram de Prados, de Ritápolis, de Tiradentes e São João del-Rei/Santa Cruz de Minas. O bom café foi servido. 

De retorno, foram acolhido na igreja onde teve vez a celebração de uma animada e bem celebrada missa inculturada, tão propícia a esse evento religioso. A igreja lotada se engalana de fitas e flores; o batuque do congado domina a sonoridade; o Revmo. Pároco Padre Saulo José Alves, prima ao presidir a celebração, pela qualidade evangélica, simpatia e respeito pela cultura. Seu incentivo pode ser sentido o tempo todo e em verdade abre as portas da continuidade da tradição. Com ele segue ao comunidade. Nos vértices do triângulo desse patrimônio imaterial estão o padre, o capitão e o povo; a redor, como num círculo, a Prefeitura, que por meio de sua Secretaria de Cultura é forte apoiadora do evento. Eis a receita do sucesso e a esperança de continuidade. Quem dera em todo lugar fosse assim...

Ao final da missa, uma rasoura antecedeu ao almoço. 

Este foi marcado pela fartura, bom tempero e confraternização, servido numa escola da cidade. 

Após a refeição e os agradecimentos, um cortejo se formou rumo às imediações da Igreja de Santo Antônio, onde o rei e a rainha aguardavam seus súditos, cingidos de capa, coroados, de cetro à mão, com direito à regalia do guarda-sol. Foram saudados e conduzidos ao rosário, onde o padre os recepcionou, agradeceu, abençoou e adentraram ao templo para o ritual da chamada, no meio da tarde.  

Então os congadeiros visitantes começaram a se despedir, "até para o ano, se Deus quiser". Os congadeiros da terra ainda tinham mais função: logo mais, às 18 horas participaram da procissão. 

No rosário o devoto se encontra e realiza. No rosário a cultura fervilha. Este foi o segundo ano consecutivo que Conceição da Barra de Minas festejou com a presença de guardas visitantes, pois antes a festa era limitada ao congado local. 





Fotos 1 a 5 - Mastro de Nossa Senhora do Rosário 
fincado na praça diante da igreja da mesma invocação:
feito de um bambu verde, encimado pelo quadro, 

com cordões floridos como ornamento, demarca o território
sagrado da cultura popular, 

objeto devocional do congadeiro que guarda por ele o maior respeito. 
Foto 6 - A Igreja do Rosário recepciona os congadeiros visitantes. 

Foto 7: o capitão anfitrião: rosário é fé, alegria, união, respeito, cultura. 
Foto 8 - Moçambiqueiros. 
Foto 9 - Exemplar significativo do patrimônio cultural de 
Conceição da Barra de Minas.  

Foto 10 - Congadeiras de Ritápolis. 

Foto 11 - Congado de Conceição da Barra de Minas diante da Igreja do Rosário,
no momento da rasoura. 

Fotos 12 e 13 - Capitão de São João del-Rei saúda o congado de Tiradentes. 
Foto 14 - Congadeiros (as) descem para o almoço. 

Foto 15 - Dentro da cozinha, o capitão de moçambique entoa sua jomba de gratidão
pelo alimento recebido. A equipe de cozinheiras segura a bandeira da guarda. 
Foto 16 - Rei e Rainha visitantes, da cidade de Prados. 
Foto 17 - Reinado na rua, em marcha sob o guarda-sol,
escoltado e acompanhado por congadeiros.
Ao fundo a Igreja de Santo Antônio de Pádua. 


Foto 18 - Missa inculturada na Igreja do Rosário:
congado anfitrião faz animação musical.

 Notas e Créditos

* No mesmo dia aconteceu a Festa do Rosário na comunidade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (São João del-Rei), com a participação de sua congada centenária. 
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 23/10/2016

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Festa do Rosário em Prados, 2016

Desta vez foi Prados a comemorar Nossa Senhora do Rosário com as danças congadeiras. Tem festa em honra a esta invocação mariana em muitos lugares entre setembro e novembro, embora outubro seja especialmente nominado "Mês do Rosário" e o dia específico da santa seja 07 de outubro. Esta extensão temporal dos festejos vem a calhar para as guardas de congado pois torna possível que viajem para muitas localidades nesse período para participar de várias festas. Dentro dessa perspectiva, no último domingo, dia 16, o congado de Prados recepcionou os visitantes de Resende Costa, Coronel Xavier Chaves, Conceição da Barra de Minas e São João del-Rei, que se irmanaram no mesmo objetivo laudatório.

