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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Toponímia: uma expressão do patrimônio cultural

O homem, na ocupação do ambiente e ordenação das vias, batizou rios, montanhas, cachoeiras, ruas, vilarejos. Sua marca cultural foi deixada na toponímia. 

Alguns nomes parecem estranhos ou desconexos a princípio, pois desconhecemos sua origem remota, que, talvez, não tenha correspondência com fatos recentes, mas carregam  valores identitários no seu âmago. 

Todo município certamente tem seus exemplos, mas seja por enquanto observado o de São João del-Rei. 

Certos acidentes geográficos tem nomes interessantes. Na Serra do Lenheiro existem algumas áreas com nomes específicos: Buraco do Urubu (referência a área de nidificação), Águas Gerais (local de onde vertem muitas nascentes), Arambinga (origem não identificada), Porteira Pesada, Tanque dos Quilombolas (referência aos escravos fugidos), Mato Assombrado, Gruta do Caititu (nome de um porco selvagem), Morro das Almas (local que marca o poente, à hora das almas, 18 horas), Serra de Santo Antônio (alusão a uma lenda que narra a aparição deste santo numa loca de sua encosta), Garganta do Diabo (cachoeira impetuosa), Cachoeira Véu de Noiva, Sete Metros (poço fundo), Areão, Areia Branca, Areinha, Facão (culminância escarpada de uma vertente), Azulão (referência a tonalidade da água de um poço nas imediações das Três Praias), Cachoeirinha. 

Os fluxos d'água, montanhas, arraiais e propriedades rurais também trazem nomes que evocam muitos aspectos: 


- nomes ou sobrenomes de pessoas, em geral fazendeiros - Poço do Antenor, Córrego do André, Chapada do Diogo, Morro do Francilino, Gregório (povoação), Ribeirão dos Chaves, Serra do Julião, Colônia do José Teodoro, Ponto dos Resende (povoação), Mama Rosa (localidade), Brito (localidade), etc.


- nomes de animais e plantas: Ribeirão Barba de Lobo, Córrego Coruja, Córrego Aricanga, Córrego Mato das Cobras, Córrego do Gambá,  Inhambu (povoação), etc.


1- Ribeirão Barba de Lobo, um dos
 formadores do Rio das Mortes Pequeno.
- nomes que aludem a características geográficas e particularidades paisagísticas: Córrego Brejo Comprido, Morro do Cascalho, Córrego Arranca-capim, Cachoeira da Mata, Pedreira da Divisa, Serra do Tronco, Cruzeiro da Pedra Ramaiuda, Morro Grande, Baía, Serrinha, Geada, Brumadinho (lugar de neblina), Ponte do Buracão (*), etc.

- nomes diversos ou relembrando algum fato marcante: Fazenda Capão do Defunto, Fazenda do Mundo-vira, Fazenda Rancho Queimado, Fazenda do Pega-bem, Pouso Real, Biongo, Caxambu (tambor e dança africanos), Palmital, Pasto dos Cavalos, Cabritos, Morro do Vento, Bandeirinhas, Povoado do Fé, etc.  

- nomes de arraiais e localidades ligados a profissões, ofícios, indústria popular: Raspador, Curtidor, Carvoeiro, Caldeireiro,  Engenho de Serra (maquinário primitivo de serraria), etc.                                                                                                 
Os arraiais e localidades também guardam nomes interessantes que merecem ser conhecidos e preservados: Cruzeiro da Barra, Zueira, Tenda, Buião, Brumado de Baixo, Brumado de Cima, Canela, Januário, Tijuco, Cananéia, Cedro, Vendinha, Valo Novo, Trindade, Ibitutinga ("serra branca", nome de origem indígena), Montividiu (o "monte visível", avistado de longe, em português arcaico (1), Caquende, Chapada, etc.

Ao longo dos anos infelizmente, ruas, povoados, cidades inteiras mudam de nome. É um atentado contra a memória histórica desses lugares pois em geral os topônimos batizam os lugares tendo como referência uma característica marcante, histórica, cultural, social e natural. 

2- Montividiu, visto da chegada da povoação.
As ruas são alvo frequente de alteração de toponímia, enquanto a atitude esperada seria a da preservação dos logradouros originais e deixar as novas sugestões de nomes para designar vias recém-abertas nos loteamentos em construção. Assim, dentre tantas, desapareceram os nomes Rua das Flores (atual Maestro Batista Lopes), Rua da Prata (Padre José Maria Xavier), Rua do Fura-olho (Modesto de Paiva), Rua da Laje (Homem de Almeida), Rua Direita (Getúlio Vargas), Rua do Campo (Fernando Caldas), Rua Jogo de Bola (João Magalhães), Rua do Barro (Coronel Tamarindo)... A nomenclatura era sutil e se dirigia a uma característica da própria vida naquele lugar. 

