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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 24 de outubro de 2017

Festa do Rosário, Rio das Mortes, 2017

É difícil descrever uma Festa do Rosário. Ao olhos leigos ou apenas desatentos são todas iguais a não ser por pequenos detalhes: novena ou tríduo preparatório, mastro, alvorada, congados pelas ruas - com seu colorido e batuque, cantorias e danças - missas, recolhimento de reinado, chamada de reis e rainhas, procissão, fogos de artifício e despedidas. 

Igreja de Santo Antônio de Pádua e cruzeiro em seu adro. 

De fato este é o arcabouço básicos desses festejos. Contudo, tal visão simplista obscurece a verdadeira riqueza do evento religioso e da cultura popular a ele conjugado, sincronizado, harmonizado. 

Detalhe do mastro de Nossa Senhora do Rosário. 

Em cada festa podemos perscrutar as nuances da tradição e no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, em São João del-Rei, a comemoração congadeira em honra ao rosário de Nossa Senhora está de tal forma entranhada, intrínseca na população, que se tornou um atrativo ímpar, uma marca identitária, quiçá a mais característica. 

Vista tomada do coro, vendo-se congadeiros cantando após a
celebração da missa, sob apreciação de muitos devotos e visitantes. 


Famoso por ser a terra da Beata Nhá Chica, a vila está a cerca de 10 km de sede municipal, junto à BR-265, ocupando a extensa várzea do Rio das Mortes Pequeno, afluente da margem esquerda do Rio das Mortes. A localidade outrora era formada de pequeno aglomerado de casas em estilo rural, ao redor de uma praça plana e gramada, hoje está em adiantado processo de urbanização e modernização do casario. Era típica a criação de galinhas e porcos no centro do distrito, em comum. Tal aspecto se diluiu com o tempo e uma primeira mudança significativa aconteceu na década de 1970 com a implantação do distrito industrial nas imediações. Na década seguinte foi impactante na vida social e econômica local a passagem da Ferrovia do Aço, trazendo para a área novos moradores e influências. Também merece destaque a passagem por dentro da vila da Estrada Real, especificamente do Caminho Velho, primitivo Caminho Geral do Sertão, que ainda possibilita uma pitoresca caminhada contemplativa da história, desde os bandeirantes aos dias atuais. 

Vista tomada do coro, vendo-se o congo saindo da igreja para a praça. 

Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno foi grande produtor de sabão de bola, o famoso sabão artesanal tão típico e de uso popular. Também se destaca em várias expressões do artesanato e na produção de queijo. Hoje boa parte da população é flutuante, deslocando-se diariamente à cidade para trabalhar. 

No final das filas de dançantes, crianças se esforçam em movimentos
ágeis e sincronizados. 


Outro aspecto da dança das crianças.  
No campo cultural merece destaque a atividade musical, tradicionalíssima, contando a centenária corporação musical do lugar com orquestra e banda, com registro em 1895, desde então em atividade ininterrupta. É a Lira do Oriente. Outrora eram tradicionais também a folia de Reis, as pastorinhas e a encomendação das almas. Ainda se reza e festeja nos cruzeiros, enfeitados fielmente no mês de maio. O carnaval é sempre muito animado, com agremiações locais fazendo concorrido desfile. 

Banda Lira do Oriente durante a posse dos reis e rainhas.  

Centenária Banda de Música Lira do Oriente, força cultural marcante
no distrito.  

A festa do padroeiro Santo Antônio de Pádua é um marco anual indelével, que mobiliza a devotada população. As comemorações de Nhá Chica também tomam vulto e o turismo religioso desponta como uma alternativa econômica muito importante, que decerto ainda tem muito que crescer. A capela dedicada à beata vai em adiantado estado de obra, junto às ruínas da Igreja Velha, local de grande importância arqueológica.

Marcha de rua durante o recolhimento do reinado.

Movimentação durante a marcha de rua.   
O povo acolhedor, munido de grande fé, cioso da preservação de suas tradições, se irmana nas ruas pelos festejos anuais do Rosário. A criançada acorre ao parque de diversões e atiça os mouros do congado com provocações, pelo simples prazer de deles correr temerosos da sua espada de madeira. A igreja, muito bem conservada, fica lotada de visitantes e gente em prece. Pelas barracas de comes e bebes também se avista muitas pessoas. A socialização é evidente. Por toda parte alegria, bate-papo, descontração e amizade.

Os mouros, "Pirata" e "Silo". 

Cercadores: impedem os mouros de tirar a coroa da reinado com a espada. 

A passagem do congo agita e logo muita gente os acompanha rua afora, observando as peripécias dos mouros e apreciando a cantoria afinada dos soldados do rosário. Capitão Pedro maneja a bengala enfeitada comandando a notável congada. Ele e seus irmãos, demais familiares, parentes e amigos, formam um grupo coeso, que bem caracteriza o sentido de irmandade. A muitas e muitas décadas mantém a congada, que já ultrapassou a contagem secular dos anos. 

Capitão Pedro: tradição, sabedoria e fé - atributos de um grande líder.

Reis e rainhas descem em cortejo até o adro, cingidos de coroa e trazendo espórtulas, recolhidas no momento da chamada, recebendo como mimo o costumeiro cartucho de amêndoas. A sineta bate e a quantia é anunciada de público. Sobre o coroado é aspergida água benta. A banda, posicionada adrede, irrompe num pequeno trecho de marcha festiva: posse de reis e rainhas. 

O reinado.  

Chamada e posse dos reis e rainhas.  
Opas, ciriais, turiferários, carregadores de andor... um perfume de incenso rescende no ar. Foguetes daqui e dali. O sino dobra. A Senhora balanceia no andor florido. O povo ora e se persigna. Viva o Rosário de Maria!

Andor de Nossa Senhora do Rosário durante a procissão. 

Caixeiros fazem vênia durante saudação aos reis e rainhas.  
Festa do Rosário precisa ser acompanhada com os cinco sentidos. Cada qual em seu momento e no todo se completam para caracterizar sua graciosidade, que nos faz esperar saudosos o ano que vem, para de novo participar, cada vez com mais encanto da mesma programação. 

A festa enseja alegria espontânea  e verdadeira.  

Por toda sua riqueza histórico-cultural e pela hospitalidade de seu povo, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno merece ser visitada. A título de encerramento o vídeo lincado a seguir revela alguns momentos flagrados durante o recolhimento do reinado pelas ruas do histórico distrito, berço de riquíssima cultura. 



Notas e Créditos

* Vídeo e fotografias: Iago C.S. Passarelli
** Texto, acervo e edição de vídeo: Ulisses Passarelli

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