Desde já se diga de passagem que o cenário encanta aos olhos e estimula a contemplação: um belo casario histórico evocador da arquitetura do ciclo do ouro, muito bem cuidado, ruas limpas, o povo prestigiando nas esquinas, calçadas, alpendres, varandas, sacadas, no adro da igreja... a festa envolve o pradense e o visitante.

Prados surgiu das bateias, almocafres, carumbés, das grupiaras e cascalheiras, do trabalho aurífero, por volta de 1704. Tricentenária, pois, se sintoniza com Tiradentes e com São João del-Rei para compor um conjunto de cidades históricas das Vertentes, as três coetâneas, com pouca diferença de data, alvo de discussões infindáveis entre os especialistas.

Do êxito dessa festa também se deve boa percentagem à dedicação dos congadeiros daquele município, que mobilizando a comunidade tem se esforçado intensamente para manter a tradição, desde que foi retomada no começo da década passada, posto que havia paralisado.

E, outro tanto, se deve ao pároco, Padre Dirceu de Oliveira Medeiros, entusiasta consciente do valor da cultura popular, cujo apoio e respeito que nutre aos grupos culturais bem serviria de modelo a ser seguido por todo o clero.

Curiosamente nessa cidade a festa se desenvolve no seu dia maior na parte da manhã; um tanto original, posto que noutros lugares é à tarde. O modelo agrada posto que logo após o almoço libera os congadeiros para retorno às suas casas, sendo bem menos cansativo, poupa-os do imenso calor da tarde que se verifica nessa quadra do ano e ainda do risco de chuvas pesadas pegarem a procissão de surpresa no meio da rua.

Assim sendo, logo após a missa matutina, de caráter festivo, muito concorrida, na imponente Matriz de Imaculada Conceição, cada congado agrupado no extenso adro, adentra cantando e dançando na nave da igreja, sem pressa, desenvolvendo sua louvação e lá dentro, recebe do sacerdote a bênção e é aspergido por água benta, sob aplausos dos fiéis. Saem pela porta lateral e de volta ao adro se organizam em cortejo. Neste ano observou-se todos os catupés na dianteira e o moçambique atrás, na retaguarda, como de costume, fechando. Cruciferário na frente, ao meio, porta-lanternas abrindo cada ala da procissão, que segue para a bucólica Igreja do Rosário, levando os andores de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário, sob os cantares e tambores.

Serpenteando pelas antigas ruas, dos imponentes casarões os moradores apreciam, aplaudem, fotografam. Por toda parte se nota a alegria e a fé das pessoas, rezando com seus terços na mão, passando contas e mais contas, balbuciando ave-marias na intensão de...

A chegada ao adro do rosário é especialmente festiva e o sino anuncia efusivamente a entrada do cortejo. Dois mastros estão ali fincados, estampado no alto São Benedito e a Senhora do Rosário. Deles parte ornamentação até a igreja. Os congados lotam o adro e o povo junto a ouvi-los. Cada terno faz sua saudação e adentra o templo com toda fé e respeito, expressa na plenitude de sua musicalidade. As imagens também dão entrada e a palavra sacerdotal enaltece a santidade e parabeniza os esforços conjuntos em prol da comemoração. O incentivo é algo essencial. 

Findas as passagens de cada um na igreja, seguem para o almoço coletivo no pátio da escola próxima, preparado com o carinho de costume por uma equipe de cozinheiras, que por fim recebem a gratidão dos versos e beijam as bandeiras de cada guarda. 

Os congadeiros se confraternizam e despedem, "até para o ano, se Deus quiser!"

Prados é uma cidade que se tornou afamada por seu patrimônio cultural. Também pelo artesanato, de que é um centro muito significativo. As peças em madeira, os típicos bichos entalhados, são muito primorosos. O trabalho em couro vem de longa data - selaria, produção de calçados. O carnaval se agiganta em animação pelos desfiles e pelo tão arraigado boi-mofado. As festas religiosas transcorrem com brilhantismo. A música é uma marca da cidade, sobretudo por sua afamada corporação musical. Pelo Natal até o Dia de Reis, é a vez das folias, seja a local, seja a distrital das Folhas Largas, tão antiga. A Ponta do Morro, onde termina a Serra de São José está logo ali, com uma riqueza natural notável. História, cultura, hospitalidade. Muito se poderia apontar de Prados, cidade que merece ser conhecida e preservada em todos os sentidos de seu rico manancial. 