Tais mudanças são crimes contra o patrimônio histórico-cultural dessas comunidades tradicionalíssimas, fruto de equívocos da vereança. Dados publicados sobre 2006 por exemplo, dão conta que de 83 projetos aprovados pelo legislativo são-joanense, 10 eram de mudança de nome de rua (2). José Alberto Ferreira, então presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, abordou este assunto em artigo publicado em jornal da cidade, concluindo que "mudar o nome da rua sem uma razão muito convincente é ferir a individualidade do cidadão"(3). O professor Gaio, igualmente em boa hora alertou: "lamenta-se a infeliz arte bajulatória brasileira de homenagear personalidades, nem sempre dignas, à custa de troca de denominações de ruas e praças, perdendo-se com isso as primitivas denominações tão cheias de poesia, de história e da identidade de um povo" (4). Duas obras de historiadores são-joanenses foram dedicadas especialmente à questão toponímica e além dos dados históricos levantados de forma competente, Cintra (5) e Guimarães (6) informam de maneira abundante sobre as mudanças de nomes. 

Também nossos distritos sofreram várias alterações em seus nomes, recaindo sobre as vilas que os encabeçam (7): 


Emboabas: primitivo São Francisco do Onça, modificação ocorrida pelo decreto nº 1.058, de 31/12/1943. Muitos ainda o denominam “o Onça”, nome do ribeirão que lhe corta; 

Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno: topônimo encurtado para Rio das Mortes pelo Decreto-lei nº148, de 17/12/1938. A Lei Municipal nº 4.138, de 11/07/2007 recuperou o nome original desse distrito; 
São Gonçalo do Amarante: desde pelo menos 1732 (data da capela local) era São Gonçalo do Brumado, até 1923, quando foi alterado para Caburu, nome que, apesar de ainda ser usado pela população, foi alterado para o atual pela resolução nº 1.081 da Câmara Municipal de São João del-Rei, datada de 28/06/1990. Alteração infeliz, pois houvera ter aproveitado a oportunidade para recuperar o topônimo original, que já referenciava o padroeiro; 
São Miguel do Cajuru: nome do começo do século XVIII que se manteve até ser alterado para Arcângelo, pelo mesmo decreto que alterou o nome do Onça e depois de intensiva ação em prol da recuperação do nome original por parte do sr. José Antônio de Ávila Sacramento,  filho daquela terra de rica história, retornou ao nome autêntico pela lei nº 3.536, de 27/06/2000. 
São Sebastião da Vitória: já foi apenas Victoria, instituído como distrito pela lei municipal nº70, de 15/01/1900. O nome atual veio em 1962, por força da lei nº2.674, de 30 de dezembro.

Quisera tivéssemos de volta nossos nomes originais com suas histórias e estórias. Eles fazem parte do processo de construção histórica de nossa própria civilização. Marcam épocas, devoções, sentimentos, peculiaridades. Eles enriquecem a nossa cultura e ajudam a construir nossa identidade como se testemunhassem publicamente a sabedoria popular. Não resta dúvidas que a toponímia é parte significativa do patrimônio cultural imaterial de um povo. 



3- Placa indicativa na estrada do Largo da Cruz, 
distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno. 
4- Placa viária na entrada da Vila de São Gonçalo do Amarante. 

Referências na Web


(1) - Achando info (acesso em 11/02/2014, 8:20 h): http://www.achando.info/Montividiu

Referências bibliográficas e hemerográficas

(2) - Gazeta de São João del-Rei, 24/02/2007, p.3. 
(3) - Gazeta de São João del-Rei, n.205, 13/07/2002
(4) - SOBRINHO, Antônio Gaio. Sanjoanidades: um passeio histórico e turístico por São João del-Rey. São João del-Rei: A Voz do lenheiro, 1996. 90p.il. p.24-25.
(5) - CINTRA, Sebastião de Oliveira. Nomenclatura de Ruas de São João del-Rei. Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n.6, 1988. 24p. 
(6) - GUIMARÃES, Fábio Nelson. Ruas de São João del-Rei. FAPEC: São João del-Rei, 1994.
(7) - PASSARELLI, Ulisses. Pequena cronologia distrital. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n.12, 2007.


Notas e Créditos

* A Ponte do Buracão situa-se dentro da vila de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno. Era feita de madeira e seu mau estado de conservação gerou vários acidentes e inconvenientes, com reclamações dos moradores do distrito (ver jornal: Gazeta de São João del-Rei, n.411, 15/07/2006). A ponte de madeira foi substituída por uma de concreto armado. 
** Texto e fotografias (2013: 1, 2 e 3 / 2010: 4): Ulisses Passarelli

2 comentários:

  1. Caro Ulisses,
    Belíssimo trabalho, digno de tornar o Patrimônio Imaterial mais rico e peculiar.
    Parabéns!!!!
    Abraço amigo, Luiz Cruz

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  2. Caro Ulisses,
    Belíssimo trabalho, digno de tornar o Patrimônio Imaterial mais rico e peculiar.
    Parabéns!!!!
    Abraço amigo, Luiz Cruz

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