O carro de bois é uma criação prática do homem, constituída por uma multiplicidade de peças ou partes, justapostas, encaixadas, intertravadas. É ciência do homem rural fazer cada parte do carro e monta-las adequadamente; saber e escolher a madeira ideal, o quanto e como desbastar, onde reforçar, o quanto reforçar... E tais peças tem curiosos nomes de batismo.
Tal nomenclatura é naturalmente variável de uma região para outra (*). Seu estudo deve considerar os detalhes do regionalismo.
O presente texto se desenha como um glossário, simples e regional, acerca das peças constituintes de um carro de bois ao redor de São João del-Rei, que ora se dispõe por ordem alfabética.
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Ajôujo – amarrilho estabelecido entre os dois bois de uma junta, através de uma torcida de tiras de couro ou uma correia, presa nas argolas que trespassam as pontas dos chifres: o chifre direito do boi da esquerda ao chifre esquerdo do boi da direita da junta. O ajôujo não permite que os bois ponham a cabeça em posição divergente um em relação ao outro.
Argola – peça de ferro, circular, vazada, usada para trespassar
cordas, correias, ganchos de correntes. É usada tanto nas pontas dos chifres
dos bois quanto na parte inferior da mesa do carro. Neste caso, serve para
atrelar uma junta nas descidas fortes, frenando o carro muito carregado.
Aro – cinta metálica ao redor da madeira da roda para proteger a
madeira. Antigamente era frequente o aro ter vários pinos metálicos (cravos)
para impedir deslizamento da roda nas descidas íngremes e escorregadias (“roda
cravada”).
Arrêia – travessa de madeira por baixo da mesa, cujos extremos se
inserem em orifícios escavados na chêda. As arrêias tem papel estrutural por
sua posição transversal às chêdas, mantendo-as equidistantes e suportando as
tábuas da mesa.
Braçadeira – corrente estabelecida entre os dois bois de uma mesma
junta, pescoço a pescoço, unindo-os através dos canzis.
Brocha – trançado de couro que uni o canzil direito ao esquerdo por
baixo do pescoço do boi.
Cabeçalho – peça reta de madeira, longa, que corre pelo centro da
mesa até o extremo oposto, ao qual se atrela os bois.
Cabongueira – segmento do eixo entre a face interna do rodado e o
cocão.
Cambão – corrente que une uma junta à outra. Substitui a tiradeira.
Cambota – duas peças mais externas do rodado, em forma de meia lua.
Canga – peça em madeira com curvatura para se ajustar à anatomia da
nuca dos bois, unindo-os numa mesma junta. Jugo.
Canzil – peça denteada que trespassa verticalmente a canga e se
posta em paralelo de cada lado do pescoço do boi.
Cavilha – trava de madeira trespassada. A pronúncia corriqueira é “cavia”.
Chaveia – pino de madeira na ponta do cabeçalho, usado para atrelar
uma junta de bois de coice.
Chaveta – alça de ferro na ponta do cabeçalho.
Chêda – borda da mesa do carro de cada lado. Lateral do carro.
Chumaço – peça entre os dois cocões, que os ajusta ao eixo,
contribuindo de maneira significativa para seu som característico. De ordinário
se usa uma madeira mais macia que a dos cocões, tais como aroeira fria e sangra
d’água, que favorecem o cantar do carro, mas por outro lado, obrigam substituição mais
frequente da peça.
Cocão – peça côncava de posição vertical, que prende o carro ao
eixo. Os cocões são postos aos pares, de ambos os lados.
Eixo – peça horizontal maciça que une os rodados, de confecção difícil
pela necessidade de equilíbrio das forças e dimensionamento adequado. As
madeiras prediletas são a sucupira e a pereira; por vezes se usa canela e
garapa.
Esteira – trançado de taquaras passado pelos fueiros sobre as chêdas,
rodeando a mesa para delimitar a área de carga. Esteira de segurar a carga.
Fueiro – pau tosco de ponta lavrada a facão, que se finca
verticalmente em perfurações da chêda, delimitando a lateral do carro. Os
fueiros sustentam a esteira e na ausência desta, a própria carga.
Meião – peça central do rodado, entre as duas cambotas.
Habitualmente pronunciam “mião”.
Mesa – a superfície do carro onde vai a carga.
Óculos – duas perfurações paralelas nos rodados, com a função de
dar vazão à agua e lama na travessia de atoleiros, ajudando que o carro não
agarre.
Orelha – travessa de madeira no extremo do cabeçalho de alguns
carros, transversal ao mesmo, ou seja, horizontal. Substitui o pigarro.
Pigarro – peça vertical no extremo do cabeçalho para se atrelar a
junta de coice.
Rodado – a roda do carro de bois.
Rosário – conjunto de pinos em disposição circular ao redor do
rodado, que dizem fortalecê-lo.
Sôgra – corda estabelecida entre as cabeças dos bois de uma junta,
substituindo o ajôujo.
Tamoeiro – trançado de couro que prende o centro da canga à ponta
do cabeçalho ou à tiradeira.
Tiradeira – peça reta de madeira com um pino de travamento usada
para atrelar uma junta à outra. Substitui o cambão.