Igreja de Nossa Senhora do Rosário enfeitada e com mastros,
 no dia maior de sua festividade. Prados. 

Capitão de moçambique saúda capitão de catupé: respeito e consideração
são premissas na Festa do Rosário. 

Congado de Resende Costa. 

Congadeiros de Prados no adro da Matriz da Conceição. 

Capitão do congado de Coronel Xavier Chaves.

Congadeiros diante do andor de São Benedito. 

Congadeiro se persigna diante da imagem de São Benedito.
Sanfoneiro e capitão da guarda de Conceição da Barra de Minas. 

Rei e Rainha no adro do Rosário. Prados. 
Detalhe do mastro de São Benedito. 

O sino anuncia, congrega, festeja... Torre da Matriz de Prados. 

Pessoas observam da balaustrada do adro do Rosário
a chegada da procissão.

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 16/10/2016

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Senhora Aparecida nas Vertentes

Nossa Senhora sempre foi muito querida pelos católicos e alvo de grande devoção popular. Dentre tantas invocações marianas, uma ganhou um destaque especialíssimo como padroeira do Brasil, comemorada a cada 12 de outubro desde o ano 1980: Nossa Senhora Aparecida. Na referida data, o querido Papa João Paulo II consagrou a nova Basílica em Aparecida / SP e a devoção que já era enorme ainda mais se agigantou. 

A fama dos milagres da santinha de terracota, achada quebrada no fundo do Rio Paraíba do Sul por pescadores em 1717, correu por terras longínquas e nesses três séculos _ que se completam em outubro do próximo ano _ atraiu milhares e milhares de romeiros o ano todo para a cidade paulista. O complexo religioso do santuário merece ser visitado. Todos os meses recebe muita gente e na festa principal acolhe uma multidão impressionante.

Não tardou que corresse sua fama de protetora dos pobres, dos humildes, dos pescadores, dos escravos. Desde os primeiros milagres narrados facilmente se depreende esta lição:

1- espanta a fome dos pescadores abarrotando-lhes as redes de peixes;
2- rompe grilhões de um cativo;
3- reacende velas apagadas na humilde ermida primitiva;
4- cura de cegueira a uma menina;
5- guarnece um pescador desprovido de munição do ataque iminente de uma onça feroz;
6- resgata do afogamento um menino que ia sendo tragado pela correnteza;
7- impede a entrada do herege a cavalo na igreja...

Traduzindo em essência e sequência...

1- provê;
2- liberta;
3- ilumina;
4- cura;
5- protege;
6- salva;
7- combate o ateísmo.

Este último sob a ótica da cultura popular é de uma eloquência notória, porquanto o cavaleiro em atitude de zombaria queria a todo custo entrar na capela e destruir a imagem aparecida das águas do Rio Paraíba do Sul, mas as patas de seu cavalo não conseguiram ultrapassar a pedra da soleira de entrada, porque as ferraduras como que grudaram na rocha, como se fundindo à ela ou colando... Na "Sala dos Milagres" da Basílica Nacional, dentre os inúmeros ex-votos, está esta pedra notável, sempre alvo de muita observação dos romeiros, comentários, ponderações, considerações. Afinal, em silêncio, a força divina freou o renitente, o poderoso, o zombeteiro, o opressor, aquele que duvidava do poder sagrado. Isto marca a alma do povo. 

Pois através dos visitantes que chegam e saem, a devoção se esparramou e logo capelas, igrejas, grutas, grupos folclóricos e festas a ela dedicadas se espalharam pelo país. 

É comum que em Aparecida se veja a presença de congados e folias das mais diferentes regiões visitando o santuário e cantando para a santa querida. Esse costume ganha força especialmente em duas ocasiões: as folias em janeiro, durante um grande encontro, e os congados em abril, após a Semana Santa, pela festa de São Benedito. São grupos paulistas, fluminenses, paranaenses, capixabas, mineiros e goianos. Mesmo aqui da região das Vertentes, eles demandam para lá. Grupos de São João del-Rei, a 300 km de distância encaram a perigosa viagem pela Mantiqueira madrugada a dentro para assistirem a primeira missa matutina e peregrinarem em cantorias. Uma fé notável, inabalável. E de retorno trazem consigo imagens, quadros de santos, medalhas, instrumentos musicais, lembranças, experiências. A romaria a Aparecida é esperada o ano todo, ansiosamente. 

