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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 3 de abril de 2017

Mascar fumo; cheirar rapé: outras formas de tabagismo

Além do hábito de fumar o tabagismo encontra outros desdobramentos menos comuns que costumam gerar curiosidade em muitos, por causa da estranheza que impõe: a prática de mascar fumo e de cheirar rapé, ambas em verdade caindo em ocaso ante a conscientização dos riscos à saúde que as campanhas veiculam e as próprias mudanças de costumes sociais. Ao uso do tabaco este blog dedicou uma postagem. (*)

No passado era comum, sobretudo nas áreas rurais, algumas pessoas carregarem consigo um pedaço (“lasca”) de fumo de rolo e dele cortarem uma pequena porção e lançarem-no à boca. Por longo tempo põe-se a mastigá-lo, lentamente. De tanto em tanto cospem um bocado de saliva saturada do caldo produzido. O hábito considerado repulsivo por muitos, aparenta origem indígena. Assim como o hábito de fumar, o de mascar também gera seu vício e os praticantes o fazem por muitos e muitos anos de sua vida. Estes garantem que traz benefícios aos dentes, afastando cáries, tanto mais ao intestino, por isentá-lo dos vermes. Portanto, sob este aspecto, é mais um remédio popular. A bem da verdade é um hábito em franco desaparecimento, que apenas sobrevive em lugares recônditos entre pessoas bastante idosas, conforme observação no Campo das Vertentes.

CASCUDO [s.d] dedicou um verbete ao assunto denotando sua origem tupi, difundida em formas e territórios diversos, mas apontou práticas semelhantes "pela Europa do norte, Inglaterra, Holanda". Fez sua aproximação desde a masca do fumo como outras folhas até nosso chiclete. Citando o relato de Antonil, atestou sua antiguidade entre nós: "homens há que parece não podem viver sem esse quinto elemento; cachimbando a qualquer hora em casa, e nos cachimbos, mascando as suas folhas, usando de torcidas, e enchendo os narizes deste pó." (in: Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, 1711). 

Já o cheirar rapé ainda se encontra, na cidade e nas roças. Também rareou seu uso mas em relação ao marcar fumo é nitidamente mais usado. Rapé é basicamente tabaco torrado reduzido a pó. É acondicionado em pequeninas latas com tampa, para se trazer na algibeira, no bolso da calça, camisa ou paletó. Outrora, quando era um hábito muito arraigado, traziam-no também em pequenas bolsas de couro ou tecido de trama bem fechada, que chamavam “bocetas” (de bolseta, ou seja, pequena bolsa de guardar objetos, à semelhança de um porta-moedas ou porta-níquel).

O rapé se adquire pronto em tabacarias, mas onde as lojas especializadas em artigos para fumantes não existem, o consumidor produz o seu próprio. O modo artesanal é o seguinte: pica-se o fumo de rolo em pedaços bem pequenos, que são a seguir levados a uma frigideira não untada. Ao fogo o fumo deve ser mexido para não queimar. Deve ser torrado de maneira uniforme. Na sequência, o conteúdo da frigideira é despejado em superfície plana onde é moído por ação do movimento de vai-e-vem de uma garrafa deitada. A seguir o fumo já reduzido a pó é coado para remoção de grânulos maiores, que podem ser novamente submetido à moagem. A substância deve ser bem homogênea.

Cheira-se tomando um pequeno punhado entre a ponta dos dedos polegar e indicador e leva-se a uma narina, aspirando, depois igualmente na outra. Alguns usam tampar uma narina com um dedo enquanto se aspira com a outra. Cheiradores de rapé costumam compartilhar entre si provas de seu produto. Oferecem ao colega: “dá uma cheiradinha no meu rapé, compadre” ou “experimenta este rapé”. Faz parte, como um ritual de compartilhamento e muitos tem prazer nisto.

O rapé induz ao espirro. É muito comum que após cheirar o indivíduo se ponha a espirrar uma ou mais vezes; tanto mais, julga que é melhor o produto, pela qualidade do fumo empregado, mais forte ou mais fraco. Justamente ao espirro atribuem empiricamente o processo de limpeza corporal. Acreditam os usuários que o rapé desobstrui as vias respiratórias e contribui para expectoração.

São especialmente procurados os rapés que possuem acréscimo de certos pós adicionais, produzidos a partir de plantas de uso na medicina popular: umburana, cânfora, eucalipto. A estes dão maior valor como remédio, para combate a alergias respiratórias, rinite, sinusite. Eis a crença popular dos usuários. Para sinusite é especialmente procurado o rapé de girassol, que não leva tabaco. A semente do girassol deve ter a casca quebrada para extração do “miolo” (gérmen) e este é torrado e moído da mesma forma.

Nunca é demais afirmar que este blog não recomenda nenhuma destas práticas pelos efeitos maléficos que o tabaco gera sobre a saúde humana e o vício que produz. Não há comprovação científica da eficácia medicinal do hábito de fumar, mascar fumo ou cheirar rapé, tão pouco dosagem segura para uso. O registro nesta página é de natureza exclusivamente etnográfica, pelo valor folclórico que traz em si.

Um punhado de rapé na latinha e uma lasca de fumo de rolo.
São João del-Rei/MG, 03/04/2017. 

Notas e Créditos

* Leia a neste blog a respeito do fumo:
  FOLCLORE DO TABACO: as múltiplas faces do fumo na cultura popular

**Texto e fotografia: Ulisses Passarelli


Referência Bibliográfica

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d]. 930p.

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