Foi então muito natural, simples, automático, que folieiros e congadeiros a tomassem por padroeira, cantassem em versos e estampassem em bandeiras e mastros. 

No ir e vir a cada ano são trocadas experiências e saberes entre os grupos da cultura popular. É sempre uma oportunidade de enriquecer o cabedal de conhecimento e de renovar a fé. 

Uma das tradições mais arraigadas do dia desta santa é a soltura de fogos de artifício não exatamente nas igrejas mas nas casas dos devotos. O povo acorre à compra de foguetes e rojões e de seus quintais, do alto das lajes das residências, da rua fronteiriça ao lar, das pracinhas, soltam seu foguetes em homenagem à santa amada, nas horas abertas: 6, 9, 12, 15, 18 horas. Mas é sobretudo ao meio-dia que ouvimos o maior número de fogos estourando no ar. O espetáculo é digno de nota e se mantém firme ao longo dos anos. 

Nas cidades e povoados da região das Vertentes há várias festas a ela dedicadas. O dia é um feriado muito respeitado pelo povo. 

Ainda a pouco noticiamos sua festa no distrito tiradentino de César de Pina.

Em matéria jornalística recente noticiou-se que em 2016 estavam programadas festas em honra a esta invocação mariana em São João del-Rei, no Salão Comunitário do INOCOOP (Paróquia do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos), na Capela de N.S. Aparecida da APAE (Paróquia de São João Bosco) e na Capela de Nossa Senhora Aparecida do Bairro Guarda-mor (Paróquia de São Francisco de Assis) com ampla programação religiosa e social (*).

É orago de pelo menos cinco capelas na zona rural são-joanense: no Valo Novo, em Goiabeiras de Baixo, no povoado do Cedro, no Sobe e Desce e agora no Mumberra, esta sendo inaugurada hoje, beirando as montanhas da Serra do Lenheiro. Cada uma delas sedia uma festa própria. 

No Cedro, situado no distrito e paróquia de São Miguel do Cajuru (São João del-Rei) é co-festejada com São Sebastião (outra grande devoção das zonas rurais), agora em outubro em sua capela própria, dias 22 e 23. Destaque para o encontro de duas cavalgadas no campo de futebol, uma vinda do Cajuru e a outra do Morro Grande e congregação das imagens dos padroeiros da paróquia do Cajuru na capela: São Miguel (do Cajuru), São Benedito (da Vendinha), Sr. Bom Jesus do Monte Calvário (do Chaves), Nossa Senhora das Graças (do Morro Grande) e Nossa Senhora Aparecida (da Colônia Santa Inês - já do município de Barbacena). Daí correm procissões, missas, festa de largo, almoço, queima de fogos de artifício. Também marcada a presença de uma folia de Reis vinda de Lagoa Dourada, no sábado à noite.

No povoado do Fé embora não seja a padroeira goza de grande devoção e é lembrada em festejos. Houve naquele lugar uma folia dedicada a ela, organizada a vários anos pelo saudoso Mestre "Lu Candinho" (Luís Cândido Gonçalves). 

Em São Gonçalo do Amarante (ex Caburu), existe uma guarda feminina intitulada "Congada Azul e Branco Nossa Senhora Aparecida", ao estilo dos catupés, sob o comando do Capitão Domingos Sávio dos Passos. Levantam um mastro para ela na Festa do Rosário (ao lado do mastro do Rosário que é erguido pela guarda de congo do lugar). Na procissão saem os andores de Nossa Senhora do Rosário, de Nossa Senhora Aparecida e de São Benedito. 

A devoção a Nossa Senhora Aparecida é muito intimista. Quantas mães católicas ao nascerem suas filhas as batizam "Maria Aparecida" em homenagem à santa! Nos altares domésticos, diante da imagem enegrecida, de manto azul-anil e coroa cingindo a cabeça, postam-se as famílias na reza do terço; nas casas dos benzedores, um quadro está na parede com a estampa da Senhora Aparecida e em seu nome sussurram preces curativas e fazem cruzes gestuais sobre feridas e contusões. Nossa Senhora Aparecida está pendente numa medalha ao peito de uma criancinha para proteger-lhe; foi decerto sua tia ou a madrinha que ofertou, ciosa de seu dever protetivo. Senhora Aparecida está dentro da carteira do devoto, estampada num papel, santinho, prece, dobrada, surrada, pontas amassadas e desgastadas, mas insubstituível, pois é a garantia de uma bênção tão creditada. Está no ar, chegando por uma voz de radialista, às 18 horas, nesse Brasil interior, na beira do fogão à lenha, no curral, na varanda, no alpendre, no quarto estando-se acamado, na sala enquanto se espera a janta... a hora da Ave Maria, a bênção que chega por uma emissora. Ouvir no rádio à pilha a bênção de Nossa Senhora Aparecida é um dos costumes católicos mais arraigados. É hora da senhorinha que faz o crochê na velha cadeira pedir ao neto que se cale... "_ Vem rezar comigo, minino!" 

1- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, Córrego.
Santa Cruz de Minas (**), 14/08/2016. 

2- Nicho e gruta de Nossa Senhora Aparecida,
Gameleira, Bairro Tijuco, São João del-Rei. 18/08/2013. 

3- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, INOCOOP,
Bairro Matosinhos, São João del-Rei. 18/08/2013. 

4- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, Cohab Nova,
São João del-Rei, 11/08/2013. 

5- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, Cohab,
São João del-Rei, 11/08/2013. 

6- Catupé Nossa Senhora Aparecida, de Piracema/MG,
durante a Festa do Rosário de Passa Tempo/MG, 18/10/2015. 

7- Moçambique Nossa Senhora Aparecida, de Passa Tempo/MG,
durante a Festa do Rosário naquela cidade, 18/10/2015. 

8- Quadro de mastro de Nossa Senhora Aparecida, durante a Festa do Rosário
em São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei), 11/10/2015. 

9- "Congada Azul e Branco de Nossa Senhora Aparecida", de São Gonçalo do Amarante
(São João del-Rei), durante a Festa do Rosário naquela vila, 11/10/2015.  

10- "Congada Azul e Branco de Nossa Senhora Aparecida", de São Gonçalo do Amarante
(São João del-Rei), durante a Festa do Rosário naquela vila, acompanhando o andor de
Nossa Senhora Aparecida na procissão, 11/10/2015.  

11- "Congado Nossa Senhora Aparecida", um catupé da cidade de Resende Costa,
durante a Festa do Divino em Matosinhos, São João del-Rei, 15/05/2005. 

12- Congo das Águas Férreas, Bairro Tijuco, São João del-Rei,
durante a Procissão de Nossa Senhora Aparecida no Bairro Guarda-mor,
na mesma cidade, em 1983.

13- Folia de Nossa Senhora Aparecida, povoado do Fé
(São João del-Rei). Data desconhecida. 

14- Imagem de Nossa Senhora Aparecida no altar da capela mortuária
do Cemitério Municipal de São João del-Rei ("Cemitério do Quicumbi"),
14/07/2016. Observar o rosário de pedra sabão em derredor, a presença de orações impressas
(do tipo corrente) e de fotografias 3 x 4 cm de caráter ex-votivo. 

15- Oratório em madeira, improvisado num oco natural de uma árvore
de Ficus, na arborização do calçadão da Avenida Leite de Castro
em São João del-Rei, 15/06/2016.

16- Detalhe do mesmo oratório da fotografia anterior.
17- Cartaz da Festa de Nossa Senhora Aparecida
em Coqueiro (Prados/MG), 2016.
18- Cartaz da Festa de Nossa Senhora Aparecida, co-festejada
com São Sebastião, no povoado do Cedro (São João del-Rei), 2016. 
19- Cartaz da Festa de Nossa Senhora Aparecida,
Colônia Santa Inês (Barbacena/MG), 2016. 
20- "Nossa Senhora Aparecida nos proteja" : frase de para-choque
de caminhão. 

Notas e Créditos

Gazeta de São João del-Rei, n.945, 08/10/2016.
** Construída graças aos esforços do sr. Lorival Ramos ("Lorinho"), em 14/10/2005, conforme placa metálica afixada na gruta. Junto à gruta fica uma fonte de água potável que drena de nascente em bêta ao sopé da Serra de São José. Vez por outra corre notícia do poder curativo ou miraculoso dessas águas. 
***Texto: Ulisses Passarelli
**** Fotografias: 1-7, 11, 14, 18-20: Ulisses Passarelli; 8-10, 15-17: Iago C.S. Passarelli; 12 - autor não identificado; oferta: gentileza do Capitão de Congo Geraldo Elói de Lacerda; 13- autor não identificado; oferta: gentileza do Folião Mário Calçavara.